Repertório e Memória

Humberto Piccoli
Music Filter
Published in
4 min readJul 5, 2017
Foto: Michał Grosicki

Ter consciência sobre o que ouvir, estudar e tocar parece tarefa simples. Mas muitos músicos, incluindo eu, confundem as funções e os tipos de escuta e estudo que formam aquele necessário “inventório de músicas prontas” para sair tocando com qualquer um que encontramos na rua.

Cada estilo tem as suas centenas de músicas que o definem, e cada localidade do mundo escolhe as suas preferências. O que um músico de jazz costuma tocar no Brasil é muito diferente do que se costuma tocar na Alemanha. Como se manter atualizado, respeitar e conhecer o repertório dos outros e ainda ter tempo para curtir as suas músicas favoritas?

Depende muito de como a sua memória funciona, mas existem dois hábitos que certamente irão lhe facilitar o processo: escutar muita música e tocar muita música.

O ato de escutar música pode ser dividido em duas formas: escuta ativa e escuta passiva.

A escuta ativa é aquela em que o ouvinte está completamente focado na música. Ele é capaz de identificar forma, acordes, linhas melódicas, timbres, ritmos, dinâmicas e letras com precisão. Além de tudo isso, ele mantém certa proximidade emocional com o que escuta. Permite que a experiência sonora se espalhe pelos outros sentidos e crie novas experiências caracterizadas por muita subjetividade.

Para que esse tipo de escuta seja realmente útil à construção de repertório, é importante que haja muita direção e foco no objetivo. Nem sempre isso é fácil ou divertido. O cansaço mental causado por essa atividade pode ser muito intenso e explica — pelo menos parcialmente — o porquê de tanta gente não conseguir domínio de um repertório amplo e bem memorizado.

Não há motivos para desespero. De qualquer jeito, nosso subconsciente grava tanta informação que parte desse processo acaba sendo passivo.

A escuta passiva é basicamente oposta à ativa. Mesmo que a música esteja sendo tocada em alto-falantes muito próximos do seu ouvido, não significa que você a está processando de forma ativa. Quando o foco do ouvinte está voltado a qualquer outra coisa, a música vira imediatamente “música de fundo”. Existe um meio-termo, mas a nova onda da multi-tarefa está perdendo lógica a cada novo artigo científico.

Isso significa que há utilidade em deixar uma música rolando enquanto você faz aquele churrasco para os amigos, mas nada que se compare com uma escuta focada.

Entendendo melhor os tipos de escuta, fica mais fácil entender a importância do hábito da escuta ativa. É fundamental para qualquer músico separar uma hora por dia para simplesmente escutar música. Música que servirá de repertório para os próximos compromissos da profissão ou que servirão de base para novos experimentos estético-musicais.

O outro hábito que pode lhe ajudar na sua busca pelo repertório “perfeito” é tocar MUITO.

Não é nada incomum ouvir de músicos extraordinários que eles sempre têm a mão um instrumento por perto. O hábito de tocar reforça a memória auditiva e ativa um fator multi-sensorial no processo.

Um desses fatores é a memória visual. Ao memorizar as posições das notas no seu instrumento, ocorre a ligação entre a estrutura física do instrumento e o movimento das notas. Para tocar as notas de uma música, haverá um desenho percorrido pelo movimento das mãos e do corpo.

Outro fator é a memória muscular. Quando esta memória é ativada e expressa na performance, muitos músicos a consideram a verdadeira memorização. Porém, isso só acontece quando um movimento muscular é repetido muitas vezes, o que implica em repetições da ativação de vários sentidos. Por isso, é importante lembrar que todos os fatores sensoriais representam partes fundamentais de um todo.

Já li bastante a respeito de práticas de visualização. Como grandes atletas visualizam, em detalhes, seus movimentos mentalmente antes da competição, músicos também podem se beneficiar desse hábito. Mas é importante entender que a visualização, mesmo que seja feita puramente para melhorar os movimentos musculares, é um exercício mental. É difícil saber até que ponto esses exercícios mentais podem influenciar no desenvolvimento muscular, mas existem estudos que indicam que essa influência é surpreendentemente alta. Costumo me informar a respeito dessas e outras táticas de estudo no site: https://bulletproofmusician.com/

Tocar músicas parece ser uma sugestão óbvia, mas a verdade é que todo músico se depara com a difícil escolha entre estudar aspectos técnicos e teóricos da música ou estudar músicas! Eu mesmo vivo esse dilema quase diariamente.

Sempre foi meu hábito natural dedicar mais tempo a técnica e teoria e deixar o repertório um pouco de lado. Hoje, vivendo as consequências desse hábito, dedico boa parte do tempo dos meus estudos a escuta e a reprodução de músicas que precisam fazer parte do meu repertório prático. Estou melhorando!

Faça da escuta e da reprodução de músicas em seu instrumento hábitos fortes e você não terá problema em formar e memorizar um repertório grande e variado. Faça as pazes com suas escolhas do seu tempo de estudo e aceite as consequências. Sempre há tempo para desenvolver e praticar fundamentos que ficaram para trás.

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