Os clássicos que pararam cidades

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Revista Placar nº 325, 02/07/1976, p. 18. Disponível na Biblioteca do CRFB.

Para quem gosta de futebol, qualquer clássico é clássico. Para quem é torcedor, ainda mais. Entretanto, é comum haver aqueles encontros ainda mais notórios a ponto de ocuparem ainda mais espaço nos noticiários, nas conversas, de virarem assunto talvez até para quem não goste de futebol (ou, no mínimo, não ligue para ele). E sobraram ocasiões assim pela história do futebol brasileiro.

MENESES, Carlos Henrique; VIEIRA, Roberto. 2001: a Odisseia dos Aflitos. Olinda: Luci Artes Gráficas, 2015. Disponível na Biblioteca do CRFB.

É possível começar em Pernambuco, por exemplo. Desde a sequência de títulos estaduais entre 1963 e 1968, o Náutico adora ostentar o seu hexacampeonato numa frase comum entre a torcida alvirrubra: “Hexa é luxo”. Um luxo que corria sérios riscos em 2001: o Timbu não ganhava o Campeonato Pernambucano havia 12 anos, enquanto o Sport ganhara o pentacampeonato estadual entre 1995 e 2000. O medo acabou da melhor maneira possível: não só o Sport ficou de fora da final do Estadual, como o Náutico ganhou um clássico na decisão, contra o Santa Cruz. Acabou com o jejum, e a torcida ainda grita até hoje que “hexa é luxo”.

Na Bahia, durante os anos 1970, ficou célebre um hábito: comemorar os títulos estaduais no “Corredor da Alegria”. Dos sete títulos baianos ganhos entre 1973 e 1979, o Bahia conquistou quatro contra o Vitória. E na hora da festa, a torcida tricolor já tinha ponto certo: os bares existentes pela avenida Joana Angélica naquela época, como o Oli, o Oriental e o Sugar-Sugar. O Leão acabou com a fila em 1980 — mas foi contra o Galícia. Só em 1985 o time rubro-negro conquistou o Campeonato Baiano vencendo o arquirrival. E também pôde comemorar no “Corredor da Alegria”.

Revista Placar nº 814, 27/12/1985, p. 15. Disponível na Biblioteca do CRFB.

São Paulo tem muitos clássicos que saíram do âmbito do futebol e ganharam as ruas. Palmeiras x Corinthians foi um dos principais assuntos da capital paulista em três oportunidades. Em 1993, quando ambos decidiram o Campeonato Paulista (com o Palmeiras tendo, além do clássico, a pressão de precisar acabar com 17 anos sem títulos estaduais), aquela final foi tema até do programa Globo Repórter. E o Palmeiras terminou sua jornada da melhor maneira possível: acabando com seu tabu sem vencer o Paulista com goleada sobre o arquirrival — 4 a 0: 3 a 0 no tempo normal, 1 a 0 na prorrogação. Em 1994, o Paulista foi disputado em pontos corridos, sem final. Mas quis o destino que o Palmeiras, já com o bicampeonato garantido, encontrasse na última rodada… o Corinthians. Que foi novamente vencido, por 2 a 1.

Programa Globo Repórter, TV Globo, 1993.

Cinco anos depois, a rivalidade ganhou capítulos sempre lembrados. O encontro nas quartas de final da Copa Libertadores da América, quando cada time venceu por 2 a 0, e o Palmeiras só avançou às semifinais da Libertadores nos pênaltis, tendo a primeira ocasião em que o goleiro Marcos se destacou. Os jogos da Libertadores acumularam tensão descarregada na final do Campeonato Paulista, também disputada entre os dois, também em 1999. O Corinthians venceu por 3 a 0 no jogo de ida, a volta teve empate em 2 a 2, e nem mesmo o relaxamento pelo título da Libertadores fez com que o Palmeiras deixasse de lado uma briga generalizada, que forçou o final daquela decisão — e a antecipação da entrega das taças ao Alvinegro.

Poderia já ser o bastante, mas 2000 trouxe mais uma semana fervilhante para quem vivesse em São Paulo. Não só Palmeiras e Corinthians se enfrentaram de novo na Copa Libertadores, como isso aconteceu nas semifinais. Outra vez, duelos para não mais serem esquecidos: 4 a 3 corintiano na ida, 3 a 2 palmeirense na volta, os chutes da marca do pênalti definiriam o finalista… e houve “aquela defesa do Marcos no pênalti do Marcelinho” que levou o Palmeiras a mais uma final, traumatizando os corintianos por um longo tempo.

