João Saldanha entre livros

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No centenário de nascimento de João Saldanha, a Biblioteca e Midiateca do Centro de Referência do Futebol Brasileiro listou no seu acervo a bibliografia básica para quem deseja conhecer melhor o estilo e as múltiplas facetas deste mito do futebol, do jornalismo e da vida brasileira.

Acervo Jornal Última Hora | Arquivo Público do Estado de São Paulo

“Fui contrabandista de armas aos seis anos de idade, líder estudantil aos 20, dono de cartório aos 33, membro do Partido Comunista Brasileiro a vida toda. Também fui jogador e técnico de futebol, campeão de basquete, jornalista, comentarista de rádio e televisão, analista de escola de samba, co-autor de enciclopédia, ator de cinema, candidato a vice-prefeito. Participei da Grande Marcha com Mao Tsé-tung, desembarquei na Normandia com Montgomery. Casei-me cinco vezes. Briguei muito e nunca levei a pior. Assisti a todas as Copas do Mundo (…) Parece que vivi várias vidas, sempre entre a lenda e a realidade.”

Para quem ousa não conhecer João Saldanha, essa poderia ser uma apresentação. Pelo menos foi assim que João Máximo imaginou o amigo jornalista e colega botafoguense, no céu, apresentando parte de seu currículo para um burocrático São Pedro, isso logo na abertura da biografia João Saldanha: sobre nuvens de fantasia.

No centenário de nascimento de João Saldanha, a Biblioteca e Midiateca do CRFB listou no seu acervo a bibliografia básica para quem deseja conhecer melhor o estilo e as múltiplas facetas deste mito do futebol, do jornalismo e da vida brasileira.

As sugestões de títulos foram divididas em crônicas e biografias. Nas crônicas de Saldanha transborda um texto leve e inteligente, por vezes, sarcástico com os cartolas arrogantes, mas, com frequência, tecendo elogios à coragem do jogador brasileiro e incentivando o amor pelo futebol-arte. Já nas biografias, vê-se a oportunidade de mergulhar nas muitas vidas de alguém que ficou famoso pelas histórias fantásticas, exageradas e inacreditáveis, mas que nunca foram desmentidas.

CRÔNICAS

Foto: Divulgação Museu do Futebol

SALDANHA, João. Histórias do futebol. Rio de Janeiro: Revan, 1994. 215 p.

O livro detalha as excursões do Fogão ao Norte e ao Nordeste brasileiros, à Venezuela e à América Central. Uma grande coleção de histórias de bastidores, como os passatempos dos jogadores, curiosidades das viagens, jogos e brigas dentro e fora de campo, com direto a Golpe de Estado na Venezuela e julgamento na Costa Rica. E, é claro, muitas opiniões contundentes do “João Sem Medo” sobre o mundo do futebol. Tudo estrelado por personagens fascinantes, desde o roupeiro Aloísio Birruma até o diretor Renato Estelita, passando, obrigatoriamente, por grandes ídolos do futebol brasileiro como Didi, Nilton Santos e, principalmente, Garrincha.

Publicada originalmente em 1963 pela Editora Tempo Brasileiro com o título de Os subterrâneos do futebol, a segunda edição foi lançada em 1980 pela Editora José Olympio. Esta é a terceira edição da obra. Está previsto ainda para 2017 a 4ª edição, pela Editora Lacre, que resgata o título original.

SALDANHA, João. O trauma da bola: a Copa de 82. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 266 p. Coleção Zona do Agrião.

Lançado em 2002 na esteira dos 20 anos da Tragédia de Sarriá, serviu de contraponto à memória afetiva dos jornalistas e torcedores que cristalizaram a ideia de que aquela seleção era perfeita, apenas por ter sido a última a praticar o verdadeiro futebol-arte. Nas crônicas, publicadas no Jornal do Brasil entre março e agosto de 1982, João Saldanha não cansa de repetir os dois problemas daquele time: a indefinição quanto aos titulares e a preparação física ruim dos jogadores.

MANHÃES, Eduardo Dias. João sem medo: futebol, arte e identidade. Campinas: Pontes, 2004. 143 p.

Apesar de O trauma da bola passar a impressão contrária, Saldanha tinha confiança e torcia pela vitória da Seleção Brasileira nos gramados espanhóis. O sociólogo Eduardo Manhães analisou o discurso do jornalista e ex-técnico nas crônicas sobre a Copa de 1982 e concluiu que a maior luta presente nos textos é a do “futebol-arte” contra o “futebol-força”.

SALDANHA, João. Vida que segue: João Saldanha e as Copas de 66 e 70. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. 302 p.

Vida que segue, de certa maneira é o contraponto a O trauma da bola, pois se este termina com o gosto amargo da derrota do “futebol-arte”, a obra organizada por Raul Milliet começa com a decepção da Copa de 1966 e termina com o triunfo do futebol-arte no Estádio Azteca. O livro também é uma homenagem a João Saldanha, com dois cadernos de fotos que totalizam 32 páginas, textos de Oscar Niemeyer, Sérgio Cabral, Tostão, Raul Milliet, Ruy Carlos Osterman, Villas-Bôas Corrêa, Nelson Rodrigues e Carlos Vilarinho, além de dois depoimentos inéditos de Saldanha, inclusive explicando sua demissão da Seleção Brasileira a 3 meses do início da Copa de 1970.

SALDANHA, João. As 100 melhores crônicas comentadas. Rio de Janeiro: Livrosdefutebol.com, 2017. 248 p.

