PERIPÉCIAS DE UM CICLOTORCEDOR — AVENTURAS DE UM TORCEDOR CICLISTA BRASILEIRO EM COPAS DO MUNDO

Por Sérgio Miranda Paz (com a colaboração de Ademir Takara)

Estádio Lusail, em Doha, Catar | Foto: Sérgio Paz

Prólogo

Me considero um “ciclotorcedor”.

Esta palavra não está no “Aurélio”, nem no “Houaiss”… Muito menos no “VOLP”, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Trata se de um neologismo criado por mim mesmo.

Por enquanto, ainda não vi necessidade de lhe atribuir o óbvio plural “ciclotorcedores”. Muito provavelmente eles existam por aí… mas eu não conheço nenhum. Até conheci algumas pessoas tão ou mais malucas do que eu que talvez pudessem se encaixar nessa classificação… mas não exatamente.

O “ciclotorcedor” é aquele que se utiliza de uma bicicleta para torcer pelo seu time. Ele pode estar pedalando a caminho do estádio onde seu time irá jogar, ou mesmo enquanto ouve pelo rádio a narração de uma partida de seu time. Se, de alguma forma, ele tem a cumplicidade da bicicleta para torcer, ele é um “ciclotorcedor”.

A bola e a bicicleta entraram na minha vida praticamente no mesmo momento e no mesmo lugar. Entre as Copas do Chile e da Inglaterra, aos cinco ou seis anos, dei meus primeiros (e bem descalibrados) chutes numa pequena bola de borracha e minhas primeiras (e bem titubeantes) pedaladas numa pequena bicicleta infantil, no pátio interno de um dos chamados “predinhos da Hípica”. É assim que são conhecidas as antigas edificações de três andares do bairro de Pinheiros, em São Paulo, construídas no terreno onde estava instalada a Hípica Paulista, antes de sua mudança para Santo Amaro. Ali moravam meus avós Januário e Leonídia (a dona Nené) e meus padrinhos Alberto e Nair. A bola, herdada de meu primo Mauro; a bicicleta, ganha de meu Papai (Noel) Carlos e de meu tio Júpter (aos três, ao meu avô Januário, devo também o meu “corinthianismo”).

Do início dos anos 70 até meados dos anos 90, chutei bolas assiduamente nas quadras e campos do Colégio São Luís e do Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo, na praia do Embaré em Santos e numa quadra de areia (“society”) na Vila Olímpia. Nesta última, uma discussão boba pôs fim ao lazer semanal de um grupo de amigos ao qual eu pertencia. Ainda não pendurei as chuteiras, que continuam bem guardadas no fundo de uma gaveta. Mas, de lá para cá, foram chutes bem raros, quase que só para atender aos insistentes pedidos dos meus sobrinhos, quando eles eram pequenos.

Se a bola tem fugido dos meus pés, ela não me escapa dos olhos e ouvidos… e muito menos do coração! Desde o final dos anos 60, frequento regularmente os estádios de futebol. Estimo já ter assistido presencialmente a mais de mil partidas de futebol profissional.

Já os pedais de uma bicicleta nunca fugiram dos meus pés. Primeiro, eles foram de uma “Caloi dobrável”, depois de uma “Caloi Peri” (versão masculina da famosa “Caloi Ceci”) e, desde o ano 2000, de uma “Caloi 100” (modelo comemorativo do primeiro centenário da empresa). Foram pedaladas especialmente prazerosas as compartilhadas com a minha mãe Alzira, nas manhãs de domingo, no Parque do Ibirapuera, até quase os 90 anos dela, e as que me levaram a passeios e viagens, por 15 estados brasileiros e por todos os continentes do mundo (exceto o Antártico), solitárias ou com o meu ex-colega de faculdade e amigo Gilson. Ultimamente, com o aumento da segurança dos ciclistas nas ruas paulistanas, graças à implantação de ciclovias, minhas pedaladas têm se tornado ainda mais frequentes.

Curiosamente, o ciclismo e o futebol tiveram origens comuns em São Paulo. No final do século XIX, no bairro da Consolação, Dona Veridiana Prado mandou construir, numa área de sua propriedade, o Velódromo Paulista, onde se realizavam provas ciclísticas das quais participava seu neto Antônio Prado Jr., que competia com o pseudônimo de “Odarp” (“Prado” de trás para frente). Pouco depois, o velódromo se transformou no primeiro estádio de futebol do Brasil, sede do Club Athletico Paulistano. Ali foram realizadas nove das 21 partidas da primeira competição futebolística do país, o Campeonato Paulista de 1902. Inclusive a grande final, vencida pelo São Paulo Athletic Club, do artilheiro Charles Miller.

Velódromo Paulista / Estádio do Velódromo | Blog História do Futebol — A Enciclopédia do Futebol na Internet!!!!

Já a introdução, no futebol, da bicicleta — aquele movimento acrobático em que o jogador, de costas para o gol, procura atingir a bola num ponto bem alto, impulsionando ambas as pernas como se estivesse “pedalando” no ar — traz certa polêmica. Alguns pesquisadores a atribuem ao jogador chileno Ramón Unzuaga Asta — até hoje, a jogada é chamada de “chilena” nos países de língua espanhola. Outros citam Marcolino Lopes da Silva, que teria feito um gol de bicicleta por sua equipe, o Nacional, de Manaus, ainda nos anos 1920. Na década seguinte, o jornal Correio Paulistano dizia que o paulista Petronilho de Brito fazia “jogadas, por assim dizer, exóticas”.

Mas, sem dúvida, quem ficou celebrizado pelos gols que marcou de bicicleta foi Leônidas da Silva, o “Diamante Negro”. O primeiro deles teria acontecido em 1932, quando defendia o Bonsucesso, do Rio de Janeiro. Não se sabe ao certo quantos outros ele marcou em toda a sua carreira. Atuando pelo São Paulo F.C., foram, pelo menos, cinco, que fizeram com que fosse criada uma escultura do jogador exposta no Memorial do clube, e que fosse lançado pela Caloi um modelo de bicicleta que leva o seu nome.

Pelé, que fez gols de tudo quanto é jeito, também marcou alguns muito bonitos de bicicleta. Segundo o Museu Pelé, foram cinco. O filme curta metragem “Uma história de futebol”, de ficção, mostra, poeticamente, como ele teria desenvolvido a técnica para realizar a jogada com tanta facilidade.

As bicicletas do Rei | Fotomontagem Sérgio Paz

Tenho uma amarga lembrança de uma gozação que sofri de meus colegas de escola quando, adolescente, celebrei um (raro) gol que marquei num recreio, que aleguei ter sido de bicicleta. Para eles, tinha sido uma simples “puxeta”. Tempos depois, tive a convicção de que eles estavam certos: minha “memória mecânica” garante que não tirei meu pé esquerdo do chão. Tenho hoje a consciência de que meu corpo jamais foi capaz de realizar o movimento da bicicleta.

Se não fiz nenhum gol de bicicleta, vi, ao vivo, pelo menos três deles. O primeiro, do Romeu, atacante do Corinthians, no feriado de Tiradentes de 1976, no Pacaembu (Corinthians 1X0 Ponte Preta), devidamente comemorado com uma cambalhota. O do Neto, pelo Guarani, no primeiro jogo da final do Campeonato Paulista de 1988, no Morumbi (Corinthians 1X1 Guarani — curiosamente, tempos depois ele marcaria um outro gol de bicicleta, num outro empate em 1X1 entre os mesmos times, mas desta vez com a camisa corinthiana). E o do atacante Silva, do Juventus, no Dia das Mães de 1989, com a própria presente no Pacaembu (Corinthians 1X1 Juventus), tão bonito que foi aplaudido até pela Fiel Torcida. Só lamento não ter testemunhado o mais belo gol da carreira do meu ídolo Wladimir, o sétimo gol da Democracia Corinthiana na maior “virada” da história do futebol mundial (Corinthians 10x1 Tiradentes), em fevereiro de 1983, no Canindé.

