O Valor da Linguagem e Tradição na Música

Humberto Piccoli
Music Filter
Published in
4 min readJun 16, 2017
Foto: Alex Aliviado

Nos dias de hoje, o músico que leva seu ofício a sério passa horas todos os dias estudando técnica, teoria, harmonia, repertório, leitura, etc., etc. e etc. Com o tempo ele domina uma ciência muito complexa que, consequentemente, causa admiração em qualquer um que o acompanhe. Tudo bem, toda arte complexa demanda muito esforço e habilidades bem desenvolvidas.

Porém esse caminho não se completa com “apenas” tudo isso. Existe também um fator muito sensível e repetidamente polêmico: a linha tênue entre tradição e modernização.

Mas qual o problema com isso? Se o artista quer fazer algo baseado fortemente na tradição, ele faz. Se ele quiser inventar algo completamente novo, que jogue uns dados e invente algo totalmente aleatório. Uma coisa é certa: se a obra chegar a algum ouvinte, ele vai reagir, gostando ou não. Isso não é necessariamente um problema para o artista, já que o papel de um artista pode ser uma pluralidade de coisas entre agradá-lo com músicas de elevador até incomodá-lo com ruídos e batidas transientes inesperadas.

O problema não está no artista, mas sim no público. E no nível de seu apego emocional a uma específica cultura.

Basicamente, pode-se dizer que, quanto mais baseada numa tradição, mais a obra possui gatilhos que a aproximam de um grupo social específico, que conhece essa tradição. Por exemplo, se você é uma pessoa que viveu o auge de sua adolescência no fim dos anos 70 nos Estados Unidos, é muito provável que o Rock influenciou muito seu estilo de vida. Se uma banda nova fizer uma música nova, com riffs de guitarra baseados na guitarra de Jimmy Page, realmente bem feitos, há uma ótima chance que você vai curtir essa banda. E ainda vai dizer: “Finalmente apareceu uma banda decente! Depois de décadas!!!”

Esse é o significado de música boa para você: aquela música que representa a sua história, o seu estilo, o seu comportamento e opiniões.

Do lado oposto, a música contemporânea segue criando sons e até “nã0-sons” aleatórios, explorando os limites de ruídos, sequência de notas, ritmos e timbres jamais sequer sonhados antes. Músicos bem treinados e acadêmicos da área investigam possibilidades e são praticamente os únicos a testemunharem tais experimentos sonoros. Não há público para o novo.

Tenho minhas preferências, e você tem as suas. Acredito que este é um julgamento altamente subjetivo, até porque não prefiro duas notas sobre uma, ou ré sobre dó. Prefiro a minha história e experiência, e ela é pessoal e bastante subconsciente! Ninguém está errado em arte. Ninguém está errado em música.

Eu sou um músico que só se satisfaz quando uma outra pessoa me escuta, me vê e me julga. Em geral prefiro os julgamentos positivos e amigáveis, mas também aprecio uma boa crítica. O que não gosto é de indiferença. Ao mesmo tempo ninguém é obrigado a me ouvir.

Por isso, a tradição e uma linguagem que retrate bem um gênero musical são de altíssima importância para mim. No meu papel de artista, eu preciso dar um jeito de roubar a atenção do ouvinte através da música, sem truques rasos, como tocar muito alto, ou olhando nervosamente para o ouvinte, ou fazendo piruetas, virtuosismo desnecessário.

Eu quero roubar a atenção e criar uma conexão forte, que não terminará quando a música acabar. Eu preciso tocar alguma coisa que essa pessoa conhece, e transformar essa coisa numa obra minha. Se eu fizer isso bem, essa pessoa vai me aplaudir, e provavelmente vai querer conversar depois, me conhecer melhor.

É muito comum ouvir músicos locais reclamarem do público. Muitas vezes com razão. O público sabe ser rude e grosseiro. Mas será que essa recepção negativa já não parte do próprio músico? Será que tocar “aquela” música “daquele” jeito é realmente necessário? Qual é o motivo pelo qual o público está ali? Ele vieram mesmo lhe assistir? Ou são clientes de um bar, onde vêm tomar seu chopp favorito?

Antes de toda e qualquer performance, o público e o artista são totalmente desconhecidos. As conhecidas regras de cortesia e educação servem também como uma boa metáfora para a escolha de um repertório e a atitude de uma performance.

Diga “Olá, é um prazer conhece-lo” musicalmente. Com uma primeira música bem conhecida. Toque melodias simples e cativantes, baseadas na real história do gênero. É assim que se constrói confiança. Quando a tradição musical é bem respeitada, é como se você estivesse dizendo: “Eu tenho muitas histórias pra contar, você gostaria de ouvir uma delas?”

Em pouco tempo você terá um público atento e pronto para receber as suas inovações, interpretações e planos futuros.

Eu adoraria que você clicasse no ❤ ali embaixo e, principalmente, que você compartilhasse nas suas redes. Esta é a melhor contribuição que posso receber de você, e uma ótima forma de oferecer meu material gratuito para mais pessoas!

Se você curtiu esse post, confira vários outros no meu blog Music Filter. Obrigado pela visita! Fique a vontade para deixar seu comentário, sugestão ou crítica.

--

--