Palmeiras 3 a 2 Corinthians, semifinal da Copa Libertadores da América, TV Globo, 2000.

O que não quer dizer que nenhum outro clássico paulista rendeu assunto para vários dias. Santos x São Paulo teve seu momento marcante em 1963: mesmo encarando o time campeão sul-americano e mundial (que repetiria ambas as doses naquele ano), o São Paulo goleou o Peixe por 4 a 1, viu Pelé e Coutinho deixando o jogo machucados, e o Santos perdendo mais jogadores, forçando o encerramento antecipado da partida. Palmeiras e Santos protagonizaram o palpitante 7 a 6 santista, pelo Campeonato Paulista de 1958. Santos e Corinthians viveram situação semelhante à do Corinthians x Palmeiras de 1994: num Campeonato Paulista disputado por pontos corridos, coincidentemente a última rodada reservava um duelo entre ambos, que disputariam o título. O Santos venceu aquela “decisão”: 1 a 0, e título estadual garantido para o Peixe. E como esquecer aquele Corinthians x São Paulo na final do Campeonato Brasileiro de 1990, que reservou ao Corinthians seu primeiro título brasileiro?

O Rio de Janeiro é mais um estado que tem clássicos inesquecíveis para dar e vender. Fla-Flu? Exemplos não faltam, mas que tal citar o 0 a 0 decisivo no Campeonato Carioca de 1963, com um Maracanã absolutamente lotado, vendo o Flamengo campeão? Se o clássico for Flamengo x Vasco, cada um dos protagonistas do “Clássico dos Milhões” tem uma final para se lembrar (entre várias). Do lado vascaíno, a do “gol do Cocada”, na final do Campeonato Carioca de 1988, quando o jogador em questão veio do banco de reservas, fez o gol do título e foi o estopim de uma confusão em campo; do lado flamenguista, inesquecível é o tricampeonato carioca ganho em cima do time de São Januário, entre 1999 e 2001 — culminando com a final do “gol do Pet”, no último ano.

Revista Placar nº 943, 01/07/1988, p. 11. Disponível na Biblioteca do CRFB.
SAMPAIO, Paulo Marcelo; CASÉ, Rafael. 21 depois de 21. Rio de Janeiro: livrosdefutebol.com, 2010. Disponível na Biblioteca do CRFB.

Botafogo x Flamengo? Os botafoguenses não se esquecem do fim do jejum de 21 anos sem títulos cariocas, encerrado justamente no 1 a 0 sobre o Flamengo, no Campeonato Carioca de 1989. O melhor, para os botafoguenses, foi repetir a dose no ano seguinte, com outro clássico: vitória sobre o Vasco e bicampeonato garantido. Falta uma lembrança agradável para o Fluminense? Pois bem, que venham duas: o título brasileiro de 1984, ganho num clássico contra o Vasco, e a final do Campeonato Carioca de 1995, ganho num Fla-Flu com o “gol de barriga” de Renato Gaúcho. Sobre esta decisão de 1995, Beto Silva, um dos membros do Casseta & Planeta, escreveu na edição de julho da revista Placar: “Se o Fernando Henrique anunciasse que iria sair vestido de boneca na [avenida] Presidente Vargas, ninguém iria notar”.

No Rio Grande do Sul, há o Grenal. E cada Grenal tem seu apelido: há o “Grenal do Catimba”, o “Grenal do Fabiano”, o “Grenal 1000”… mas nenhum como o “Grenal do Século”, visto na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1988. O Grêmio começou ganhando em pleno Beira-Rio, ficou com um jogador a mais em campo, só que o Inter se agigantou e, com destaque do atacante Nílson, virou o jogo para 2 a 1 e ganhou a vaga na final do Brasileiro. Houve outros encontros decisivos entre os gaúchos — como nas quartas de final da Copa do Brasil de 1992, ganha pelo Inter nos pênaltis — , mas nenhum como aquele Grenal do Século disputado já no começo de 1989.

Revista Placar nº 975, 17/02/1989, p. 4. Disponível na Biblioteca do CRFB.

Enfim, repita-se o começo deste texto: para amante de futebol, cada clássico é clássico e vale muito. Mas os clássicos citados aqui são lembrados até por quem não é amante do esporte. E talvez sempre serão.

AUTORIA

Felipe dos Santos Souza é jornalista e colabora com o Museu do Futebol. Colunista da Trivela e autor do blog sobre futebol holandês Espreme a Laranja.

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