Pacaembu: 80 anos (de futebol) em 8

Foto Guilherme B. Alves | Wikimedia Commons.

Não é o aniversário com o qual sonhamos, mas é impossível deixar a data passar em branco. Afinal de contas, não é todo dia que um símbolo tão importante do futebol brasileiro comemora 80 anos.

E quais teriam sido os anos mais marcantes do futebol neste grande monumento? Escolhemos oito episódios significativos da história do nosso querido Paca.

1940 — Os primeiros campeões

Para estrear o gramado, foi organizado um torneio quadrangular batizado de Taça Cidade de São Paulo com Palestra Itália, Corinthians, Coritiba e Atlético Mineiro. No dia 28 de abril, coube ao Palestra e ao Coritiba o privilégio de fazer o primeiro jogo. Embora tenha perdido por 6X2, o time paranaense ficou com a honra de comemorar o primeiro gol do Pacaembu. Logo no primeiro minuto de jogo, Zequinha marcou para os visitantes. Aliás, ele era jogador do C.A. Ferroviário, também de Curitiba, e foi emprestado apenas para reforçar o Coxa-Branca na competição. No jogo seguinte, o alvinegro paulista eliminou os mineiros por 4X2, garantindo o primeiro Derby do estádio.

Mas o primeiro time campeão no Pacaembu não foi nem Palestra, nem Corinthians.

Troféu do Torneio Relâmpago. Foto: Cristiano Fukuyama | Acervo Associação Portuguesa de Desportos.

No dia 1º de maio foi realizado o Torneio Relâmpago, envolvendo os demais clubes que normalmente disputavam o Campeonato Paulista: SPR, Portuguesa, São Paulo, Juventus, Comercial, Santos, Hespanha, Portuguesa Santista e Ypiranga. Os times se enfrentaram em jogos eliminatórios com duração de 20 minutos. A curiosidade ficou por conta do regulamento da competição, que previa que os dois finalistas se enfrentariam na preliminar da decisão do torneio de inauguração do estádio, dia 5 de maio. Mas em algum momento a organização optou por fazer uma final no próprio dia 1º de maio. Melhor parar a Portuguesa, que no fim do dia, ganhou por 3X0 do Juventus e ficou com o troféu, além da primazia de ser a primeira campeã do Pacaembu.

O Moleque Travesso teve a chance da desforra quatro dias depois, devolvendo os 3X0 em cima do time rubro-verde, e também teve direito a comemoração levantando a Taça Pacaembu.

Na sequência, o Palestra Itália bateu o Corinthians por 2X1 e ficou com a Taça Cidade de São Paulo.

Duas semanas depois, no dia 19, foi a vez do São Paulo soltar o grito de campeão, ao conquistar o Torneio Início, derrotando o Corinthians por 2X0.

Mas a competição mais aguardada do ano foi mesmo o Campeonato Paulista, que ficou com o Palestra Itália, no dia 8 de dezembro, após golear o São Paulo por 4X1.

1942 — Tempos de bicicleta e de guerra

O São Paulo vinha de 11 anos de jejum no Campeonato Paulista e ainda buscava reconquistar seu espaço dentro do Trio-de-Ferro, após o fim da Chácara da Floresta e da retomada do futebol em dezembro de 1935. Por isso, a diretoria Tricolor resolveu abrir a carteira em 1942 e comprou o passe do brasileiro mais famoso da época, o centroavante Leônidas da Silva, por 200 contos de réis, junto ao Flamengo. Depois de pouco mais de um mês de treinamento, o Diamante Negro estreou pelo São Paulo no dia 24 de maio, diante do Corinthians, arrastando 71.281 pessoas ao Pacaembu. O jogo terminou empatado em 3X3, com os corintianos jurando que Leônidas não fez nada, a ponto do jornal A Hora chamar o craque de “bonde de 200 contos”. Aliás, sobre o empate A Gazeta Esportiva estampou a manchete de capa: “Choque majestoso”, batizando definitivamente o clássico.

Revista Arakan nº 7, out. 1942. Fonte: SERRA, Michael. São Paulo FC: 90 anos — volume 1: onde a moeda cai de pé (1930–1943). São Paulo: São Paulo Futebol Clube, 2020. p. 163.

