Há exatos 50 anos morria Arthur Friedenreich, o primeiro grande ídolo do futebol brasileiro

O Estado de S. Paulo, 07/07/1991, p. 35.

Acredito que muitas pessoas passaram pelo desafio de escolher a Seleção Brasileira de todos os tempos. A minha jogaria com Gylmar; Djalma Santos, Domingos da Guia, Mauro e Nilton Santos; Didi e Zizinho; Garrincha, Leônidas da Silva, Pelé e Friedenreich. E invariavelmente vinha a pergunta: Fried… o que?

Meu primeiro contato com este nome foi através da edição comemorativa do centenário jornal paulistano Diário Popular. Ali entre milhares de artigos, estava um impossível de ignorar intitulado: “Arthur Friedenreich, muita arte e 1.329 gols”.

Diário Popular, 08/11/1984, p. 81.

Hoje sabemos que esta marca não foi alcançada, ou, pelo menos, não foram encontrados gols suficientes para alcançar tal número.

O primeiro livro a levar a sério as estatísticas da carreira de Friedenreich foi “O Tigre do Futebol”, do jornalista Alexandre da Costa, que chegou a números mais modestos de 554 gols e 561 jogos. Mesmo assim uma incrível média de 0,98 gol por jogo. O próprio autor lamenta a dificuldade de encontrar registros e testemunhas da carreira do atacante. Inclusive acaba usando um recurso ficcional para ajudar na fluidez do texto, criando um personagem chamado de Geraldo Lunardelli, e apresentando-o como amigo de infância do Tigre. Outro destaque do livro são as fotos, em especial uma rara de Dona Joana, viúva do antigo ídolo.

No ano seguinte, os jornalistas Orlando Duarte e Severino Filho, lançaram pela Makron Books “Fried versus Pelé”. Para os curiosos posso contar que a dupla encontrou 558 gols. Mas o livro é muito mais do que isso. Dedicou mais da metade do seu espaço para percorrer a brilhante carreira de Fried, com direito a mais de uma centena de fichas de jogos. Para Pelé foram oito páginas de biografia e 36 de estatística.

Em 2009, o professor alemão Martin Curi, na época residindo no Rio de Janeiro e trabalhando na Universidade Federal Fluminense, lançou pela editora Die Werkstatt, uma biografia, “Friedenreich: das vergesse fussballgenie”, ou seja, “Fried, o gênio esquecido do futebol”. Embora dedique um capítulo para a polêmica dos supostos 1.329 gols, o objetivo da obra é apresentar Arthur Friedenreich ao público alemão. E de quebra resgatou ainda as raízes prussianas da família Friedenreich e seu patriarca Wilhelm, isto é, Guilherme, após desembarcar em Santa Catarina em 1850.

A mais recente biografia de El Tigre coincidiu com os 120 anos de seu nascimento, em 2012. “Friedenreich: a saga de um craque nos primeiros tempos do futebol brasileiro”. Publicado pela Casa Maior, e escrita pelo jornalista Luiz Duarte, que encontrou mais 37 gols, alcançando 595 gols em 605 jogos, mantendo a impressionante média de quase um gol por partida (0,98). Mas o que mais gosto no livro é uma belíssima foto da mãe do craque, a professora Mathilde, falecida precocemente aos 36 anos.

Mas Fried foi muito mais do que a polêmica menor do número de gols. Ele conseguiu muitas outras marcas impressionantes. Por exemplo foi artilheiro do Campeonato Paulista 8 vezes, marca que perdurou por 36 anos, quebrada somente em 1965 por um certo Pelé. Foi também o primeiro a superar a barreira dos 30 gols, terminando o Campeonato Paulista de 1921 com 31 gols em 21 jogos.

Além disso é o único jogador que esteve em seis momentos cruciais da história do futebol brasileiro:

1) Primeiros jogos de um time brasileiro no exterior — Em 1913 o S.C. Americano fez dois amistosos em Buenos Aires e mais dois em Montevidéu. Apesar de ser o campeão paulista de 1912, o time fez questão de se reforçar para a pioneira excursão e convidou dois jovens do C.A. Ypiranga, Formiga e Fried. Apesar do desempenho desfavorável (uma vitória e três derrotas) o estilo de jogo brasileiro foi muito elogiado.

2) Primeiro jogo da Seleção Brasileira — Em 1914 o Fluminense F.C. convidou o Exeter City F.C., time profissional inglês, para alguns amistosos no Brasil. Os visitantes ganharam com facilidade de um combinado de jogadores britânicos que jogavam por times cariocas (3X0) e da Seleção Carioca (5X3). Para o último jogo, os cariocas convidaram, pela primeira vez, jogadores paulistas para reforçarem o time: Rubens Salles (C.A. Paulistano), Sylvio Lagreca (A.A. São Bento) e os garotos Formiga e Fried. Resultado: vitória brasileira por 2X0, a primeira sobre um time britânico. E Fried ainda perdeu dois dentes…

3) Primeira vitória da Seleção Brasileira no exterior — A surpreendente vitória sobre os profissionais ingleses serviu de incentivo para os dirigentes brasileiros finalmente aceitarem um desafio feito pelos argentinos em 1913, logo após os jogos do S.C. Americano: a disputa da Copa Roca. Em setembro de 1914, a Seleção Brasileira ganhou por 1X0 da Seleção Argentina. E lá estava novamente Fried fazendo história.

4) Primeira conquista da Copa América — Fried foi o grande protagonista da conquista do então Campeonato Sul-Americano de 1919, no Estádio das Laranjeiras. Ele marcou o gol do título, na segunda prorrogação. E após o jogo ganhou dos uruguaios, vice-campeões, o apelido que o acompanharia por toda vida: El Tigre.

5) Primeiros jogos de um time brasileiro na Europa — Em 1925 o C.A. Paulistano disputou 10 jogos na Europa, obtendo 9 vitórias e sofrendo apenas uma derrota, com direito a goleada sobre Seleção Francesa por 7X3. Aliás, o único filme conhecido com Fried jogando, é deste jogo, arquivado na Cinemateca Francesa. Os brasileiros foram apelidados pelos jornalistas franceses de Les Rois du Fotball. A viagem foi registrada pelo colega de time Araken Patuska no livro Os reis do futebol.

6) Primeiro jogo profissional do futebol brasileiro — Em 1933, os principais clubes de São Paulo e Rio de Janeiro, cansados de perder seus craques para o futebol italiano, argentino e uruguaio decidiram aderir ao profissionalismo. A primeira partida sob o regime profissional ocorreu em 12/03, no Estádio da Vila Belmiro, entre Santos F.C. e São Paulo F.C. Aos oito minutos de jogo aconteceu o primeiro gol remunerado do futebol brasileiro. Gol dele mesmo: Arthur Friedenreich.

Por tudo isso e muito mais, Fried não pode ser esquecido. Principalmente porque tem espaço privilegiado sob as arquibancadas do Estádio do Pacaembu, no Museu do Futebol.

Friedenreich é homenageado pela Seleção Carioca de Futebol. Créditos: Arquivo Jcom | D. A Press | Direitos Reservados.

Autoria

Ademir Takara trabalha no Museu do Futebol e é bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro.

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