#sim

Karen Rodrigues
Mundos & Fundos
Published in
3 min readNov 20, 2016

Eles entraram de mãos dadas, como um casal qualquer. Talvez, por um intervalo de tempo curtíssimo, tenham até se olhado nos olhos. Pegaram a mesa à nossa frente e, a partir do momento em que se sentaram, já não era mais possível dizer se estavam brigados ou não, se eram namorados ou não. Por que foi nessa hora que as mãos deixaram de se segurar uma à outra para pegar os celulares. E seus olhares não se encontraram mais.

Passei alguns minutos olhando — não tão discretamente quanto eu gostaria de admitir — para os dois. Eu não abaixaria a cabeça nem voltaria a comer até o momento em que voltassem a se olhar, mas, para minha decepção, eles não o fizeram. Vi o garçom passar algumas vezes pela mesa do casal, sem parar para anotar o pedido. Talvez ele não quisesse interromper o que quer que ambos estivessem fazendo em seus celulares. Talvez estivesse tão pouco à vontade com a situação quanto eu.

Foi com certo constrangimento que finalmente percebi por quanto tempo eu estivera os observando, e decidi, então, desviar o olhar. Num sobressalto, descobri que o restaurante inteiro, incluindo minha família, olhava para o casal apaixonado, e me senti no direito de acompanhar os ali presentes na divertidíssima atividade de assistir à total falta de interação entre namorado e namorada. Afinal, nenhum dos dois parecia notar o parceiro à sua frente, quanto mais os espectadores em volta.

Mas então, algo incrível aconteceu. O homem, parecendo ter se lembrado de algo importante, descansou o celular sobre a mesa, piscou algumas vezes — talvez percebendo, pela primeira vez, estar com fome — e pegou algo no bolso. Uma caixinha preta, Vários segundos se passaram até a mulher finalmente levantar os olhos do celular para pousá-los na pequena caixa escura e aveludada. O homem segurou sua mão. A moça pareceu um tanto quanto confusa. O que ele teria de tão importante para dizer que não pudesse esperar? Ela estava ocupadíssima curtindo as fotos dos amigos no celular e talvez compartilhando com todos o fato de estar aproveitando um jantar romântico com um cara incrível.

O restaurante inteiro prendeu a respiração. Todos, assim como eu, comovidos com o primeiro contato feito entre os dois e imóveis, na expectativa pelo que estava por acontecer. Agarrei a toalha de mesa. Duas garçonetes se deram as mãos, cochichando entre si. O gerente roía as unhas, a essa altura, sem se preocupar com a tarefa de atender os clientes, que também não se importavam com mais nada que não fosse o casal.

Então, o homem se ajoelhou ao lado da mulher e, sob tantos olhares, perguntou-lhe:

— Helena, casa comigo?

A coisa era mais séria do que todos supúnhamos, afinal! E, mais importante, ele — graças a Deus — se lembrava do nome dela.

A jovem mulher, com lágrimas nos olhos e celular ainda em mãos, gritou um sim. Sim!

Metade do restaurante respirou aliviada. Eles se casariam. A outra metade balançou a cabeça em sinal de desaprovação, era impossível que uma relação assim se traduzisse em um casamento saudável. Mas o casal, novamente, não estava interessado no que acontecia à sua volta, pois no momento em que o homem (chamado Flávio, como todos viemos a descobrir pelos gritos animados de sua futura esposa) terminou de colocar a aliança no dedo de Helena, ambos posaram para a primeira de muitas — muitas — fotos, que, logo em seguida, foram postadas em todas as redes sociais.

Passado todo o furor do momento, quando Flávio e Helena já estavam ocupados demais, cada um acompanhando o sucesso das fotos e avaliando se o acontecido havia tido a repercussão esperada, ambos sorriam, não um para o outro, mas para seus respectivos celulares.

Minha mãe começou a dizer algo sobre a bagunça que estão as relações nos dias de hoje, mas eu não ouvi e apenas concordei com um movimento de cabeça, sem prestar muita atenção no que fazia, por que a essa altura eu já me dedicava à tarefa de encontrar Flávio e Helena em qualquer rede social que fosse possível. De certa forma, me deixava pasma a relação daqueles dois, mas, apesar disso, eu havia acompanhado o último encontro de Flávio e Helena como namorados e seus primeiros momentos como noivos. Não poderia deixar de curtir e talvez até comentar todas aquelas fotos. Afinal, se não o fizesse, seria quase como se eu não tivesse feito parte disso. Já a conversa com a minha mãe, bem, isso poderia esperar.

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