A resposta não demorou. Menos de um mês depois, no dia 14 de junho, Leônidas marcou um gol de bicicleta no Pacaembu, e o narrador Geraldo José de Almeida, são-paulino, não perdeu a chance de revidar e depois de gritar gol mandou um “taí o bonde de 200 contos”. O jogo foi contra o Palestra… de São Paulo.

No começo de 1942, o governo Vargas anunciou o rompimento de relações com os países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão. Na sequência, houve a proibição de nomes estrangeiro em instituições financeiras, educativas, esportivas e culturais. Em São Paulo isso afetou diretamente, por exemplo, o S.C. Germânia, que adotou o nome de E.C. Pinheiros. No futebol, o Palestra Itália, que passou a ser Palestra de São Paulo.

Álbum das Balas Futebol, 1942. Acervo Museu do Futebol | Coleção Moacir Andrade Peres.

Em agosto, submarinos alemães passaram a atacar indiscriminadamente embarcações no Atlântico Sul e cinco navios brasileiros foram afundados. No dia 22, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, o que abriu a possibilidade de expropriação do clube. No dia 14 de setembro, o conselho do Palestra decidiu mudar de nome, adotando o atual Sociedade Esportiva Palmeiras, uma referência à antiga Associação Athletica das Palmeiras, que deu origem ao São Paulo F.C. em 1930.

No dia 22 de setembro, o Palmeiras estreou o novo nome contra o Tricolor Paulista no Pacaembu, precisando da vitória para garantir o título do Campeonato Paulista. E foi o que aconteceu, por 3X1, no que entrou para a história como A Arrancada Heróica.

Para saber mais:

RIBEIRO, André. Diamante Negro: biografia de Leônidas da Silva. São Paulo: Companhia dos Livros. 2010.

CAMPOS JR.,Celso de. 1942: o Palestra vai à guerra. Santos: Realejo, 2012.

GALUPPO, Fernando. Morre líder, nasce campeão!: 1942. São Paulo: BB, 2012.

1949 — Sul-Americano nota 10

Após o fim da Grande Guerra todas as expectativas voltaram-se para a Copa do Mundo. Mas antes o Brasil foi escolhido para sediar a 21ª edição do Campeonato Sul-Americano, que acabou servindo de evento teste para o Mundial.

Estiveram presentes 8 seleções. Ainda hoje é a mais longa competição em sede única, com 39 dias de duração e 29 jogos disputados. O Pacaembu sediou 12 deles, inclusive a maior goleada da história da Seleção Brasileira masculina: 10X1 sobre a Bolívia, no dia 10 de abril.

Jornal O Globo, 11/04/1949, p. 10.

A competição acabou prejudicada pela greve no futebol da Argentina e do Uruguai. Este último mandou uma seleção de segundo nível, enquanto o primeiro sequer compareceu. Isso se refletiu no interesse do público. As baixas rendas fizeram com que a organização alterasse a tabela, tirando jogos do Pacaembu e transferindo-os para Santos, Belo Horizonte e até Rio de Janeiro, mas no campo do Botafogo.

Para saber mais:

CONFEDERACIÓN SUDAMERICANA DE FÚTBOL. Historia de la Copa América: de Argentina 1916 a Venezuela 2007. 2ª edición. Luque: Conmebol, 2007.

1950 — A outra Copa

Quando da escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 1950, a única certeza era de que o Pacaembu seria um dos estádios da competição. De fato, dos 22 jogos daquele Mundial, 6 foram no estádio paulistano, superado apenas pelo Maracanã com 8. A Seleção Brasileira jogou apenas uma vez, um melancólico empate por 2X2 com a Suíça, no dia 28 de junho, pela primeira fase. Os comandados de Flávio Costa saíram sob vaias de 42 mil pessoas.

Jornal O Estado de S. Paulo, 25/07/1950, p. 13.

Já a Seleção Italiana atraiu 50 mil pessoas na sua estreia diante da Suécia que, mesmo sendo campeã olímpica em 1948, era considerada zebra diante da então campeã mundial. E deu zebra: Suécia 3X2. Na rodada seguinte, o público de Itália X Paraguai caiu pela metade, mas desta vez a torcida italiana comemorou uma vitória por 2X0.

A Copa de 1950 foi a única que teve um quadrangular final, com todos contra todos, com o campeão sendo decidido nos pontos corridos. Maracanã e Pacaembu dividiram os jogos na fase final. O primeiro jogo foi o empate entre Uruguai e Espanha (2X2), perante 44 mil pessoas. Na rodada seguinte, a Celeste Olímpica ganhou da Suécia por 3X2, mas sem uma colônia forte na cidade, conseguiu atrair apenas 8 mil testemunhas.