Mas, como já expliquei, não foi fazendo nem assistindo a gols de bicicleta que me tornei um “ciclotorcedor”. Essa qualificação vem da frequente cumplicidade que tenho com a bicicleta para torcer pelo meu time. Especialmente quando o meu time é a Seleção Brasileira, disputando jogos em Copas do Mundo.

Nas últimas sete Copas (entre 1994 Estados Unidos, e 2018 Rússia), estive presente em 22 partidas do Brasil. Em várias dessas ocasiões, tive a companhia de uma bicicleta. Vivenciei alguns causos pitorescos. São essas peripécias (nome que referencia o modelo de uma de minhas bicicletas) que passo a relatar a partir de agora.

1994 — Estados Unidos

Em minha primeira Copa in loco, nos Estados Unidos, em 1994, estive presente nos três últimos jogos do Brasil, respectivamente contra a Holanda (3X2), Suécia (1X0) e Itália (0X0, com 3X2 nos pênaltis). Curiosamente, das centenas de partidas a que assisti no estádio, essas foram as únicas a que fui de automóvel, sozinho. A todas as outras, ou fui de transporte público, ou de automóvel, mas com mais alguém. Ou, obviamente, de bicicleta.

Nos Estados Unidos, especialmente em Dallas e em Los Angeles, locais dos jogos a que assisti, alugar um automóvel era muito mais fácil e conveniente do que utilizar transporte público. E bem barato, especialmente numa época em que, com a recente criação do real, o câmbio estava bem favorável. Assim, optei pelo aluguel de um pequeno veículo, o que me permitiu ficar alojado em hotéis de beira de estrada, mais baratos.

A semifinal, contra a Suécia, em Pasadena, na região metropolitana de Los Angeles, estava marcada para as 16h30, horário local. Meu plano para aquele dia era deixar o hotel, passear pela manhã na praia de Venice e ir almoçar em Pasadena (a uns 35 Km da praia), onde eu procuraria um outro hotel onde dormir naquela noite. Por isso, coloquei no porta malas do carro toda a minha bagagem: uma sacola, com a maior parte da roupa já usada (estava havia dez dias nos Estados Unidos), e uma pequena mochila, com duas ou três mudas de roupa, ainda limpas.

Perto da praia, o estacionamento, além de difícil, é caro. Por isso, não me importei de procurar uma vaga, gratuita, a uns cinco ou seis quarteirões da orla, levando para o passeio na praia apenas uma pochete, com carteira, documentos e ingresso do jogo.

A praia de Venice é muito agradável e simpática. Logo descobri um local para aluguel de bicicletas. Por algo em torno de uns 10 dólares, aluguei um modelo confortável, por três horas. Estimo ter percorrido mais de 40 Km, entre Santa Monica, ao norte, e a praia de Manhattan, ao sul, contornando a Marina Del Rey. A manhã estava ensolarada, e a ciclovia que acompanha a orla naquele ponto do litoral da Califórnia, a partir do popular pier de Santa Monica (aberto ao público em 1909), é frequentada por diferentes tribos: ciclistas, skatistas, patinadores, corredores, caminhantes. Lembra muito a orla da Zona Sul carioca. Eu fico sempre muito tenso nas horas que antecedem um jogo do Brasil, e aquele seria apenas o segundo jogo de Copa na minha vida. O passeio, delicioso e inesquecível, foi ótimo para relaxar a tensão.

Percurso entre os piers de Santa Monica e de Manhattan Beach, pelo litoral da Califórnia | Google Maps

Mal sabia eu a surpresa bem desagradável que eu teria, ao chegar de volta ao carro, pouco depois do meio dia. Logo ao abrí-lo, notei algo estranho na janela traseira, do lado do passageiro (perto da calçada)… Ela estava quebrada! Achei que tivesse ocorrido apenas uma tentativa de furto do veículo… Só depois de um tempo resolvi dar uma olhada no bagageiro… e descobri que minha sacola tinha sumido! Até que o ladrão foi “bonzinho” por ter deixado a pequena mochila!

Sem saber direito o que fazer, decidi ir à locadora, no aeroporto, não muito distante dali. Lá, me deram um endereço de uma garagem/oficina, onde o carro foi trocado, e onde foi feita uma espécie de boletim de ocorrência. Com a hora do jogo já se aproximando, saí correndo em direção a Pasadena, sem tempo para procurar hotel e nem mesmo um lugar para almoçar. Em 1994, não havia computador de bordo, GPS, Waze… Tudo o que eu tinha para navegar pelas freeways eram plantas e mapas conseguidos em balcões de turismo.

Enquanto dirigia, eu tentava avaliar as perdas na sacola. Confortei-me que, talvez, o mais valioso fosse o ingresso do jogo Brasil X Holanda (já utilizado), além de um filme de fotos, folhetos turísticos e lembranças do Texas. Concluí, portanto, que praticamente tudo ali eram objetos que, provavelmente, não seriam mais necessários durante a viagem. O mais importante era não perder a semifinal.

Cheguei “em cima da hora”! Faminto, pude comemorar o gol de cabeça do Baixinho Romário naquele goleiro sueco engraçado, o Ravelli, e festejar a nossa classificação para a final.

Na saída do estádio, encontrei três jovens de Curitiba, que também pretendiam procurar um hotelzinho barato em Pasadena. Dividi com um deles um quarto da rede de motéis “Super 8”. Desse rapaz ganhei algo que ele tinha achado nas arquibancadas do Estádio Rosebowl, e que eu levaria comigo na final, dali a quatro dias, naquele mesmo estádio, onde passei por um enorme “perrengue”… Mas isso é uma outra (e longa) história!

Pier de Manhattan Beach, Califórnia | Foto: Sérgio Paz
Jogos contra a Holanda (“Cotton Bowl”, Dallas, Texas), Suécia e Itália (“Rose Bowl”, Pasadena, Califórnia) | Fotos: Sérgio Paz

1998 — França

Não sei se foi a conquista do Tetra… Mas o fato é que o “bichinho da Copa” me picou de verdade! Quatro anos depois, lá estava eu na França!

Dos sete jogos que o Brasil disputou lá, quatro eu vi das arquibancadas: Escócia (2X1), Marrocos (3X0), Dinamarca (3X2) e Holanda (1X1, com 4X2 nos pênaltis). Bem… na verdade, eu vi um pouco mais de três jogos e meio, pois, deste último, perdi os quinze minutos finais do tempo normal, mais a prorrogação e a disputa de pênaltis (outra longa e boa história, que fica para outra ocasião).

Diferentemente dos Estados Unidos, a França é um país que se pode considerar como bike-friendly, ou seja, a bicicleta faz parte de sua cultura. Ela é utilizada por milhões de pessoas para sua locomoção diária. Paris foi uma das primeiras grandes cidades do mundo a oferecer a seus moradores um serviço de bicicletas compartilhadas, lá chamado de “Vélib”, composição das palavras vélo (bicicleta) e liberté (liberdade). Além disso, o ciclismo é um esporte de muito prestígio por lá, e a disputa anual do Tour de France quase que paralisa o país por três semanas, geralmente em julho.

