A primeira vez com Magic Mike

Mariana Souto
Musicais: Utopias no Audiovisual
6 min readAug 6, 2016

Resumo: Este artigo pretende analisar o filme Magic Mike (Steven Soderbergh, 2012) através de suas coreografias de dança, relacionando a iniciação sexual com a inserção no meio artístico do strip-tease, buscando comparar as performances de danças com atos sexuais.

Magic Mike

Magic Mike é uma comédia dramática, e considerando que a indústria cinematográfica categoriza filme “musical” como “um filme com música que emana de forma diegética, ou seja, justificada no mundo ficcional criado pelo filme — em oposição à típica música de fundo (background music), que não tem uma justificativa diegética para a sua origem” (BASTOS, 2011, p. 16), esta produção não seria enquadrada como tal. Mas, como bem aponta Altman, esta categorização só é válida para o produtor e defende que o filme define o modo dominante da abordagem e não vice — versa. De fato, Magic Mike, não apresenta uma trilha sonora elaborada para o filme, porém, partindo do pressuposto que os personagens trabalham com dança e música (strip-tease) e acompanha o seu dia — dia, é impossível não analisar o filme no ponto de vista de um musical considerando a importância dessas cenas para a narrativa.

Linda Willians, em seu artigo Film Bodies: gender, genre and excess (1991), incluiu o ‘melodrama’ como um “gênero de corpo”, assim como o ‘pornô’ e o ‘horror’. Esses três gêneros ressaltam as sensações, por isso sendo cabível suas comparações, tratam-se de gêneros movidos pelo desejo, onde o número performático equilibra a narrativa. Nuno Cesar Abreu, ao citar Linda Willians em seu livro “O olhar pornô” (1996) aponta como a autora classificou as diferentes soluções utópicas propostas por Richard Dyer, oferecidas pelos musicais, dentro do cinema pornográfico; desses modos, estes podem ser:

utopias integradas: filmes em que os números se entrelaçam através da narrativa, mantendo-se esta como discurso veiculador do problema e o número como solução […]

utopias separadas: filmes nitidamente concentrados em torno das performances, no quais a exposição narrativa é situada a parte. Os problemas vêm do universo da narrativa e são ‘resolvidos’ nos números elaborados como shows […]

utopias dissolvidas: neste tipo de filme não há distinção entre narrativa/mundo real e números sexuais/fantasias. De maneira geral, eles oferecem fantasias idealizadas de liberação sexual e uma visão utópica também do mundo da narrativa […] (ABREU, 1996, p. 116–117)

Magic Mike, portanto, dentro dessas classificações, se encaixaria como utopias separadas. Ao longo do filme acompanhamos todo o drama do personagem Mike (Channing Tatum), em busca da realização do seu negócio com móveis, suas relações pessoais, tendo nos números de dança do seu trabalho — assim sendo a comparação com o ato sexual — a solução dos seus problemas, tanto para conseguir dinheiro, como para separar seus sentimentos e aceitar a condição que por ser um stripper é difícil desvincular a imagem de um homem solteiro nato.

Percebendo, então, a relação de Magic Mike dentro dos dois gêneros (musical e pornô), busca-se analisar outro personagem central no filme, Adam — The Kid (Alex Pettyfer). Adam é um jovem americano de 19 anos, e como muitos traçando um caminho para sua vida. Mora com sua irmã, possui uma personalidade forte para a idade, arruma um emprego de vez em quando para manter seu estilo de vida, mas sem grande expectativas. Poderíamos dizer que o jovem não tem uma aparência física atraente, e que não faz sucesso entre o sexo oposto, que relacionar-se sexualmente é uma dificuldade… mas não, este não é o caso de Adam. Porém, ainda assim, o filme Magic Mike aborda a sua primeira vez. Acompanhamos sua trajetória no universo do strip-tease e sua transformação dentro dele. A comparação com sexo é clara, em nenhum momento o filme esconde isso: dance como se estivesse fazendo amor com o público.

