Ludoarqueologia

Núcleo Educativo do Museu do Futebol
Museu do Futebol
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16 min readJan 2, 2024

A exposição temporária Futebol de Brinquedo (outubro de 2023 — abril de 2024)¹, disponível para visitação no Museu do Futebol enquanto a exposição de longa duração passa por um processo de renovação, apresenta, dentre outros objetos, uma série de jogos e brinquedos cuja temática é o futebol. A maioria desses jogos e brinquedos pertence à infância de gerações passadas, portanto, são desconhecidos das gerações infantis atuais, e todos eles são de natureza analógica, portanto, anacrônicas, na medida em que hoje em dia há um predomínio dos jogos e brinquedos eletrônicos na indústria do entretenimento. Partindo disso, este texto propõe um exercício de investigação ludoarqueológica, a partir da materialidade dos objetos presentes na exposição, na tentativa de entender como a sociedade e a cultura esportiva brasileira que produziu, interagiu e preservou esses objetos se relacionam com o futebol.

A palavra arqueologia vem da junção de duas palavras gregas: arkhé (antigo) e logos (estudo). Desse modo, a arqueologia é a ciência que estuda a vida e a cultura dos povos antigos, principalmente pela análise e interpretação dos vestígios materiais — armamentos, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho etc. — produzidos por sociedades e culturas pretéritas, que sobreviveram no tempo e foram encontrados. Embora a arqueologia registre a presença de jogos e brinquedos em diversas sociedades e culturas antigas e variadas, só recentemente esses artefatos entraram no foco das pesquisas arqueológicas sérias, inaugurando um campo especializado sobre o tema dentro da arqueologia — a ludoarqueologia. A ludoarqueologia é um campo temático especializado dentro da arqueologia dedicado à investigação das origens dos jogos e brinquedos; e à interpretação das funcionalidades destes artefatos.

Embora jogo e brinquedo pareçam sinônimos, de início, é necessário estabelecer as diferenças entre eles, de modo a permitir caracterizar e identificar os objetos expostos como um jogo ou como um brinquedo. Jogo é toda e qualquer atividade lúdica e estruturada em que há a criação e/ou o estabelecimento de regras fixas aplicadas a um determinado tempo e espaço restrito e imediato ao jogo, que é conhecida e acordada voluntariamente por todos os jogadores no início do jogo. Brinquedo é todo e qualquer artefato lúdico criado com o fim específico de entreter, passar o tempo, distrair e que não conta com um sistema de regras fixas, nem um tempo ou um espaço específico para brincar. Desse modo, se considerarmos que a função primeira de um jogo também é a de entreter, podemos inferir que todo jogo é um brinquedo, mas nem todo brinquedo é um jogo — daí o nome da exposição temporária — Futebol de Brinquedo.

A despeito das diferenças elencadas acima, há uma característica em comum que une o jogo e o brinquedo — a ludicidade. A palavra “lúdico” vem do latim “ludus que engloba um vasto universo do jogo que vai dos jogos de brincadeira infantis aos jogos sagrados e está na origem da palavra “iludir”. O lúdico como uma ilusão se refere à criação e/ou o estabelecimento de um universo ficcional próprio, fechado e submetido a regras e/ou uma lógica própria, onde somos capazes de imaginar, inclusive, coletivamente, coisas que não existem na realidade objetiva. Ao contrário do brinquedo, onde o universo lúdico é governado pela imaginação de quem brinca, no jogo, esse universo é governado por regras próprias. Desse modo, através da investigação dos jogos, por oposição, conseguimos também identificar aquilo que pode ser considerado um brinquedo dentro da exposição temporária.

A principal característica da investigação ludoarqueológica dos jogos é que ela não se centra apenas na análise descritiva do material físico que o jogo foi produzido ou da plataforma que ele utiliza para funcionar, na verdade, isso é apenas a parte inicial da investigação, mas, sobretudo, na análise interpretativa das regras do jogo. Afinal, são essas regras, que funcionam apenas no tempo e no espaço do jogo, que são capazes de abduzir o jogador da vida real e transportá-lo ao universo lúdico do jogo. É essa capacidade de pensar ludicamente que move, ao longo do tempo, o maior ou menor grau de interesse cultural de determinada sociedade em torno dos jogos. Desse modo, quando uma determinada sociedade passa por transformações culturais e essas últimas são acompanhadas pelo criar, modificar e jogar jogos, isso sugere que essa sociedade adaptou seus fazeres lúdicos as novas demandas culturais.