Implantado em 2007, o “Vélib” ainda não estava disponível na Copa. Considerei a possibilidade de levar a minha bicicleta “Peri” comigo, mas, ciente de que ela já “tinha vivido seus melhores dias” e talvez já devesse ter uma substituta, optei por comprar uma nova lá mesmo na França. Além disso, como eu planejava retornar à Europa no ano seguinte, para cumprir um intercâmbio numa faculdade de Engenharia na Holanda, decidi deixar a bicicleta comprada por lá.

Não foi fácil comprar uma bicicleta em Paris. Havia uma infinidade de lojas de esportes, e, em cada loja, eram oferecidas dezenas de modelos diferentes, havendo ainda a opção do comprador “montar” o seu modelo, escolhendo as principais peças de sua preferência. Acabei achando um modelo que me pareceu confortável e barato. Com essa bicicleta, andei por quase todos os vinte arrondissements parisienses, como são chamadas suas regiões administrativas. A cidade é relativamente plana. Passear por ela de bicicleta é extremamente agradável. Como já naquela época havia muitos ciclistas nas ruas, os motoristas me pareceram respeitá‑los mais do que aqui no Brasil. Uma das minhas mais arriscadas aventuras por lá foi conseguir atravessar um grande fluxo de automóveis para chegar ao centro da praça do Arco do Triunfo, confluência de doze vias e por isso chamada de l’Étoile (a Estrela), só para passar de bicicleta sob o famoso arco. Em compensação, admirar a imponente Torre Eiffel e a bela arquitetura dos edifícios parisienses pedalando às margens do Rio Sena foi uma das melhores sensações que eu tive naqueles dias.

Cheguei uma semana antes do início da Copa e, assim, pude sentir o “clima” e a expectativa dos franceses em relação à competição. Muito poucos tinham esperança de um bom resultado do seu time. Não sei se para “me agradar” (o que não me parece ser típico do francês, embora eles tenham sido muito gentis comigo), todos me diziam que achavam que o Brasil era o grande favorito.

Embora a abertura da Copa tenha sido em Saint‑Denis, bem pertinho de Paris, não fui vê‑la de bicicleta. Explico: o segundo jogo seria em Nantes, a uns 400 Km a oeste da capital, e eu já tinha visto, num guia da Michellin da minha irmã Ana Maria, que Nantes é banhada pelo Rio Loire. O vale desse rio é uma das áreas turísticas mais visitadas da França, devido às dezenas de imensos castelos medievais ali existentes. É, também, um paraíso para os ciclistas, pois é cortado por várias estradinhas de ótimo asfalto, planas e com pouco trânsito de automóveis, ideais para a prática do cicloturismo. O problema é que o intervalo de cinco dias entre as duas primeiras partidas não me seria suficiente para eu conseguir percorrer a distância entre Paris e Nantes, parando para visitar os castelos e museus mais importantes. Optei, então, por levar a bicicleta de trem a Órleans (cidade onde viveu Joana D’Arc), de onde, quatro dias antes da abertura da Copa, iniciei minha viagem ciclística rumo a Nantes. Em Tours, no meio do caminho, deixei a bicicleta num pequeno hotel e tomei um trem de volta a Paris, para ver a vitória do Brasil sobre a Escócia. No dia seguinte, retornei de trem a Tours, e retomei o meu passeio. Segui de bicicleta até Angers, e de lá tomei um trem a Nantes, onde cheguei a tempo de poder presenciar nossa segunda vitória, sobre o Marrocos.

Percurso de Órleans a Angers, pelo Vale do Rio Loire | Google Maps
Rio Loire e seus castelos | Foto: Sérgio Paz
Órleans, “portal de entrada” do Vale do Rio Loire; Monte Saint Michel e triciclos a vela, no litoral norte da Bretanha | Foto: Sérgio Paz
Torre Eiffel e Rio Sena, em Paris | Foto: Sérgio Paz
Paris: Gastronomia (Café de la Paix, McDonalds na Av.Champs Élysées) e Cultura (Museu do Louvre, Centro Pompidou) | Foto: Sérgio Paz
Praças de Paris: Concórdia, des Vosges, Vendôme e Parvis Notre Dame (atual João Paulo II) | Foto: Sérgio Paz
Sob o Arco do Triunfo, na ponte da Ilha de St. Louis e numa ciclovia parisiense | Foto: Sérgio Paz

Depois desse jogo, dei uma esticada à região da Bretanha, no noroeste da França, e fiz outro agradável passeio pelo litoral, ao longo dos 60 Km que separam a cidade litorânea de Saint‑Malo e a curiosa ilha do Monte Saint‑Michel, com direito a um passeio na praia num triciclo a vela, impulsionado pelo vento. Dali tomei um trem até a Holanda, onde visitei a universidade em que pretendia fazer meu intercâmbio no ano seguinte, e onde acabei deixando a bicicleta, com uma família de brasileiros que lá conheci. Foi na Holanda que vi, pela TV, nossa derrota para a Noruega, o que não nos tirou o primeiro lugar do grupo. Depois, retornei a Paris, de onde acompanhei o restante da Copa, e onde tive uma dramática experiência no dia da grande final entre Brasil e França (mais uma história reservada para outra ocasião).

Percurso de Saint-Malo ao Monte Saint-Michel, pelo litoral norte da Bretanha | Google Maps

Infelizmente, meus planos do intercâmbio na Holanda não deram certo… E nunca mais vi essa bicicleta que me proporcionou passeios tão agradáveis pela maravilhosa França.

2002 — Coreia do Sul e Japão

A experiência de ter comprado uma bicicleta na França foi altamente positiva… Mas teve um percalço importante. Nos cinco primeiros dias, uma parte sensível do meu corpo estranhou a nova bicicleta: senti muitas dores nos glúteos! Cheguei a comprar uma capa de gel para o selim… mas acho que as dores só diminuíram mesmo quando o “bumbum” se amoldou ao novo assento (esta minha teoria é corroborada pelas dores que senti, no mesmo lugar e também por alguns dias, quando, retornando para casa, voltei a pedalar a minha velha “Peri”).

Por causa disso, em 2002, já tendo comprado uma nova bicicleta (o modelo “Caloi 100”), pensei em levá‑la comigo à Copa da Ásia. Porém, o Brasil caiu numa chave que lhe obrigaria a disputar jogos na Coreia do Sul e no Japão caso chegasse à final (o que acabou acontecendo), e eu achei que a logística do transporte da bicicleta entre os dois países (que me obrigaria a desmontá‑la e remontá‑la) seria meio complicada. Assim, na véspera da viagem, com a bicicleta já embalada, desisti de levá‑la.

Desta vez, eu tinha comprado, no site da FIFA, ingressos para os três primeiros jogos do Brasil, com direito aos ingressos das demais partidas, caso o Brasil fosse se classificando. Assim, pude ver as sete vitórias brasileiras, contra a Turquia (2X1), China (4X0), Costa Rica (5X2), Bélgica (2X0), Inglaterra (2X1), novamente Turquia (1X0) e Alemanha (2X0). Dessa forma, ampliei meu retrospecto pessoal para catorze partidas do Brasil, com doze vitórias e dois empates (com duas vitórias nos pênaltis).

Depois da estreia do Brasil na cidade sul‑coreana de Ulsan, tomei uma balsa que, numa travessia noturna de doze horas, me levou à ilha de Jeju, no sul do país, onde a nossa Seleção faria seu segundo jogo. Com uma área de quase 2 mil Km2, essa ilha tem o formato aproximado de uma elipse, cujo eixo maior, de uns 70 Km (o dobro do menor), fica praticamente no sentido leste‑oeste. Bem no seu centro há um vulcão extinto há mais de mil anos, o Hallasan, de quase 2.000m de altitude.

