As “Rebeldes” de RBD: Melodrama, musical e as personagens femininas da novela Rebelde

Luciana Carvalho
Musicais: Utopias no Audiovisual
10 min readAug 6, 2016

Resumo: Este artigo pretende analisar a telenovela mexicana “Rebelde”, produzida pela Televisa e dirigida por Juan Carlos Muñoz, Luis Pardo e Felipe Nájera (2004–2006) sob uma luz crítica em relação a sua suposta rebeldia e ruptura com valores considerados “ultrapassados”. Tal análise será realizada a partir de um olhar mais profundo sobre suas personagens femininas, que teoricamente apresentam-se como revolucionárias no ambiente conservador, no qual estão inseridas.

Mia Colucci (Anahí), Roberta Pardo (Dulce Maria) e Guadalupe “Lupita” Fernandez (Maite Perroni)

O livro “Film Genre Reader IV”, editado por Barry Keith Grant, possui um capítulo inteiro sobre melodrama, “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama”, de Thomas Elsaesser, no qual o autor conta um pouco da história desse gênero cinematográfico que, em sua forma mais sofisticada dos anos 40 e 50, deriva diretamente dos dramas românticos literários de depois da Revolução Francesa. Esses foram uma grande fonte de inspiração para óperas e, anos depois, na América Latina, já conhecida por seu sentimentalismo exacerbado, uma inspiração para as famosas telenovelas.

O texto de Elsaesser, no entanto, aponta o sentimentalismo, o individualismo e a interiorização de códigos da moralidade cristã, das novelas do século dezoito, como fatores primordiais na constituição de tal gênero, cujos enredos perpassam por questões familiares, relacionamentos, paixões impossíveis, entre outros.

O melodrama historicamente tende a passar por períodos de alta popularidade, especialmente em épocas que coincidem com crises sociais e ideológicas. Segundo a Elsaesser, isso se deve ao fato do drama pré-revolucionário abordar as pressões externas impostas por agentes totalitários e/ou corruptos, que causam os problemas enfrentados pelos heróis idealizados. Com o passar do tempo, porém, o melodrama burguês foi se desprendendo de seu teor político, por isso pode-se concluir que se utilizava de uma estrutura semelhante para constituir críticas vazias ou superficiais.

É interessante notar também que a palavra melodrama significa uma narrativa dramática, que faz uso de componentes musicais para marcar e enfatizar o efeito emotivo. Segundo o texto, esse artifício seria utilizado para expressar a emoção, antes provocada pela descrição literária e em parte atenuada na passagem para o cinema. A música então, apesar de ser subjetiva, possui um lado funcional e um lado temático, pois pertence e dialoga com a narrativa. Acredito que esse conjunto de fatores torne o melodrama, portanto, simpatizante às características do musical, estando muitas vezes entrelaçados.

Rebelde é uma telenovela mexicana, que surgiu a partir da adaptação, feita por Pedro Damián e Pedro Armando, da novela argentina Rebelde Way, de Cris Morena (2002–2003). A versão mexicana durou de 4 de outubro de 2004 a 2 de junho de 2006 e tornou-se mais famosa que a original, tendo sua fama prolongada pela criação da banda “RBD” que transcendeu a ficção e durou até 2008.

A trama de Rebelde circunda um grupo de adolescentes, que cursam o ensino médio no colégio “Elite Way School”; sendo, no universo proposto pela novela, o mais conceituado internato do México, com um corpo docente extremamente conservador e que recebe investimentos massivos de León Bustamante, um político corrupto que vem a se tornar o grande vilão da narrativa e é pai de Diego Bustamente, um dos protagonistas.

Dentre os diversos alunos, a novela oferece foco especial a seis protagonistas. São eles: Mia Colucci (Anahí), Miguel Arango (Alfonso Herrera), Diego Bustamante (Christopher Uckermann), Guadalupe “Lupita” Fernandez (Maite Perroni), Giovanni Mendez Lopez (Christian Chávez) e Roberta Pardo (Dulce Maria).

Esse grupo de jovens completamente diferentes um do outro estabelece, durante os primeiros capítulos, relacionamentos caóticos e cheios de intrigas, em grande parte provocadas pelas personalidades fortes que colidem, pois as personagens são de realidades diferentes. Em um enredo talvez clichê, ao estilo Clube dos Cinco (The Breakfast Club, John Hughes, 1985), as personalidades muito distintas são capazes de trabalhar em equipe, ao encontrar uma causa comum pela qual lutar. Durante a narrativa essas lutas se dão em oposição às fontes tiranas de poder (que, como já vimos, é uma característica do melodrama), e o ápice do desafio as autoridades que os oprimem acontece com a formação da banda “RBD”, que reúne os interesses de todos os protagonistas.