Finalmente, na última rodada, no mesmo horário da final no Maracanã, a favorita Espanha atraiu 18 mil fanáticos. Mas de novo a Suécia estragou a festa da “torcida da casa”, ganhou por 3X1 e ficou com o 3º lugar no Mundial. Se os resultados do quadrangular final fossem outros, quem sabe o Pacaembu pudesse ter visto um campeão do mundo diferente daquela Celeste…

Para saber mais:

FARRUGIA, Beatriz; SALGADO, Diego; ZUCCHI, Zucchi; XIMENES, Murilo. 1950 o preço de uma Copa. São Paulo: Letras do Brasil, 2013.

MICHIELIN, Francisco. A Copa do Mundo de 1950: a maior tragédia do futebol brasileiro. São Paulo: Ex Machina, 2014.

1969 — Fim de uma era

Jornal Folha de S. Paulo, 07/09/1969, p. 31.

Exatamente no dia 6 de setembro de 1969 a Concha Acústica do Pacaembu foi demolida para a construção do tobogã. O fim da estrutura, que era pouco utilizada mas dava um charme muito especial ao estádio, simbolizou o fim do período romântico do Pacaembu. Principalmente por causa da concorrência com o Estádio do Morumbi. Com capacidade para 130 mil pessoas, praticamente o dobro da capacidade do Paulo Machado de Carvalho, o campo do São Paulo monopolizou praticamente todos os clássicos e os jogos da Seleção Brasileira na capital paulista a partir de 1970.

Mas é errado falar em decadência, uma vez que o Corinthians deixou de lado a tradicional, mas apertada, Fazendinha (Parque São Jorge) e adotou o Pacaembu como casa, em um casamento que durou pelos 40 anos seguintes.

Para saber mais:

ASSUMPÇÃO, Ricardo. Estádio do Pacaembu: modernidade e obsolescência (1921–1970). 2019. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) — Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

SANTIAGO, Gláucia. Pacaembu, casa do Corinthians: a relação histórica entre o estádio e o clube. 2008. Campinas. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Jornalismo) — Pontifícia Universidade católica de Campinas, Campinas, 2008.

1995 — A Batalha do Pacaembu

Os anos 1990 marcaram a ascensão do marketing esportivo. Uma das características principais foi o grande número de torneios: campeonatos estaduais, Torneio Rio-São Paulo, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores da América, Copa Conmebol, Supercopa dos Campeões da Copa Libertadores, Torneio dos Campeões Mundiais, etc.

E daquela necessidade de criar cada vez competições, às vezes para preencher a grade das TVs, surgiu a Supercopa São Paulo de Futebol Júnior (Sub-20). Dezesseis equipes que já haviam sido campeãs ou vice da tradicional Copinha foram convidadas para a disputa do torneio amistoso, que teve o Pacaembu como palco principal. O Atlético Mineiro foi o primeiro supercampeão, após derrotar o Internacional por 1X0.

Aparentemente a competição foi do agrado dos organizadores, porque em 1995 foi realizada a segunda edição, também com dezesseis clubes. Mas desta vez, o Pacaembu, em reformas, recebeu apenas dois jogos, um pela quartas de final e a fatídica final.

No dia 20 de agosto, Palmeiras e São Paulo decidiram a segunda edição da Supercopa de Juniores. Jogo equilibrado, empate por 0X0 e prorrogação. Uma novidade naquele ano foi a adoção do chamado golden goal, que no Brasil acabou virando “morte súbita”, porque a prorrogação de 30 minutos poderia acabar antes caso uma das equipes marcasse um gol. E foi o que aconteceu aos 5 minutos, quando o alviverde alcançou o gol e tornou-se campeão. Na sequência, a torcida palmeirense invadiu o gramado para comemorar. Alguns foram provocar a torcida do São Paulo, que estava localizada ao lado de uma montanha de entulhos da reforma do estádio. Armados de paus e pedras, os são-paulinos invadiram o gramado. A batalha campal foi assistida ao vivo por todo o país e mudou para sempre a cultura do futebol brasileiro.

Jornal O Estado de S. Paulo, 21/08/1995, p. 1.