Meu desembarque foi no extremo norte da ilha. Fosse ela um mostrador de um relógio, o porto ficaria próximo à marcação do número “12”. O jogo do Brasil, dali a três dias, seria na cidade de Seogwipo, a maior da ilha, no seu extremo sul (ou seja, perto do “6” do mostrador desse relógio imaginário). Meu plano era alugar uma bicicleta e dar a volta na ilha em cinco dias, percorrendo a cada dia um quarto da volta (uns 50 Km) e ficando dois dias em Seogwipo, na metade do caminho, para assistir ao jogo contra a China.

Ilha de Jeju | Google Maps

Não foi difícil encontrar uma pequena oficina de bicicletas próxima ao porto. Seu simpático proprietário, meio desconfiado, acabou concordando em me alugar um modelo de passeio, em troca de um depósito em dinheiro quase suficiente para comprá‑lo. Acho que ele não acreditou que eu conseguiria dar a volta pela ilha e estar de volta dali a cinco dias.

Na saída, tive que tomar uma difícil decisão: para que lado ir??? Fazer o percurso no sentido horário ou anti‑horário??? Diferentemente do Japão, a Coreia não adota a “mão inglesa”, ou seja: lá é igual daqui. Assim, optei pelo sentido anti‑horário só porque, dessa forma, pedalando na mão, eu estaria mais próximo do mar, tendo‑o sempre à minha direita. Portanto, voltando ao relógio imaginário, minhas jornadas seriam do “12” ao “9”, do “9” ao “6”, do “6” ao “3” e do “3” de volta ao “12”.

O passeio foi muito agradável! Tive muita sorte com o clima; apenas no último dia peguei um pouco de chuva. A orla da ilha, quase toda plana, apresenta uma paisagem bastante atraente, alternando vilas simples de pescadores, praias pouco frequentadas, plantações de arroz e balneários cheios de hotéis, muito procurados por casais em lua‑de‑mel. Outra curiosidade são as esculturas em pedra vulcânica com cerca de três metros de altura que representam divindades de proteção e fertilidade, espalhadas por todo o perímetro da ilha.

Em Seogwipo, eu já tinha uma reserva para, após o jogo, pernoitar num templo budista (com “direito” a ser despertado por um gigantesco gongo, logo às cinco horas da manhã, para participar de um ritual de meditação). No dia anterior, porém, fui hospedado por um jovem universitário coreano, que me viu na rua e gentilmente me convidou para ficar na casa de sua família (ele e seus amigos se propuseram a fazer isso durante toda a Copa).

Apesar da leve chuva do último dia, completei o “tour” pela ilha de Jeju sem grandes dificuldades, surpreendendo o dono da loja onde a bicicleta tinha sido alugada. No seu guidão ficou outra fitinha verde-amarela.

As rochas vulcânicas predominam na ilha de Jeju | Foto Sérgio Paz
Esculturas de divindades e da taça, com rochas e com flores, na ilha de Jeju | Foto Sérgio Paz
Plantações de arroz, pesca e turismo são a base da economia da ilha de Jeju | Foto Sérgio Paz

Para mim e para o Brasil a Copa continuou do outro lado do mar, no Japão, onde aluguei duas bicicletas, uma em Tóquio e outra numa tarde em que estive em Hiroshima. Na capital japonesa, pedestres e ciclistas convivem pacificamente, todos trafegando pelas amplas calçadas. Talvez por se sentir seguro de que o ciclista irá respeitá‑lo (o que, reconheço, não acontece por aqui), o pedestre japonês não se incomoda em dividir seu espaço com a bicicleta, postura que favorece essa convivência. Seria muito proveitoso para nós se todo ciclista urbano brasileiro pudesse fazer um “estágio” nas ruas de Tóquio. O meu passeio pela cidade, no sábado, véspera da grande final, serviu para eu tentar relaxar e me distrair, pois a tensão era bem grande. A dificuldade para identificar a bicicleta, entre tantas bem parecidas, nas quatro ou cinco vezes em que parei para um lanche ou uma caminhada, foi superada amarrando outra fitinha verde-amarela no seu guidão.

No Japão, visitas a Hiroshima e à estátua do Zico em Kashima, e o momento em que Cafu ergue a taça | Foto Sérgio Paz

2006 — Alemanha (e Áustria)

O destino tinha sido bem generoso comigo, na questão da aquisição dos ingressos para a Copa da Coreia e do Japão. Pelos sete ingressos dos jogos do Brasil, tinha pagado pouco mais de mil dólares, valor inferior ao que muita gente pagou apenas para ver a final contra a Alemanha. Infelizmente, essa mesma sorte não me sorriu, quatro anos depois. Apesar de várias tentativas no site da FIFA, não consegui comprar nenhum ingresso para a Copa da Alemanha. Além disso, para a primeira quinzena do mês de junho de 2006 eu já tinha assumido compromissos profissionais, o que me impedia de viajar antes do início da competição.

Sendo assim, relutei bastante em ir à Alemanha. A decisão de ir foi tomada quase que “em cima da hora”, e motivada por um fato bem casual. Eu estava em minha sala de trabalho, na região da Consolação, em São Paulo, quando ouvi passar pela rua um realejo, tocando “Danúbio Azul”. Essa valsa é, certamente, uma das quinze ou vinte canções top five da minha vida (alguém consegue eleger apenas cinco músicas top five???). Desde pequeno, tenho um caso de amor por ela, que serviu como “fundo musical” em diversas ocasiões bem significativas. Mesmo sendo um descrente nessas questões esotéricas, interpretei aquele som do realejo como um “sinal divino”, e naquele dia mesmo comprei minha passagem para a Alemanha, já considerando a possibilidade de dar uma “escapada” durante a Copa para ir conhecer o famoso rio europeu. E, desta vez, não poderia deixar de levar minha “Caloi 100”.

A cor original dessa bicicleta era azul. Porém, em fevereiro de 2006, ela teve que ser repintada. Explico o motivo: eu fui com ela ao mega‑show dos Rolling Stones na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Bem distante do palco, eu a apoiei num poste usado para amarrar uma rede de vôlei, e fiquei de pé na barra horizontal do quadro da bicicleta. Assim, eu conseguia ver o palco, acima das cabeças daqueles milhares de pessoas. No meio do show, muita gente em volta de mim me pediu para subir, para “dar uma olhadinha”… E eu deixei! Só no dia seguinte constatei que, provavelmente por causa da areia na sola dos tênis desse pessoal, a pintura da barra estava toda descascada! Como a pintura também serve como proteção contra a ferrugem do quadro, providenciei logo uma nova e, por sugestão do mecânico da oficina onde levo a bicicleta para revisões, foi feita uma pintura “artística”, nas cores da nossa bandeira.

Sem ingressos para os jogos, decidi ficar baseado na cidade alemã de Colônia. Eu sabia que lá se hospedariam vários grupos de turistas brasileiros, levados por uma agência de turismo cujos guias tiveram um treinamento de preparação para a Copa aqui no Brasil que eu havia acompanhado de perto. Tive sorte: consegui ingressos para os jogos do Brasil contra o Japão (4X1) e Gana (3X0), ambos na cidade de Dortmund. Neste último jogo, Ronaldo marcou seu 15º e último gol em Copas, tornando‑se o maior artilheiro da história da competição (até ser superado pelo alemão Klose, em 2014). 13 desses 15 gols eu tive o privilégio de comemorar presencialmente.