É importante ressaltar que os dramas vividos pelas personagens possuem relação direta com seus problemas familiares, pois todos vivem em famílias disfuncionais. Além disso, o “Elite Way School” é uma instituição coberta de preconceitos, que não admite nada, nem ninguém que fuja aos padrões heteronormativos da elite branca cristã, e ignora conflitos internos graves, como, por exemplo, uma seita quase nazista, responsável por amedrontar os alunos bolsistas do colégio.

É nesse contexto que as personagens jovens entram como agente de mudanças, tomando como pressuposto a ideologia da rebeldia como ideologia transformadora da juventude. Teoricamente deveria ser considerada um enredo que quebra com padrões pré-estabelecidos mas, apesar de conseguir uma conexão com os dramas vividos por adolescentes, muitas vezes apresenta críticas contraditórias e vazias, como vamos analisar a seguir, tomando por base suas três principais personagens femininas.

Roberta Pardo (Dulce Maria)

Roberta Pardo Rey é uma jovem de dezessete anos, considerada mais madura que a maioria de seus companheiros, pois por ser filha da cantora Alma Rey, que a criou sozinha, sempre convivera com adultos, no mundo dos espetáculos. Ela é uma personagem um tanto agressiva, durona, sarcástica e sem medo de dizer o que quer. É a protagonista que movimenta a trama, pois sua chegada ao colégio é capaz de retirar todas as personagens da normalidade inicial e fazê-las enfrentar seus problemas. Apesar de ser também rica, é tratada com preconceito por grande parte dos alunos, pois sua mãe é uma vedete e símbolo sexual, assim foge da criação moralista apreciada pelo “Elite Way School”.

Caracterizada por dizer diversas vezes que odeia injustiças e mentiras, Roberta é a personagem que mais protesta e mobiliza seus colegas a fazer o mesmo, sendo considerada livre de preconceitos. No entanto, é muitas vezes tão impulsiva, egoísta e superficial quantos as pessoas que critica, aprendendo muito durante sua jornada no colégio e amadurecendo, assim como todos os demais.

O problema, porém, está em sua mensagem rasa que, apesar de ir contra as regras e expressar sua rebeldia através da música, permanece em concordância com valores instituídos por uma elite dominante. Sendo assim, ela se contradiz diversas vezes durante a novela.

Podemos citar alguns exemplos: cabelos vermelhos, roupas provocantes, discurso liberal, até mesmo a música que se tornou o tema da personagem, chama-se “Fuego”, e foi escolhida por ela para cantar e dançar de maneira provocante, em cima da mesa, durante a audição para a “RBD”. A própria letra da música: “E tenho medo de perder o controle/ E não espero por voltar a ti/ Cada vez que te encontre/ Voltará a ser como o desejo/ Que arde lento com meu fogo/ Fogo”, somada aos demais elementos, serve para descrevê-la como incontrolável, indicar uma pessoa segura de si e à vontade com sua sexualidade.

Quem acompanha sua trajetória, todavia, sabe que Pardo permanece virgem até o fim da novela e se entrega apenas para seu “verdadeiro amor”, Diego Bustamante (também integrante da Rbd), com quem tem uma relação extremamente conturbada, chegando ele a enganá-la, sequestrá-la e ameaçá-la em capítulos anteriores. Esses problemas de relacionamento manifestam-se com a tensão e a troca de olhares entre eles durante suas apresentações e por muitas vezes o passado se dissolve em uma solução utópica momentânea, quando os dois começam a cantar juntos.

Outra questão contraditória é a imagem da personagem como livre de preconceitos. Ela julga sua rival e depois amiga, Mia Colucci, por cobrar de Celina Ferrer Mitre, uma aluna obesa, que faça dieta. Roberta alega que isso é um desrespeito e que a garota deve se aceitá-la do jeito que é, mas ao confrontar Celina sempre se refere a ela como “rinoceronte”, “baleia branca” e outros nomes ofensivos. O mesmo acontece com relação a aluna Victória Paz, que em uma polêmica é considerada prostituta no colégio, por já ter se relacionado com muitos alunos. Apesar da suposta “mente aberta” da protagonista, ela está entre os que caçoam da colega e em outros momentos se refere de maneira preconceituosa a outras meninas com status semelhante.

Além de tudo isso, apesar da novela abranger diversos tipos de críticas à elitização e aos preconceitos, não existe em todo o elenco um personagem negro, e o fato de os homossexuais serem considerados indignos de estudarem no “Elite Way School” parece ser ignorado pela rebelde e honesta Roberta Pardo, que muitas vezes arma situações para fazer parecer que seus colegas são homossexuais, só por vingança e diversão.