Assim sendo, a importância da investigação ludoarqueológica dos jogos presentes na exposição temporária reside no fato de que: primeiro, a funcionalidade dos jogos, quase sempre, extrapola o território do entretenimento e pode ser utilizada também como ferramenta de interação entre as pessoas, de expressão individual e coletiva, de abstração do desconhecido, de imitação simulada de situações cotidianas, de formatação de um entendimento sobre determinada realidade, de representação e de resposta ao mundo real e, mais recentemente, nos processos de ensino e aprendizagem; segundo, os jogos, conforme exposto acima, mudam de acordo com as necessidades culturais próprias de cada sociedade, portanto, eles possuem uma historicidade, e por isso, configuram importantes vestígios ludoarqueológicos para estudar a sociedade e a cultura esportiva brasileira, bem como o perfil dos brasileiros que os engendraram, interagiram e preservaram esses jogos.

Se levarmos em conta apenas as características elencadas acima para identificar os objetos expostos como um jogo, acabaremos com uma lista bem diminuta desses artefatos, logo, é necessário apelar para a busca de outras características materiais dos jogos que nos permitam aumentar essa lista. Essas características são vestígios materiais que não estão exatamente relacionadas ao jogo, mas sim à descrição de como ele é jogado e, por isso, nos permitem supor que determinado artefato seja um jogo. Já dissemos anteriormente que os jogos devem ser jogados de acordo com um sistema de regras fixas, geralmente, essas regras se apresentam de maneira escrita; são aplicadas a um determinado espaço, geralmente, um tabuleiro, porém existem outros espaços; e a um determinado tempo, geralmente, não um tempo cronológico, embora alguns artefatos possam envolver o uso de contadores de tempo como, por exemplo, ampulhetas, mas sim um tempo que diz como o jogo deve começar e quando ele acaba, uma vez que nenhum jogo pode ser eterno.

Uma das descrições possíveis de como os jogos devem ser jogados é a de que o resultado final do jogo deve ser sempre imprevisto e incerto. Se o resultado do jogo é sabido mesmo antes de seu início, ele pode ser qualquer coisa, menos um jogo. A presença de objetos randômicos em alguns artefatos presentes na exposição como, por exemplo, dados e roletas, são indícios materiais que nos permitem supor que esses objetos são jogos, baseado nesta descrição, quando faltam elementos materiais suficientes para classificá-los, imediatamente, como jogos. Se o resultado do jogo deve ser sempre imprevisto e incerto, podemos, através da lógica indutiva, concluir que deve haver nesses artefatos um objeto que contabilize esse resultado. A presença de objetos contadores de ponto em alguns artefatos presentes na exposição como, por exemplo, ábaco, dial, caderneta de anotações e placar, são indícios materiais que nos permitem supor que esses objetos são jogos, baseado nesta lógica, quando faltam elementos materiais suficientes para classificá-los, imediatamente, como jogos ou mesmo na ausência de objetos randômicos.

Outra descrição possível de como os jogos devem ser jogados é a de que jogo deve ser uma atividade improdutiva, não relacionada à produção de trabalho e à aquisição de bens materiais. Embora alguns artefatos presentes na exposição envolvam simulacros de determinados objetos do mundo real como, por exemplo, dinheiros, não há evidências materiais suficientes para afirmar que os artefatos que utilizam desses simulacros estejam envolvidos nessas atividades. Embora jogo e esporte pareçam sinônimos, a partir dessa descrição dos jogos, podemos fazer uma diferenciação entre o jogo tradicional e o esporte profissional, e fazer uma classificação geral quanto ao tema dos jogos presentes na exposição.

Os esportes profissionais, assim como os jogos tradicionais, também possuem um sistema de regras fixas, aplicadas a um determinado tempo e espaço restrito e imediato a cada modalidade, contudo, diferente dos jogos tradicionais, há nos esportes profissionais a submissão das diferentes modalidades a uma organização burocrática mais ampla e uma lógica que está relacionada ao mercado e ao mundo do trabalho. Desse modo, podemos classificar o tema geral dos jogos presentes na exposição como jogos esportivizados, ou seja, são jogos que possuem fundamentos do futebol como modalidade esportiva historicamente consagrada, onde as regras, o tempo e o espaço são adaptados ou criados de uma maneira diferente, e não envolvem a produção de trabalho e de riqueza. Essa classificação geral e ampla não dá conta de abarcar toda a diversidade e exuberância dos jogos presentes na exposição. Assim sendo, é possível desdobrar essa generalização em classificações mais específicas e restritas quando ao domínio, a mecânica ou o gerenciamento, e a categoria desses jogos.