Situada no centro‑oeste da Alemanha, Colônia tem como principal marco turístico sua catedral, construída no estilo gótico. Há muitos ciclistas em suas ruas. Numa noite, fui abordado por um policial, e pensei que seria advertido por estar pedalando num “calçadão”, numa área comercial que, talvez, fosse restrita a pedestres. Mas não, ele apenas me pediu que eu providenciasse um par de faróis!

A Catedral gótica de Colônia atrai turistas e ciclistas | Foto Sérgio Paz

Estando às margens do importante Rio Reno, pude fazer dois agradáveis passeios “bate‑volta” por vias paralelas ao rio: até Düsseldorf, a uns 50 Km ao norte, uma cidade alegre, cheia de jovens estudantes; e até Bonn, a menos de 30 Km ao sul, que foi capital da velha Alemanha Ocidental por 40 anos. Nesta última, visitei a casa em que nasceu o compositor Ludwig van Beethoven (o favorito de minha mãe), onde, emocionado, ouvi uma gravação de sua belíssima “Nona Sinfonia”. Depois do Sena e do Loire, o Reno era o terceiro rio europeu em cujas margens eu pedalava durante uma Copa do Mundo, o primeiro com minha própria bicicleta. Eu ainda não sabia que seria uma espécie de “aquecimento” para um percurso bem mais comprido, também ao longo de um rio.

Estudantes em Düsseldorf e casa de Beethoven em Bonn, ambas às margens do Rio Reno | Foto Sérgio Paz

Depois da vitória sobre Gana, o Brasil jogaria em Frankfurt, contra a França. Fui então a uma cidade ali perto, Heidelberg, onde há uma antiga e famosa universidade, e onde fui gentilmente acolhido por meu amigo Sérgio Mukherjee, o “Xará”, na época estudante de pós‑graduação, que comigo compartilhou o minúsculo “estúdio” onde morava. No dia do jogo, fui a Frankfurt, numa tentativa, frustrada, de conseguir um ingresso de cambista (vi o jogo numa lanchonete, no centro da cidade). De lá, eu tomaria um trem para Munique, onde o Brasil jogaria a semifinal, se passasse pela França. O gol do atacante francês Henry e a derrota do Brasil mudaram meus planos.

Esculturas de ciclistas, Heidelberg e a roda gigante de Viena, uma das mais antigas do mundo | Foto Sérgio Paz

Muito triste, disposto a “dar um tempo” à Copa, decidi mudar de rumo: de Munique, tomei um trem a Passau, cidade no sudeste da Alemanha, fronteira com a Áustria. Eu já tinha pesquisado: ali, onde os Rios Inn e Ilz deságuam no Danúbio, inicia‑se uma ciclovia que, entrando pela Áustria, acompanha este último rio até a capital Viena. Ainda muito chateado com a derrota, cheguei a Passau no fim de uma bela tarde, a tempo de visitar um posto de informações turísticas e de conseguir um ótimo guia sobre essa ciclovia.

Eu não sabia, mas a rota ciclística Passau‑Viena é uma das mais badaladas da Europa. A cidadezinha estava cheia de grupos de ciclistas que, como eu, partiriam na manhã seguinte. Famílias, amigos, crianças, jovens, idosos… Ninguém ali parecia interessado em futebol. Só queriam calibrar seus pneus, ajeitar a bagagem e se preparar para o passeio.

Percurso de Passau, na Alemanha, a Viena, na Áustria | Google Maps

Acompanhando as curvas e meandros do Danúbio, e totalmente segregada das estradas de automóveis, a ciclovia de Passau a Viena oferece uma infra‑estrutura excepcional, com asfalto perfeito, sinalização detalhada, postos e oficinas especializados e hotéis e restaurantes com ótimas instalações de apoio aos ciclistas. Ao longo de quase todo o percurso existem pistas dos dois lados do rio, interligadas por dezenas de pontes e passarelas. O visual é maravilhoso, especialmente nas áreas de “garganta”, cujas encostas são recobertas por plantações de uva. Cidadezinhas simpáticas, como Linz, Melk e Tulln, são paradas obrigatórias.

Sem pressa, interpretando mentalmente o “Danúbio Azul”, pedalei em ritmo de valsa, sendo frequentemente ultrapassado até por idosos e crianças. Feliz, eu até apaguei da memória a imagem do lateral Roberto Carlos amarrando sua chuteira quando devia estar impedindo o chute do Henry no gol do Dida. Só me incomodava mesmo o forte calor e a excessiva luminosidade do sol. O frescor das noites, porém, era ideal para o sono repor as minhas energias.

Na manhã do terceiro dia, apareceu‑me uma placa indicando um desvio de uns 4 Km na ciclovia, que não constava no detalhado mapa do meu guia. Segundo a placa, um pequeno trecho à frente estava interditado para obras de manutenção. Vi no mapa, porém, que havia uma estrada que, claramente, oferecia uma alternativa bem mais curta que o desvio, de menos de 1 Km. Decidi acessar a estrada. Ao entrar nela, logo constatei que se tratava de uma autobahn, uma via de várias pistas e trânsito rápido. Mesmo trafegando no acostamento, era evidente que ali não era adequado para bicicletas. Em vez de retornar, vi que havia uma saída uns 200 metros à frente, e decidi sair por ela.

Não deu tempo! Uma caminhonete logo parou ao meu lado, e dela desceram dois policiais, um deles visivelmente nervoso. Depois de me perguntar o que eu estava fazendo lá, me deu voz de prisão! Ser detido no exterior, durante uma Copa, não era uma experiência nova para mim… Mas era para a minha bicicleta, que foi jogada no bagageiro da caminhonete, enquanto eu era “convidado” a embarcar na cabine. Calmamente, expliquei que eu era estrangeiro, que não conhecia o lugar, e contei sobre o desvio na ciclovia. O policial-motorista, mais tranquilo que seu companheiro, falou‑lhe algo que eu não compreendi. Logo eles saíram da estrada, me fizeram prometer que eu não voltaria a ela, me devolveram a bicicleta e me liberaram. Só então percebi que eles haviam feito um retorno, e que haviam me deixado quase que no ponto de onde eu havia iniciado a jornada daquele dia.

Refeito do susto, resolvi recuperar o tempo perdido e a energia desperdiçada. Havia ali um porto de parada de embarcações de cruzeiro, e uma delas sairia dali a uma hora, tempo suficiente para almoçar. Assim, o trecho daquele dia não foi percorrido “às margens do” Danúbio, mas “no” Danúbio!

O desrespeito à correta sinalização às margens do Danúbio me fez andar “no” Danúbio | Foto Sérgio Paz

Cheguei a Viena dois dias depois. Lá fiquei apenas outros dois dias, pois tinha prometido ao Xará voltar a Heidelberg a tempo de assistir com ele à final da Copa. Mesmo ficando em Viena muito pouco tempo, pude notar que a cidade é linda, cheia de museus, monumentos e parques. Meu maior interesse foi ver o monumento ao compositor do “Danúbio Azul”, Johann Strauss, no Stadtpark. Em 2006, porém, estavam sendo celebrados os 250 anos de nascimento de Wolfgang Amadeus Mozart, e a Áustria estava em festa por causa disso. Fui a um concerto para turistas (obviamente, de bicicleta!), em que foram executadas várias obras do compositor. Mas me emocionei de verdade, sem conseguir segurar as lágrimas, quando, ao final, para minha surpresa, e imensa felicidade, já no “bis”, a orquestra executou a minha valsa favorita.