Organizado por César Oliveira, com pesquisa e seleção do historiador Alexandre Mesquita que leu tudo o que foi escrito por João Saldanha entre 1960 e 1990, dos jornais Última Hora, O Globo, Jornal do Brasil e revista Placar. Além deles, comentários de Marcelo Guimarães, prefácios de Juca Kfouri e Tostão e posfácio de Ivan Cavalcanti Proença. As preferências de Saldanha estão marcadas nos capítulos “Seleção Brasileira” e “Botafogo”, enquanto as demais crônicas foram organizadas em “Futebol” e “Zona do Agrião”. O livro encerra com a última crônica escrita, “O melhor da Copa”, sobre a semifinal Alemanha X Inglaterra pela Copa de 1990.

BIOGRAFIAS

Foto: Divulgação Museu do Futebol

ZAMORA, Pedro. A hora e a vez de João Saldanha. Rio de Janeiro: Gol, 1969. 133 p.

Primeira biografia de João Saldanha, foi escrita pelo flamenguista Pedro Zamora (pseudônimo do coronel da Força Aérea e intelectual marxista Jocelyn Brasil). O livro, dividido em 10 capítulos detalha as faces do amigo botafoguense: o torcedor, o cronista, o treinador. Além de registrar vários depoimentos de jogadores e ex-jogadores, jornalistas e torcedores, tudo com um só objetivo: provar que Saldanha era a melhor pessoa para ocupar o cargo de técnico da Seleção Brasileira nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970.

MÁXIMO, João. João Saldanha: sobre nuvens de fantasia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará; Rio Arte, 1996. 137 p.

A coleção Perfis do Rio teve início em 1996, idealizada pela Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, em parceria com as Editoras Relume-Dumará e Rio Arte. São biografias de pessoas que marcaram a cidade a ponto de se confundirem com a paisagem carioca. Nomes como João do Rio, Oscar Niemeyer, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Grande Othelo e… João Saldanha. Mesmo fazendo parte do cotidiano de muitos leitores, telespectadores e ouvintes, por mais de 40 anos, como comentarista esportivo, de certa maneira, esta biografia mostra o momento em que o jornalista e ex-técnico começou a deixar de ser um personagem restrito ao futebol para adentrar à mitologia da Cidade Maravilhosa.

SIQUEIRA, André Iki. João Saldanha: uma vida em jogo. Rio de Janeiro: Editora Nacional, 2007. 552 p.

Não é apenas a melhor biografia sobre João Saldanha, mas um dos melhores livros sobre um personagem, no futebol, no jornalismo ou mesmo na história do Brasil. André Iki Siqueira reconstituiu os passos de Saldanha, desde a infância e os períodos na clandestinidade, até os momentos mais conhecidos como sua carreira de jornalista e a de técnico do Botafogo e da Seleção Brasileira. Para isso entrevistou 65 pessoas, entre amigos, familiares, colegas, jogadores e dirigentes, durante quatro anos, pesquisou fontes primárias e acervos dos arquivos públicos de São Paulo, Rio de Janeiro e Biblioteca Nacional. O livro também apresenta centenas de fotos, muitas inéditas ou raras.

VILARINHO, Carlos Ferreira. Quem derrubou João Saldanha. Rio de Janeiro: Livrosdefutebol.com, 2010. 254 p.

Uma biografia diferente, pois não trata da vida de um personagem, mas apenas de um pedaço pequeno dela. E que pedaço. Vilarinho fez um excelente trabalho de pesquisa para detalhar a passagem de João Saldanha como técnico da Seleção Brasileira em 1969–1970, principalmente o processo de desgaste que resultou na demissão. Pela primeira vez todas as polêmicas, dúvidas, acusações e frases conhecidas, e repetidas até hoje, podem ser consultadas com a localização precisa de onde, quando e como foi registrada, na TV, no rádio, jornal ou revista.

BULHÕES, Thereza. As feras do Saldanha: o João Sem Medo por suas mulheres. Rio de Janeiro: Lacre, 2013. 104 p.

Não é exatamente uma biografia. Talvez, o mais correto seria chamar de livro-homenagem ou livro de memórias, pois o foco é a palavra das ex-companheiras de João Saldanha: Hilda Lips, Ruth Viotti, Thereza Bulhões (organizadora do livro), Maria Sylvia e Helô de Andrade. Com prefácio de Juca Kfouri, orelha de Tostão e comentários de amigos e admiradores.

Placa pertencente à Sala Números e Curiosidades da exposição de longa duração do Museu do Futebol

BÔNUS I: Fala Saldanha! Veja algumas de suas frases mais emblemáticas:

“Futebol não é alienação: é lazer. O lazer faz parte da vida

Eu não brigo para ganhar, eu brigo porque tenho razão”.

Campo de futebol não é loteamento. Ninguém é dono de lote, de posição fixa”.

Esse negócio de João Sem Medo é relativo. O medo é relativo, o medo é a realidade das coisas. Todo homem tem medo, e isso creio que é normal”.

Pelé e Garrincha acima de todos”.

Quando alguém acerta na loteria, três visitas são certas: a do corretor de ações, a do vendedor de enceradeiras e a do padre”.

Meu time são onze feras dispostas a tudo. Irão comigo até o fim. Para a glória ou para o buraco”.

BÔNUS II

Quer conhecer mais sobre João Saldanha? Assista à entrevista realizada pelo Programa Roda Vida da TV Cultura, em 25/08/1987.

Autoria

Este texto é de autoria de Ademir Takara, bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro.

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Centro de Referência do Futebol Brasileiro
Museu do Futebol

Núcleo do Museu do Futebol dedicado a produzir, reunir e disseminar pesquisas e curiosidades sobre o futebol no Brasil.