O papel de Mike na vida de Adam é de protetor, o homem que ao mesmo tempo apresenta os prazeres da vida e que o aconselha. Dentro dos filmes pornográficos de hardcore é comum essa relação de mestre experiente e aprendiz. Ao permitir que Adam o acompanhe na boate, Mike ainda é desacreditado que o rapaz se encaixe ao local, mesmo enxergando o seu potencial, enquanto a postura de Adam é de reconhecimento, de observador e um pouco vislumbrado com esse ‘mundo’. Ao realizar sua primeira performance em cima do palco, e como bem aponta Leonardo Bastos em sua pesquisa, “não é vão que termos como ‘performance’, ‘coreografia’ e ‘número’ são referenciados as ambas manifestações (dança e sexo)” (BASTOS, 2011, p.11), vemos todo despreparo, vergonha, falta de ritmo, que uma primeira relação sexual pode provocar até que os envolvidos se sintam confortáveis e confiantes.

Não por acaso a música da apresentação é Like a virgin, da Madonna: Adam estava sendo tocado pela primeira vez neste meio do strip-tease. A coreografia do personagem era solo no palco, mas todo o público tira sua virgindade participando como voyeur do seu ato. Essa essência do olhar é ponto comum entre o musical e o pornô, pois está ligado ao efeito do prazer que a narrativa propõe, mesmo sabendo que se trata de uma ficção. Como um ato impulsivo, Adam beija uma cliente durante seu número e depois é recriminado pelo seu chefe, que diz para não misturar esse prazer ao trabalho. Pode-se lembrar da personagem de Julia Roberts em Uma Linda Mulher (Garry Marshall, 1990), onde a prostituta tinha como regra, para seus encontros, não beijar na boca. Essa questão é muito discutida dentro do mercado pornográfico, que coloca a questão da sexualidade como mercadoria e não como algo sensível para ser aproveitado.

Adam fica conhecido pelo nome artístico The Kid, e o crédito do seu sucesso é justamente sua juventude. O imaginário sexual com pessoas mais novas é ferramenta comum nos filmes pornográficos, alimentando uma fantasia de alguém que ao mesmo tempo que precisa de cuidados e possui uma virilidade. Pode-se pensar como The Kid como um “Lolito” para o filme.

Para fazer parte desse show, Adam precisa aprender como ser um stripper e é aí que o filme deixa claro como a cena musical trata-se de uma performance sexual, sendo muito subjetivo a relação de estímulo pois esta depende de nossas atitudes, crenças e experiências. Mas nesta sequência, o personagem de Mathew McConaughey, Dallas, ensina que para ser um bom stripper sua dança precisa ser sensual, envolvente, provocante, o público precisa acreditar que está fazendo sexo com ele em cima do palco. E o que são as coreografias utilizadas nos musicais além de um método para atrair o espectador para essa realidade?

Ao longo do filme, percebe-se então o amadurecimento de Adam após sua primeira vez, e como ele passa a ter satisfação no que faz, sendo cada vez mais performático e experiente. Assim como no sexo, sua dança se aprimora cada vez que ele a prática.

Magic Mike, à primeira vista, não é um filme elaborado para ser um musical. Suas músicas não foram previamente pensadas para isso, mas apresenta uma comparação clara do que há muito tempo é estudado entre as categorias dos filmes musicais e pornográficos, estabelecendo claramente a relação dança/sexo, e mostrando o instrumento comum nesses dois gêneros cinematográficos: o corpo humano. O personagem Adam passa por todos os aspectos de uma relação sexual através dos seus números sem precisar uma única vez exibir seu órgão reprodutor. Esta análise é possível ao questionarmos as subjetividades das classificações impostas pelo mercado, e propormos novas leituras.

Referências bibliográficas:

ABREU, Nuno César. O olhar pornô: a representação do obsceno no cinema e no vídeo. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

BASTOS, Leonardo. A dança do prazer: A representação da pulsão sexual no filme musical de Hollywood. Monografia — UFF, 2011.

WILLIAMS, Linda (1991). “Film Bodies: gender, genre and excess”. In: BRAUDY, Leo e COHEN, Marshall (ed.). Film Theory and criticism. Oxford University Press, 2004.

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