2006 foi ano de Copa e de Mozart (250 anos de nascimento), mas quem me levou lá foi Strauss | Foto Sérgio Paz

2010 — África do Sul

Ficou bem evidente que a estreia da “Caloi 100” verde-amarela em Copas foi muitíssimo bem sucedida. Assim, em 2010 ela foi o primeiro item que decidi incluir na bagagem, embora eu estivesse consciente de que, provavelmente, eu não encontraria na África do Sul as mesmas facilidades que encontrei na Europa.

Não contei aqui… Mas a estreia internacional dela não foi na Alemanha, mas sim em Sydney, Austrália, em 2000, quando estive lá para acompanhar os primeiros dias dos Jogos Olímpicos. Foi lá, num guia turístico, que li que a cidade de Sydney, com seu litoral sinuoso e suas montanhas, é considerada uma das mais belas paisagens do mundo, “que talvez só possa ser comparada à Cidade do Cabo e… ao Rio de Janeiro”!

A “Caloi 100” já tinha passeado bastante pela Cidade Maravilhosa durante quase um mês, em julho de 2007, quando fui voluntário dos Jogos Pan‑Americanos. Hospedado numa quitinete que aluguei em Copacabana, pude com ela desfrutar do visual que fez o Rio de Janeiro merecer a citação no guia australiano. Agora, em 2010, eu teria a chance de completar a “trilogia”, visitando a Cidade do Cabo.

No entanto… havia um “porém”: não existia nenhuma garantia de que o Brasil jogaria lá. O sorteio dos grupos definiu que o Brasil faria seus dois primeiros jogos em Joanesburgo, e o terceiro em Durban. Se passasse em primeiro lugar no grupo e continuasse vencendo, só iria à Cidade do Cabo na semifinal. Se fosse o segundo da chave, aí sim jogaria lá logo nas oitavas… mas eu não iria torcer para o Brasil ficar em segundo!

Desta vez, tive mais sorte na compra dos ingressos. Consegui dois na primeira fase, ambos disputados em Joanesburgo, contra a Coreia do Norte (2X1) e a Costa do Marfim (3X1), e, confiando no primeiro lugar do Brasil, o das oitavas, ainda em Joanesburgo, contra o Chile (3X0), e o das quartas, em Port Elizabeth, contra a Holanda (1X2). Este último, o meu vigésimo jogo do Brasil em cinco Copas, marcou a primeira (e, até agora, única) derrota da Seleção a que estive presente (antes, haviam sido dezessete vitórias e dois empates com vitórias nos pênaltis).

Para garantir o passeio à Cidade do Cabo, planejei a viagem começando por lá, duas semanas antes do início do torneio. Acho que foi uma decisão acertada. A cidade é mesmo muito bonita, e pude explorá‑la com tranquilidade. Pedalei pela orla das praias, ao norte. Subi até a base da famosa Table Mountain (infelizmente, não foi possível levar a bicicleta ao topo da montanha, pois não é permitido o seu transporte no funicular). Com ela fui também até a estação de embarque para a Robben Island, a ilha onde Nelson Mandela ficou preso durante quase 20 anos. E, num passeio de um dia inteiro, parcialmente completado de trem (na volta), estive no Cabo da Boa Esperança. Esse talvez tenha sido o primeiro lugar de fora do Brasil do qual, ainda menino, ouvi falar na escola, quando minha querida professora, Dona Heloísa, contou as histórias das grandes navegações portuguesas. Aprendi com ela que esse belo nome havia sido dado por Vasco da Gama, em substituição ao horroroso Cabo das Tormentas, nome dado por seu descobridor, Bartolomeu Dias. Dessa forma, ingenuamente deduzi que eu precisaria de uma boa dose de otimismo se eu quisesse que meu nome fossa dado a um time de futebol!

Percurso entre a Cidade do Cabo e o Cabo da Boa Esperança | Google Maps
Estádio de Green Point, “Table Mountain” e Cabo da Boa Esperança, na Cidade do Cabo | Foto Sérgio Paz

Para ir do Cabo a Joanesburgo, optei por tomar um ônibus. São cerca de 1.400 Km, que levam umas 16 horas de viagem. Quando comprei a passagem, logo que cheguei à Cidade do Cabo, não me deram nenhuma garantia de que eu poderia embarcar a bicicleta. Percebi que lá, como cá, as coisas se resolvem com “um jeitinho”. Provavelmente, eu teria que desmontar a bicicleta, o que eu queria evitar a todo o custo, pois tinha tido muita dificuldade em montá‑la, logo que lá cheguei. No dia da viagem, fui com bastante antecedência à estação rodoviária, e notei que o ônibus não tinha bagageiro: ele iria puxar uma espécie de reboque, onde estavam sendo colocadas as malas dos passageiros. Preocupado com a bicicleta, fui falar com o motorista. Ele quis ver a passagem e, quando abri a carteira, ele notou meu cartão de crédito, do Instituto Ayrton Senna, com a foto do nosso grande tricampeão. Aí, ele abriu o maior sorriso. Ayrton era seu grande ídolo! Tudo resolvido! Minha bicicleta verde-amarela recebeu tratamento VIP. Chegou a Joanesburgo em perfeito estado. Acho que ela foi acomodada na “pole position”.

Na maior e mais importante cidade da África do Sul, fiquei hospedado no espaçoso apartamento do irmão do Xará, meu saudoso amigo Soummo Mukherjee, no elegante bairro de Sandton, distante mais de 15 Km do centro da cidade. Joanesburgo ocupa uma ampla área, bem espalhada. Naquela época, o transporte público era bastante precário, quase totalmente feito por vans, semelhantes às lotações da periferia paulistana. A moderna linha de metrô entre Sandton e o centro, com um ramal para o aeroporto, só ficou pronta na semana que antecedeu a Copa, ainda em operação experimental. Apenas nos dias dos jogos foram oferecidos ônibus em linhas especiais de ida e volta aos estádios. Assim, locomover‑me pela cidade de bicicleta foi uma ótima opção. Com ela, fui ao Jardim Zoológico, ao Museu do Aparatheid e ao bairro de Soweto, onde visitei a casa em que morou Nelson Mandela.

Soccer City, Soweto e shopping center de Sandton, em Joanesburgo | Foto Sérgio Paz

Além dos ingressos para os quatro jogos do Brasil, consegui comprar também um ingresso para África do Sul X México, o jogo de abertura. No caminho do Estádio Soccer City, a 20 Km de Sandton, havia muito trânsito, o que, de certa forma, me favorecia. Eu estava mais veloz do que os automóveis, e parecia que iria chegar antes de quase todo mundo… Só que não! Faltando uns 5 Km, tive um furo no pneu!

Percurso entre Sandton e o estádio Soccer City, em Joanesburgo | Google Maps

Aquela sexta-feira era feriado em Joanesburgo… Praticamente todos os estabelecimentos comerciais estavam fechados, inclusive as borracharias (eu até tinha uma câmara de reserva, que tinha ficado no apartamento). Depois de empurrar a bicicleta por uns 2 Km, encontrei um posto de gasolina onde havia uma pequena oficina, mas ela estava fechada. Consegui, ao menos, deixar ali a bicicleta, e fui a pé até o estádio. Cheguei em cima da hora do jogo, tendo perdido a festa de abertura. Voltei de ônibus e metrô, e só no dia seguinte consegui consertar o pneu e, com 24 horas de atraso, tirar uma foto da bicicleta na frente do estádio. (Nesse dia, percorri vários corredores sob as arquibancadas do Soccer City… Mas essa é outra longa história, que fica para outra vez).