2011 — Meu Pacaembu

Neste instante, peço licença para compartilhar com todos como começou minha relação com o famoso aniversariante:

“Apesar de gostar muito de futebol, só comecei a frequentar os jogos depois dos 30 anos. De certa maneira as imagens da final da Supercopa de 1995 ajudaram, um pouco, a me contentar em ser um simples torcedor de sofá.

Mas em 2011 isso mudou, mas não de um maneira muito comum do ponto de vista de quem se considera fanático torcedor. Minha primeira visita a um estádio foi no dia 4 de abril e começou pelo lado de baixo das arquibancadas, quando fui visitar o Museu do Futebol com minha amiga Marina Sato. Para quem nunca foi num jogo, a Sala Exaltação tem um impacto único, o som, o cheiro, o fato de estar numa área que ficou 70 anos escondida do público, poder olhar os pilares que sustentam as emoções de milhares de torcedores nas arquibancadas. Não tem explicação.

Seis dias depois, foi o momento de estrear do lado de cima da arquibancada, num Corinthians X São Caetano. O detalhe é que sou são-paulino. Mas quem conseguiu os ingressos e me convidou foi, de novo, minha amiga Marina, que é corintiana desde antes de nascer (sua mãe frequentava o Parque São Jorge quando ainda estava grávida). Tudo bem, ia ter outro santo em campo, e o importante era sentir o clima das arquibancadas.

Foto Ademir Takara | Acervo pessoal.

Além dos cânticos, da vibração, da festa da torcida, lembro de duas situações. O bandeirão da Gaviões da Fiel, a expectativa de vê-lo subindo e perceber que não era o único passando pela experiência pela primeira vez. Mas da segunda vez que o bandeirão subiu só pensei uma coisa: “Eu, queria assistir o jogo…”

Foto Ademir Takara | Acervo pessoal.

Outra coisa que me marcou muito foi o temporal que caiu no segundo tempo. Choveu tanto que entrou água no meu tênis, por cima. Imagina ficar com os pés dentro da água 45 minutos e depois subir o ladeirão até o Metrô Clínicas. Só consegui me livrar da água duas horas depois, em casa. Quem recebe um batismo desses não morre pagão no futebol.

Ah! O resultado do jogo? 2X1…

O que importa é que sete meses depois estava trabalhando no Museu do Futebol, como bibliotecário, ajudando a construir o Centro de Referência do Futebol Brasileiro”.

Para saber mais:

MUSEU DO FUTEBOL. Museu do Futebol: um museu-experiência. São Paulo: Imprensa Oficial. 2014.

WENZEL, Marianne; MUNHOZ, Mauro. Museu do Futebol: arquitetura e requalificação no Estádio do Pacaembu. São Paulo: Romano Guerra Editora. 2012.

2020 — Tempo de esperança

Foram apenas quatro meses, mas já passamos por alguns marcos. Em 25 de janeiro tivemos o primeiro Gre-Nal da história do Pacaembu, na final da Copinha, com vitória colorada nos pênaltis. Também neste dia, o estádio foi concedido para a iniciativa privada e pelos próximos 35 anos ficará sob administração do Consórcio Allegra Pacaembu.

E desde o dia 22 de março o gramado está ocupado por um hospital de campanha com capacidade para 200 leitos, construído especialmente para atender pacientes leves do coronavírus, numa pandemia sem precedentes que afeta o mundo inteiro desde o final de 2019. Os primeiros pacientes chegaram no dia 6 de abril.

Para todos nós que nos preocupamos com a preservação do patrimônio público, a presença do hospital de campanha pode ser visto como uma reafirmação da importância do Estádio do Pacaembu no dia a dia da cidade de São Paulo e para todos aqueles que têm uma relação afetiva com ele.

Se agora não é possível comemorar os 80 anos nas arquibancadas, que o Pacaembu possa simbolizar a resistência e a solidariedade de que a sociedade brasileira precisa para superar a pandemia e festejar, todo mundo junto, os próximos aniversários de 81, 82, 83, 84, 85…

AUTORIA

Ademir Takara trabalha no Museu do Futebol e é Bibliotecário do Centro de Referência do Futebol Brasileiro.

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Centro de Referência do Futebol Brasileiro
Museu do Futebol

Núcleo do Museu do Futebol dedicado a produzir, reunir e disseminar pesquisas e curiosidades sobre o futebol no Brasil.