O domínio de um jogo é uma classificação mais específica e restritiva que diz respeito para quem o jogo foi pensado, para qual público é direcionado o jogo, e leva em consideração a faixa etária, a quantidade de participantes que o jogo comporta, bem como o nível de dificuldade da mecânica e da categoria do jogo. A mecânica ou o gerenciamento de um jogo é uma classificação mais específica e restritiva que diz respeito à padronização e à descrição de como ele é jogado da perspectiva das ações que são possíveis no jogo. A grande maioria dos jogos reúne mais de uma mecânica ou gerenciamento diferentes. A categoria de um jogo é uma classificação mais específica e restritiva que diz respeito à padronização e à descrição dos componentes do jogo da perspectiva do perfil do jogo e da forma de jogá-lo.

Desse modo, através das características materiais dos artefatos presentes na exposição temporária, podemos enquadrar esses objetos como jogos ou brinquedos pela presença ou ausência, a priori, dos elementos materiais descritos acima que caracterizam ambos os objetos para, posteriormente, analisar os possíveis significados desses artefatos para a sociedade brasileira e interpretar o que eles dizem sobre a nossa cultura esportiva em torno do futebol.

Tabela 1: Enquadramento: Futebol de Brinquedo

Fonte: Elaboração própria.

Em primeiro lugar, em relação à existência de um sistema que estabelece regras fixas a serem aplicadas a um tempo e a um espaço restrito e imediato ao jogo, os objetos Ludopédio, Escrete, Super Trunfo — Seleções do Mundo, Campo Estrelão — Futebol de Botão e Futebox, apresentam regras fixas sistematizadas de modo escrito. Essas regras estabelecem o tempo do jogo e delimitam o espaço ou a plataforma onde serão aplicadas. Com exceção do Super Trunfo — Seleções do Mundo, que utiliza cartas individuais como plataforma para o seu desenvolvimento, todos os outros objetos citados acima utilizam um tabuleiro, geralmente fabricado em papel, que é um quadro delimitado comumente utilizado em diversos tipos de jogos de mesa. Desse modo, podemos classificar esses objetos, imediatamente, como sendo jogos.

Em segundo lugar, em relação ao ambiente, que se refere ao espaço ou à plataforma que esses objetos foram fabricados ou utilizam para seu desenvolvimento, os objetos Grangol, Aquaplay Futebol, Mini Fliperama Futebol e Pebolim, utilizam consoles, geralmente fabricados em plástico ou em outros materiais, que é um conjunto formado por um painel de instrumentos capaz de enviar comandos que visam produzir certas ações nas peças do jogo para alcançar um fim determinado. Outros objetos como, por exemplo, o Futebol Club — Gulliver e o Pregobol, utilizam tabuleiros como espaço para seu desenvolvimento, fabricados em materiais alternativos ao papel como, por exemplo, tecido e madeira, respectivamente. Na ausência de um sistema de regras fixas que estabelece um tempo e um espaço específico para jogar, podemos classificar esses objetos, momentaneamente, como sendo brinquedos.

Imagem 1 — Grangol. Foto do autor.

Objetos como Go Go! Olé e Dominó — Times, utilizam peças individuais, fabricadas em borracha e madeira, respectivamente, como plataforma para seu desenvolvimento. Em outros objetos como, por exemplo, Futebol Club — Série Luxo Neymar Jr. — Gulliver e Subbuteo F. C. Barcelona, não foi possível encontrar ou identificar o espaço ou a plataforma que esses objetos foram fabricados ou utilizam para seu desenvolvimento, uma vez que estão lacrados. Na ausência de um sistema de regras fixas que estabelece um tempo e um espaço específico para jogar, podemos também classificar esses objetos, momentaneamente, como sendo brinquedos.

Imagem 2 — Dominó — Times. Foto do autor.