A nenhum dos três jogos do Brasil em Joanesburgo fui de bicicleta, preferindo desfrutar da companhia de meu anfitrião Soummo. Mas me lembrei muito dela durante a partida contra a Coreia do Norte, atribuindo‑lhe, injustamente, a culpa pelo intenso frio que senti naquela noite. Explico: quem viaja com uma bicicleta tem que ser capaz de transportar nela toda a sua bagagem. Por isso, a quantidade de roupa levada não pode ser muito grande. Sendo assim, para enfrentar o inverno sul‑africano eu só tinha um moleton amarelo que funcionou bem durante toda a viagem, exceto naquela noite em que os termômetros, excepcionalmente, desceram a -1ºC.

A bicicleta esteve presente em apenas uma partida do Brasil, justamente a da nossa eliminação, na cidade de Port Elizabeth, no litoral sul do país. No percurso de volta, do estádio ao hotel em que estava hospedado, eu talvez tenha dado as mais tristes pedaladas da minha vida de “ciclotorcedor”.

Na praia, no estádio Nelson Mandela Bay e na noite da derrota para a Holanda, em Port Elizabeth | Foto Sérgio Paz

2014 — Brasil

Apesar da sofrida derrota brasileira para a Holanda, voltei para casa cheio de esperança de que, em quatro anos, iria acontecer uma grande festa em nosso país. O mundo do futebol ansiava por uma Copa no Brasil, por tudo o que o país representa para esse esporte, dentro e fora de campo. Confesso que acreditei que poderíamos auferir bons lucros com a realização do evento aqui, e usufruir do seu legado por muito tempo ainda… Doce ilusão!…

A Copa do Brasil havia começado, para mim, em junho do ano anterior, quando consegui tirar duas semanas de folga para poder acompanhar a Copa das Confederações. Instalei‑me num pequeno hotel no Catete, no Rio de Janeiro, que me serviu de base. Do Rio, levando comigo a bicicleta, fui de avião a Fortaleza, onde vi nossa vitória contra o México (2X0); e de ônibus, também com a bicicleta, fui a Belo Horizonte, onde vi outra vitória, contra o Uruguai (2X1). Nos dois jogos, a bicicleta foi bastante conveniente, pois os acessos aos estádios foram muito tumultuados por causa das manifestações políticas contra a presidente Dilma Roussef e mesmo contra a realização da Copa no Brasil. O mesmo aconteceu no dia da grande final, no Maracanã, contra a Espanha (3X0). Bem diferente do que me tinha acontecido três anos antes, em Port Elizabeth, as pedaladas do Maracanã ao Catete naquele dia estão entre as mais felizes da minha vida de “ciclotorcedor”.

Copa das Confederações, Castelão (Fortaleza) e Mineirão (Belo Horizonte), 2013 | Foto Sérgio Paz
Copa das Confederações, Rio de Janeiro, 2013 | Foto Sérgio Paz

Mesmo sendo corinthiano, fui contra a construção do Estádio de Itaquera. Acho que a abertura da Copa deveria ter sido no Maracanã, e que a sede paulistana deveria ter sido num “recauchutado” Morumbi. Mas confesso: com a bicicleta, fui algumas vezes acompanhar o andamento das obras da nova arena.

Percurso entre o Itaim Bibi e o estádio de Itaquera, em São Paulo | Foto Sérgio Paz
Obras no estádio de Itaquera | Foto Sérgio Paz

A tentativa de compra de ingressos para a Copa foi muito frustrante. Fiz várias tentativas… fracasso total! Não consegui nada! Talvez eu não tenha me empenhado o suficiente, porque eu já tinha outra alternativa: eu estava inscrito como voluntário. Acabei sendo recrutado para trabalhar junto ao pessoal da imprensa, no próprio estádio. Dos sete jogos realizados em Itaquera, estive diretamente envolvido em seis, sendo que em dois deles (Holanda 2X0 Chile e Argentina 0X0 Holanda, 4X2 nos pênaltis) fiquei à beira do gramado, assessorando um grupo de fotógrafos.

Mas minha estreia na Copa de 2014 foi mesmo no jogo de abertura, Brasil e Croácia. Cedinho peguei a bicicleta, sai de casa e passei na esquina das Avenidas Faria Lima e Cidade Jardim onde há meses, eu acompanhava a contagem regressiva para o início da Copa em um relógio digital ali instalado para isso (hoje substituído por um relógio analógico, no mesmo local). O número de dias já estava zerado, mas a contagem indicava que ainda faltavam um pouco menos de nove horas.

Já no estádio, atendendo a um rodízio de funções, fui escalado para ficar na sala de imprensa… Mas, na hora da entrada dos times em campo e da execução dos hinos nacionais, não resisti. Dei uma escapadinha para as arquibancadas… E chorei muito! Outra escapadinha, no finalzinho da partida… e tive a sorte de ver o último gol da nossa vitória (3X1), do Oscar (chorei mais ainda!). Voltando para casa, fui rever o tal relógio, finalmente zerado.

Presencialmente, esses cinco minutos foi tudo o que eu pude ver da participação da Seleção Brasileira na Copa do Brasil. Muito menos do que em qualquer outra das últimas sete Copas. Mesmo assim, atualizei minhas estatísticas: 21 jogos, dezoito vitórias, dois empates, uma derrota. Os quatro jogos seguintes, vi em casa, com minha família, ou durante o trabalho de voluntário, na sala de imprensa de Itaquera. Os 7X1 (o placar foi esse mesmo???), eu não vi… Eis aí outro tema de outra longa história, que não cabe contar aqui. No último ato do Brasil na Copa de 2014, voltei a ter a companhia da “Caloi 100” verde-amarela: de ônibus, na véspera da final, fui com ela ao Rio de Janeiro. Lá, depois de uma voltinha pelo Maracanã, onde Alemanha e Argentina se enfrentariam no dia seguinte, estive na “FanFest” de Copacabana, em cujo telão assisti a outra derrota para a Holanda (0X3), que, desta vez, nos impediu de subir ao pódio.

Voluntário no estádio de Itaquera, torcedor no Maracanã e em Copacabana | Foto Sérgio Paz

2018 — Rússia

As tentativas para a compra de ingressos para a Copa da Rússia não foram muito mais animadoras do que as de quatro anos antes, no Brasil. Especialmente no que se referia aos jogos da Seleção Brasileira. Para a primeira fase, consegui apenas quatro ingressos, nenhum deles de jogos do Brasil: o da abertura em Moscou, Rússia X Arábia Saudita (5X0) e Polônia X Senegal (1X2); em Nijni Novgorod (400 Km a leste de Moscou), Inglaterra X Panamá (1X6); e em Saransk (630 Km a leste de Moscou), o “clássico” Tunísia X Panamá (2X1). Com sorte, consegui comprar também um ingresso para um jogo das oitavas, em Samara (1.000 Km a leste de Moscou), entre o primeiro colocado do Grupo E (o do Brasil) e o segundo do Grupo F. Felizmente, o Brasil venceu o seu grupo, e consegui ver mais uma vitória brasileira (2X0, sobre o México). Sem ter ingressos para as fases seguintes, decidi que retornaria logo após essa partida.

