Um estranho de cabelos desgrenhados

Catherine Gomes Duarte
Mundos & Fundos
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5 min readMay 27, 2017
Créditos de Imagem: Pexels

E a professora falava incansavelmente sobre diversas técnicas de diagramação, e eu só conseguia olhar para o relógio do meu celular de cinco em cinco segundos. Eu estava prestes a surtar. O grupo de meninos sentados no canto direito do fundo da sala não paravam de falar um sequer minuto, meus dois colegas de sala estavam no vigésimo sono. Olhei para o relógio novamente, minha cabeça estava prestes a explodir. Não que eu não goste de diagramação, pelo contrário adoro, mas a parte teórica naquela específica quinta-feira estava me matando aos poucos.

Após infinitos minutos a professora anuncia o final da aula. Jogo meu caderno e estojo dentro da mochila, e sigo em direção a saída da sala de aula, que estava aglomerada de pessoas desesperadas para sair daquele ambiente. Aguardei pacientemente ao lado da mesa da professora, a mesma estava arrumando suas coisas com um ar desanimado não é para menos, em uma sala de quase cem alunos — isso se não forem de fato cem alunos, ou mais –, quase ninguém demonstrava interesse pela sua matéria, principalmente a parte teórica.

Ao sair da sala fui em direção às escadas, peguei meu fone de ouvido na mochila e coloquei qualquer playlist para tocar — não estava com paciência para ficar selecionando músicas –. Cheguei às catracas da faculdade que estavam aglomeradas de alunos de diversos cursos tentando passar suas carteirinhas incansavelmente, enquanto o rapaz da portaria diz em voz alta que algumas catracas estavam com problema. Olho ao redor, todos demonstraram uma atitude frustrada. Enquanto o rapaz da portaria liberava as catracas, os alunos se viam claramente impacientes, alguns conversando e reclamando entre si, enquanto outros apenas com o brilho da tela do celular refletido em seus rostos.

Saí da faculdade e fui em direção ao metrô, pensei comigo mesma, eu não queria ir para casa. Eu não estava com paciência para passar mais um dia, me estressando com trabalhos e matérias atrasadas da faculdade, eu precisava me desligar um pouco disso. Tendo isso em mente, me vejo andando sem rumo pelas ruas até que avisto uma cafeteria, porque não tomar um café e esquecer um pouco desse tudo que tanto me incomoda?

Adentro a cafeteria e logo sou seduzida pelo cheiro de café fresquinho, o ambiente era mais agradável do que eu imaginava. Sigo em direção a atendente para fazer meu pedido, peço um espresso com chantily e um muffin de banana com gotas de chocolate. Sento-me em uma cadeira próxima ao local de retirada dos pedidos, e aguardo pacientemente meu nome ser chamado.

Observo o ambiente ao meu redor, e vejo diversas pessoas conversando entre si, vendo alguma coisa em seus celulares ou notebooks, alguns liam livros, outros revistas. Mas todos estavam fazendo alguma coisa, enquanto apreciavam seus respectivos pedidos. Minha observação é interrompida ao ouvir meu nome sendo chamado pelo atendente sorridente de olhos claros, não consigo evitar o sorriso, me aproximo da bancada onde o mesmo me recebe com um sorriso, e me entrega o copo quente e um pequeno saquinho, onde acredito eu, que estava o muffin, agradeço com um sorriso que logo é retribuído por outro. Devo admitir que fico claramente sem graça perto de pessoas bonitas. Por quê? Bom, também não sei.

Vou em direção as poltronas do estabelecimento, e me sento confortavelmente em uma, colocando o saquinho na mesa à minha frente. Ao degustar meu pedido, continuo observando o fluxo de pessoas que adentravam e saiam do estabelecimento, até que então um rapaz de cabelos escuros e desgrenhados me chamou atenção, notei que ele tinha um caderno em mãos, pelo modelo aparentava ser um moleskine. O rapaz observava o ambiente ao seu redor atentamente com os olhos cerrados, e então riscava algo em seu caderno. Até que então pude finalmente notar, que ele estava desenhando — sim devo admitir que minha percepção foi lenta neste momento –.

Enfim, após alguns longos minutos observando o rapaz desenhar, vejo que ele trocou de página e estava concentrado em um ponto específico do estabelecimento. Há essa altura meu café já havia terminado, e meu muffin devorado. Viro-me para o lado que o rapaz estava focado, e sorri para mim mesma. Pude notar que ele estava desenhando um casal de velhinhos que conversavam com o rosto bem próximo um do outro, enquanto degustavam seus pedidos. Me viro para o rapaz, e vejo que o mesmo estava olhando para mim, dou um sorriso sem graça, que é retribuído logo em seguida pelo mesmo que passa as mãos no cabelo meio sem jeito, como se eu tivesse acabado de descobrir seu segredo mais íntimo.

Encaramos-nos e sorrimos um para o outro por alguns longos segundos. Até que somos interrompidos pelo meu celular que toca escandalosamente em cima da mesa à minha frente. Pego o aparelho e vejo que um amigo estava a me ligar, atendo a ligação, e percebo que havia esquecido completamente que tinha combinado de almoçar com ele, explico a situação para ele que entende e diz não ter problema algum, até porque ele estava me ligando para avisar que levaria uma colega de sala para almoçar conosco. Suspiro aliviada e desligo o telefone. Olho rapidamente o horário no meu celular, e decido então voltar a pé para casa.

Arrumo minhas coisas, e me levanto, pude notar que o rapaz que desenhava estava me observando discretamente, sorri para mim mesma, e me viro para o mesmo com um sorriso no rosto, que logo é retribuído por outro, faço um sinal de despedida com a cabeça, enquanto o mesmo faz um gesto com a mão, pedindo para que eu me aproximasse. Me aproximo da mesa com um ar confuso, e o mesmo me entrega um pedaço de papel que foi arrancado de seu caderno. Com um sorriso no rosto ele me pede para abrir, abro o papel um pouco insegura, até que então pude notar que o rapaz havia feito um desenho meu, com um sorriso no rosto agradeço e entrego o papel novamente para ele. E ele diz que ele havia feito especialmente para mim, dou um sorriso meio sem jeito e agradeço. Despeço-me do rapaz de cabelos desgrenhados, e sigo em direção a saída com o desenho em mãos.

Ao pisar fora do estabelecimento, não pude evitar o sorriso que estava prestes a escapar, olho o desenho mais uma vez, e ao virar a página pude notar que o mesmo havia escrito seu nome e telefone, Thiago era o nome dele, e bem em baixo da folha, notei que havia uma mensagem que dizia: “Espero poder desenhá-la novamente qualquer dia”. Não pude evitar o sorriso que insistia em surgir, guardei o papel dentro do meu caderno para não amassá-lo.

E ao ir para casa não pude deixar de notar o sorriso constante que insistia em aparecer no meu rosto, quem diria que um mero estranho de cabelos desgrenhados chamado Thiago, e um pequeno desenho feito em uma folha de caderno amarelada, teriam o poder de tornar um dia que estava em ruínas, em uma felicidade tão pura.

Obrigada Thiago.

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Catherine Gomes Duarte
Mundos & Fundos

Não sei, só sei que eu escrevo uns textos e estudo jornalismo.