Em terceiro lugar, em relação ao tempo restrito e imediato ao jogo. Os objetos que possuem um sistema de regras fixas, automaticamente, como já dito anteriormente, estabelecem a duração do jogo nessa sistematização, mas, além disso, alguns artefatos podem ou não incluir objetos destinados à contagem de tempo de uma jogada individual. O Tira-Teima é o único artefato presente na exposição que possui e faz uso de um objeto destinados à contagem de tempo — a ampulheta — que, pelo tamanho desse instrumento, podemos inferir que ele é utilizado para a contagem individual do tempo de uma jogada em particular no jogo e não para a duração total do jogo. Desse modo, mesmo na ausência de um sistema de regras fixas, podemos classificar esse objeto, provisoriamente, como sendo um possível jogo.

Imagem 3 — Tira-teima. Foto do autor.

Em quarto lugar, em relação ao uso de outros objetos que compõem o conjunto de alguns artefatos presentes na exposição relacionados à randomização e ao cômputo do resultado final do jogo. Artefatos como, por exemplo, Chute Fulminante, Futebol Placar e Futebol S.A., utilizam dados como objetos randômicos que introduzem o elemento sorte no jogo. O Jogo da Velha de Clubes é o único artefato presente na exposição que possui e faz uso de um objeto randômico diverso dos dados para trazer o elemento sorte ao jogo — a roleta. Artefatos como, por exemplo, Fliperama Futebol World Cup Soccer e Futebol Placar, utilizam placares numéricos tradicionais. Outros artefatos como, por exemplo, Futebol Magnético, VS Futebol de Mesa e Futebol S.A., possuem e fazem uso de objetos contadores de pontos diversos do placar numérico tradicional, respectivamente, utilizam um ábaco, um dial e uma caderneta de anotações. Esses objetos randômicos e contadores de pontos, na ausência de um sistema de regras fixas, descrevem e indicam, respectivamente, a imprevisibilidade e a incerteza do resultado final do jogo, e o aplacamento das possíveis diferenças desse mesmo resultado. Desse modo, podemos classificar esses objetos, provisoriamente, como sendo possíveis jogos.

Imagem 4 — Chute Fulminante. Foto do autor.
Imagem 5 — Futebol Placar. Foto do autor.

Para concluir, após fazermos a identificação, a descrição e a classificação dos objetos presentes na exposição temporária Futebol de Brinquedo, vamos a última etapa proposta neste de texto — a análise e a interpretação dos possíveis significados desses objetos, na tentativa de entender como a sociedade e a cultura esportiva brasileira que produziu, interagiu e preservou esses objetos se relacionam com o futebol.

Os mais antigos objetos presentes na exposição temporária datam das décadas de 1960 a 1980. Contudo, a amplitude temporal da datação desses objetos vai do início da década de 1960 até o início da segunda década dos anos 2000. Só de observar a amplitude dessa datação, podemos concluir que a criação, a adaptação e a preservação desses objetos monotemáticos por diferentes gerações, demonstram um compartilhamento cultural e geracional de uma profunda paixão pelo futebol presente na sociedade e na cultura esportiva brasileira que os engendrou, interagiu e preservou esses objetos. Desse modo, podemos, a priori, concluir também que na sociedade e na cultura esportiva brasileira o futebol desempenha um papel central e significativo na identidade cultural dos brasileiros transmitida intergeracionalmente.

Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, ocorreram várias edições emblemáticas das Copas do Mundo, que são eventos esportivos de grande apelo popular e alcance global, que ajudaram a consolidar uma cultura global do futebol em torno do campeonato mundial. Nesse período, a seleção brasileira de futebol se tornou bicampeã em 1962 e a primeira seleção a conquistar o tricampeonato no torneio mundial em 1970, fatos que contribuíram para a consolidação e a projeção mundial de uma identidade própria ao futebol brasileiro. Certamente, essas edições memoráveis das Copas do Mundo desse período influenciaram o fervor em torno dos objetos que exploram essa temática como, por exemplo, o jogo Futebol Magnético, lançado pela Viocena na década de 1970, que traz estampada na tampa da caixa do jogo uma fotografia do elenco completo da seleção brasileira naquele ano, que mais tarde ficaria conhecida como “O Esquadrão”.

Imagem 6 — Futebol Magnético. Foto do autor.