Estádios Lujniki, Spartak, Dínamo (não utilizado na copa), todos em Moscou; de Samara; Krestovsky, em São Petersburgo; e de Nijni Novgorod | Foto Sérgio Paz

Optei por estabelecer minha base em Moscou, chegando dez dias antes da partida inaugural. Relutei muito em levar a bicicleta, por não ter muitas informações sobre as possibilidades de transportá‑la nesses longos deslocamentos pelo país, e mesmo sobre o seu uso em Moscou e em São Petersburgo, onde planejei passar três dias, antes do início da Copa. Mas decidi levá‑la… E, mais uma vez, essa foi uma feliz decisão.

Kremlin, contagem regressiva, Museu Histórico, loja GUM e Igreja de São Basílio, na Praça Vermelha, “epicentro” de Moscou | Foto Sérgio Paz
A “Caloi 100” verde-amarela e outras companheiras, em Moscou | Foto Sérgio Paz

Tive a sensação de que, em 2018, as bicicletas estavam começando a fazer parte do cotidiano de Moscou, embora a quantidade de ciclistas ainda não fosse muito significativa. Imagino que no inverno, com a cidade coberta de neve, deve ser muito desagradável andar de bicicleta por lá. Mas, como a Copa aconteceu no verão, me esbaldei pedalando pelas recém‑implantadas ciclovias, especialmente as que margeiam o Rio Moscou. Elegi o Parque Gorky o meu point favorito para passeios e piqueniques. De bicicleta, dei uma volta completa no florido boulevard circular em torno do centro da cidade, e fui a um espetáculo de dança no sofisticado Teatro Bolshoi (fui, provavelmente, o único espectador ciclista naquela noite).

Teatro Bolshoi e Parque Gorky, em Moscou | Foto Sérgio Paz

Nos meus primeiros dias, fiquei num hotelzinho pertinho do centro. Quando a Copa começou, os preços triplicaram e, para que as despesas coubessem no meu orçamento, fui parar num albergue na periferia, bem mais barato. A bicicleta, porém, me garantiu o transporte mesmo nos horários em que o metrô já estava fora de operação. Isso aconteceu, por exemplo, numa noite de domingo, em que encontrei um grupo de torcedores brasileiros na Praça Vermelha, postados atrás do envidraçado estúdio do qual a TV Globo fazia algumas transmissões para o Brasil. Segundo eles, o “Fantástico” seria apresentado pelo Tadeu Schmidt direto daquele estúdio. Pelo celular, eles estavam acompanhando a programação da emissora. Por causa da diferença do fuso (seis horas à frente), já era madrugada em Moscou. A vontade de aparecer na TV, ao vivo e a cores, me fez esperar mais de uma hora. Avisei a família. Quando, enfim, o Tadeu Schmidt entrou no ar, bem lá no fundo da imagem, no meio da praça quase deserta, podia ser visto um grupo de meia dúzia de pessoas segurando uma bandeira do Brasil. Quase irreconhecíveis, de tão pequenininhas que apareciam na tela do televisor. Mas, entre elas, destacava‑se uma camisa amarela que andava para lá e para cá, em cima de uma bicicleta. Graças à “Caloi 100”, minha mãe, minhas irmãs e meus sobrinhos puderam me reconhecer… e eu pude voltar para meu albergue, na periferia de Moscou, com o dia já quase amanhecendo.

Tadeu Schmidt apresentando o “Fantástico” no estúdio da TV Globo na Praça Vermelha, em Moscou; ao fundo, de camisa amarela, o “ciclotorcedor” e a “Caloi 100” verde-amarela | Acervo Sérgio Paz | Foto: Direitos reservados

Menos “trivial” foi levar a bicicleta nas viagens de trem. Diferentemente do que acontece em outros países europeus, na Rússia não é comum o transporte de bicicletas em trens. Precisei apelar para o famoso “jeitinho” brasileiro, distribuindo fitinhas verde-amarelas para vencer certa má‑vontade dos funcionários das ferrovias russas.

Meu esforço valeu a pena. Os passeios ciclísticos que fiz em São Petersburgo, Nijni Novgorod e Samara foram muito divertidos. Em outra madrugada, pude apreciar a claridade da meia‑noite do céu de São Petersburgo, pedalando às margens dos canais do Rio Neva. Pertinho da confluência dos Rio Oka e Volga, no estádio de Nijni Novgorod, assisti ao histórico gol do atacante panamenho Baloy, o primeiro do seu país em Copas, o mais comemorado do jogo em que o Panamá foi goleado pela Inglaterra por 6X1.

Museu Hermitage, Teatro Mariinski e Rio Neva (ao meio-dia e à meia-noite), em São Petersburgo | Foto Sérgio Paz

Muito mais comemorados por mim foram os gols de Neymar e Roberto Firmino, na convincente vitória do Brasil pelas oitavas de final, em Samara (deixando meu retrospecto atual em 22 jogos, 19 vitórias, dois empates com vitórias nos pênaltis e uma única derrota). Os 15 Km de bicicleta, do centro da cidade ao estádio, foram um pouco sofridos, devido ao forte calor daquela tarde. Antes, eu havia relaxado numa praia fluvial do mais longo rio europeu, o Rio Volga, e tomado um banho delicioso em suas águas geladas. O banho me fez acabar com a antipatia que eu nutria por esse rio, por causa de uma marchinha carnavalesca dos anos 40, que fazia parte do variado repertório que meu saudoso pai Carlos cantava debaixo do chuveiro (mais uma história para ser contada em outra ocasião). Essa lembrança fez com que lágrimas salgadas de um brasileiro se misturassem às doces águas do Volga.

Percurso entre o centro e o estádio de Samara | Google Maps
Rio Volga (de manhã e à noite), “Matrioschka” brasileira e Clube de Xadrez no Parque Strukovsky, em Samara | Foto Sérgio Paz

EPÍLOGO

A volta do estádio de Samara marcou a última etapa da minha agitada permanência na Rússia. Pedalando ao lado do Rio Volga (agora, quase tão querido quanto o Danúbio), cheguei à estação, onde tomei um trem noturno para Moscou. Na manhã seguinte, passei no albergue para pegar a mochila, desmontar a bicicleta e pegar uma carona previamente acertada para o aeroporto, onde embarquei de volta para casa. O 1X2 para a Bélgica, visto na TV de uma frutaria do Itaim Bibi, preferia que ficasse de fora deste alegre relato (será que se eu tivesse ido de bicicleta àquela frutaria o resultado do jogo teria sido diferente???).

Depois de mais de quatro anos, novas peripécias estão para acontecer neste novembro de 2022. Incentivado pela Alessandra Marques, uma paulistana morando em no Catar que, gentilmente, irá me ceder seu apartamento por três semanas, a “Caloi 100” já está sendo revisada e lubrificada. Será a quinta Copa da bicicleta (a minha oitava!). Como ela irá se comportar em Doha, a capital do Catar?

Só espero que, em sua companhia, eu possa desfrutar de novos causos, sempre com muita saúde, disposição e bom‑humor, para poder relatar mais algumas alegres peripécias deste “ciclotorcedor”.

AUTORIA

Sérgio Miranda Paz é engenheiro eletrônico, professor, turismólogo, ciclista, urbenauta e frequentador dos dois lados (de cima e de baixo) das arquibancadas do Estádio do Pacaembu, onde acompanhou muito seu Corinthians e mensalmente participa das reuniões do Memofut — Grupo Literatura e Memória do Futebol, no Auditório Armando Nogueira, no Museu do Futebol. E agradece o convite feito pelo CRFB e o empenho do bibliotecário Ademir Takara na edição do texto.

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Núcleo do Museu do Futebol dedicado a produzir, reunir e disseminar pesquisas e curiosidades sobre o futebol no Brasil.