A Importância de Ouvir
A distração do mundo da Internet e das mídias sociais pode afetar profundamente seus conhecimentos de música, pelo menos é isso que eu vejo acontecer com músicos e estudantes de música mundo afora.
Quando morei por dois anos em Winnipeg (Canadá), descobri uma nova forma de encarar a música. Entendi que o melhor músico (na visão do público canadense) é aquele que é também o maior fã do gênero musical em que ele trabalha. O melhor estudante de música também era aquele que (coincidência?) sabia todas as músicas de cor, qual album ela foi lançada, quais músicos fizeram o quê.
Na Europa (onde morei/viajei por um ano), a relação do público com o jazz, em particular, me surpreendeu muito. O silêncio é lei de comportamento na maioria dos bares, exceto quando o ambiente é mais livre e aberto às jams. Por incrível que pareça, o jazz me parece ser mais valorizado lá do que no Canadá!
No Brasil é um pouco mais difícil encontrar tamanho respeito pela performance dos músicos, se não impossível. A música voltada aos ouvidos brasileiros, portanto, deve ser diferente. Na minha experiência de professor, me parece também que o hábito de escutar música ativamente (sem distrações) influencia diretamente na eficácia do aprendizado do aluno. Na minha opinião, esse hábito é o que explica parcialmente o “talento nato” que alguns têm e outros não.
Isso não acontece a toa. O processo criativo musical é 100% dependente da nossa memória. Mesmo que você encontre um instrumento com um som completamente diferente de qualquer coisa que alguém possa ter escutado, a tendência é que você o utilize de forma a se adaptar ao seu próprio mundo subconsciente. Pense na absurda pluralidade de sons que a música eletrônica nos oferece e nos miúdos e repetitivos formatos em que ela é normalmente usada.
Levando isso tudo em consideração, tive que mudar meu jeito de entender a música. Eu era o típico estudante de música que estudava por horas e mais horas com exercícios técnicos, escalas, arpejos, acordes, etc. Mas no fim do dia, cansado, não tinha energia nem para escutar um “CD” (referência da minha idade) inteiro. Ou seja, não tinha o que dizer, não tinha referência, não tinha repertório.
Agora eu entendo a importância de separar um tempo diário para simplesmente ouvir música. Esquecer o smartphone, o computador, apagar a luz e só sentir a música acontecer. Se você é que nem eu, não vai memorizar tudo de uma vez só, nem mesmo vai aplicar as idéias que ouviu diretamente nas suas novas composições ou improvisos. Talvez uma ou outra idéia. Mas o resto vai embora tão rápido quanto quando chegou.
A diferença é que ao repetir o hábito de escuta ativa, a sonoridade da música vai entrando aos poucos na sua memória de longo prazo. E quando isso acontece, tudo fica mais fácil.
Do ponto de vista da interpretação, inconscientemente você começa a imitar as sonoridades que mais gosta e tem mais intimidade e, aos poucos, consegue de fato imitá-las! Do ponto de vista da composição, quando você se depara com aquela folha em branco, ou aquele gravador sem nenhum segundo de idéias gravadas, terá idéias prontas na cabeça de forma natural. Quanto mais você escuta algo, melhor consegue definir o que acontece, o que facilita muito o processo de registro.
Agora, não use esse argumento para parar de estudar seu instrumento! Apenas lembre-se que o instrumento é o instrumento pelo qual a música passa entre você e o mundo. Portanto, se você estiver com a escuta em dia e com o instrumento objetivamente estudado, pode ter certeza que você conseguirá oferecer o que há de melhor de você musicalmente.