Assim como o futebol profissional, alguns objetos presentes na exposição envolvem claramente elementos de competição e estratégia, refletindo o espírito competitivo que se encontra presente na sociedade brasileira e na cultura esportiva do Brasil. O Ludopédio, por exemplo, lançado pela Grow em 1977, é um jogo que, pelo tamanho do manual de regras, possui uma alta complexidade e, por isso, é direcionado ao público mais experimentado na temática do jogo e capaz de criar estratégias eficientes, que correspondam ao nível exigido pelo jogo, e eficazes para vencer. Na primeira fase do jogo, os jogadores encarnam o papel de um cartola, um empresário que devia bem administrar as finanças do clube para contratar os melhores jogadores e formar um time competitivo; na segunda fase, os jogadores encarnavam o papel do técnico, um treinador que devia aplicar as melhores táticas e técnicas de jogo para vencer a competição.

Imagem 7 — Ludopédio. Foto do autor.

Os jogos de futebol profissional, especialmente, em contextos de competições internacionais, muitas vezes, refletem rivalidades nacionais que foram sendo construídas historicamente ao longo do tempo e que se manifestam dentro e fora do campo, o que se tornou uma parte proeminente da cultura esportiva global quando o futebol se universalizou. Essas rivalidades também são combustíveis para a criação de objetos que exploram essa temática como, por exemplo, o Pebolim, lançado pela Duk Toys (s.d.). Observando os uniformes que os jogadores utilizam nesse brinquedo, podemos perceber que ele possui a iconografia de duas seleções com notória influência no futebol mundial — Brasil e Argentina. Essa rivalidade entre essas seleções foi historicamente construída fora de campo mesmo antes da constituição dos dois países como Estados Nacionais e do futebol existir, e está relacionada com a história colonial, política, militar, social, econômica e cultural dos dois países. Essa rivalidade é alimentada pelos duelos dessas duas seleções em competições internacionais, profundamente marcados por provocações de ambos os lados.

Imagem 8 — Pebolim. Foto do autor.

Além da iconografia dos uniformes das seleções de futebol, alguns objetos presentes na exposição possuem iconografias de estrelas do mundo do futebol, ícones famosos que marcaram a história do futebol em suas respectivas épocas, e que refletem o fascínio pelo heroísmo esportivo e a idolatria de determinadas personalidades do futebol presentes na sociedade e na cultura esportiva do Brasil. O brinquedo Futebol Club — Série Luxo Neymar Jr., por exemplo, lançado pela Gulliver em 2013, carrega no título o nome do mais conhecido jogador de futebol brasileiro da atualidade. O brinquedo emula a final da nona edição da Copa das Confederações FIFA de 2013, realizada no Brasil. A disputa da final ocorreu no Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro e a seleção brasileira venceu a seleção espanhola por 3 a 0. Naquele ano, Neymar Jr. recebeu a Bola de Ouro, prêmio concedido pela FIFA ao melhor jogador do campeonato.

Imagem 9 — Futebol Club — Série Luxo Neymar Jr. Foto do autor.

Se hoje o futebol, a despeito de ser um esporte alienígena, importado da Inglaterra para o Brasil no final do século XIX e início do XX, pode ser considerado o “esporte mais democrático”, por seu modo simples de jogar e que não exige um grande aparato especializado para acontecer, alguns objetos presentes na exposição refletem essa simplicidade do futebol. O Pregobol (s.d.), por exemplo, é um brinquedo que simula um campo de futebol em um tabuleiro de madeira, onde são fixados uma determinada quantidade de pregos que fazem as vezes dos jogadores. Para brincar, é necessário apenas os dedos e uma bola ou algo que funcione como um simulacro de bola. Algumas lojas de brinquedo comercializam esse brinquedo, contudo, por seu jeito simples e prático é fácil fabricá-lo amadoramente ou mesmo adaptar o brinquedo utilizando outros materiais disponíveis.

Imagem 10 — Pregobol. Foto do autor.

Por fim, os objetos presentes na exposição temporária, que foram aqui investigados como artefatos ludoarqueológicos, podem ser considerados como um microcosmos que captura e revela um prolongado entusiasmo e devoção da sociedade brasileira em torno do futebol, bem como as dinâmicas culturais da população brasileira em torno desse esporte em particular, onde a paixão pelo futebol marca profundamente a cultura de suas populações e os fazeres lúdicos que demandam dessa paixão.

AUTORIA

Matheus Alves Vilela, historiador e educador do Museu do Futebol

NOTAS

1 Exposição temporária Futebol de Brinquedo. <https://museudofutebol.org.br/exposicoes/futebol-de-brinquedo/>

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