Mia Colucci (Anahí)

Se Roberta Pardo se diferencia da mocinha típica da narrativa moderna, Mia Colucci não decepciona a elite branca conservadora. Ela é a garota mais popular e rica do colégio, com seus olhos claros, cabelo loiro e liso, um corpo escultural, não muito inteligente, sempre na moda, fútil, frágil e bondosa. Seu bordão “É tão difícil ser eu” é motivo de graça e a representa como uma menina mimada e imatura, capaz de entrar em crise existencial por um cabelo desarrumado e, apesar de possuir uma música de mulher empoderada “Así soy yo”, a canção que mais ganhou fama por ser sua música tema foi “Enseñame”:

Ensina-me a querer-te um pouco mais
E sentir contigo
O amor que tu me dás
Desaparece o frio
Quero te ver já
Ensina-me a querer-te um pouco mais
E a viver contigo
Que não aguento a ansiedade
De saber que é meu
Quero ir aonde vais

A letra de sua música demonstra uma menina frágil e desprotegida, que conta com um homem para ensiná-la a amar de verdade, pois ela o seguirá aonde for. Uma descrição um tanto machista e conservadora para a protagonista de uma novela que prega rebeldia.

A personagem é conhecida por ser sensível e estar sempre chorando, quer seja por seus problemas familiares ou de relacionamento, e por inocentemente idealizar o amor. Como já era esperado, se mantém virgem durante toda a novela, e ao final é pedida em casamento por seu “verdadeiro amor”, Miguel Arango, que diversas vezes apresenta comportamento abusivo, agressivo, ciumento e chega a trair a menina. Sendo perdoado por todos os seus crimes anteriores, quando sofre um acidente, entra em coma e perde a memória, recuperando-a em meio a uma apresentação e beijando Mia, para resolver com um final utópico a história do casal.

É interessante notar, também, que Mia assume o protagonismo, ao contrário de sua amiga Victória Paz, uma mulher forte, independe e que amadurece muito durante a novela, ao passar por severos problemas familiares. Victória (Vicky) pode ser considerada mais adequada à definição de rebeldia, mas é deixada em segundo plano e é muitas vezes julgada por suas amigas, por ser uma menina “fácil”, “moderna” e tomar atitudes que demonstram um caráter duvidoso.

Guadalupe “Lupita” Fernandez (Maite Perroni)

Não só Roberta e Mia, mas todas as personagens de Rebelde apresentam falhas em suas personalidades, que vão sendo melhoradas conforme amadurecem na novela. Apenas, Lupita passa todas as três temporadas imaculada. Ela não possui tanta expressão quanto suas companheiras de banda, mas é doce, pacifista e muito passiva em relação a todas as brigas e problemas. Está sempre preocupada com o bem estar de todos, sofre muito tanto com seus problemas, quanto com os de seus amigos, chega até a sacrificar seus interesses pelos deles.

A menina é de família humilde, é maltratada pela mãe, mas é muito inteligente, quer ser médica para cuidar de crianças com síndrome de down, como sua irmãzinha. O interessante, nesse caso, é notar que de todas as personagens, Lupita é a única explicitamente cristã, é vista rezando em diversos momentos e seu próprio nome remete a uma santa, a Virgem de Guadalupe, padroeira do México. A menina chega a se envolver com um personagem judeu, mas apesar de se apaixonar perdidamente por ele, o casal não permanece junto até o fim, sendo ela a única que parece apresentar mais de um “verdadeiro amor” durante a novela.

Sua música tema é “Quando el Amor se Acaba”, cantada por ela em sua audição. Além de ser a música com o ritmo mais passivo e inexpressivo da banda, a letra trata de uma menina madura que aceita passivamente o termino de um relacionamento:

E não posso entender nem quero compreender
A razão dessa situação
Mas não posso seguir
Dependente do seu amor
O amor acabou, a paixão terminou
E as lembranças não fazem bem
Mas o ontem passou
O hoje logo vai passar também

Considerações finais

Essas três personalidades femininas são apenas alguns exemplos dos assuntos abordados de maneira problemática e contraditória na novela. O título Rebelde é então colocado com uma conotação positiva, pois não tem realmente a intenção de realizar questionamentos sérios sobre seus principais tópicos. A rebeldia, e a suposta ética pregadas nas três temporadas, pode ser considerada uma espécie de placebo, dando aos jovens a impressão de que são questionadores modernos, mas sem atribuir a eles poder o suficiente para realmente fazer as críticas certas e gerar mudanças. Por mais inofensivo que isso possa parecer, aceitar as mulheres de Rebelde como heroínas contemporâneas, sem antes refletir, é incentivar meninas a aceitarem estereótipos femininos antiquados.

Além disso, soluções utópicas, através das músicas, para os relacionamentos amorosos complicados das personagens, acabam por romantizar situações absurdas (como um sequestro), e colocá-las em posição de fetiche para as adolescentes, público alvo da novela. Se a letra da música de abertura da novela é: “E sou rebelde/ Quando não sigo os demais/ E sou rebelde/ Quando te quero mais e mais/ E sou rebelde/ Quando não penso como ontem/ E sou rebelde/ Quando me jogo na tua pele” — então realmente temos uma contradição, pois as entrelinhas do enredo desafiam nossa concepção de rebeldia, reafirmando valores de “ontem”, que já se tornaram perigosos clichês.

Referências bibliográficas:

ELSAESSER, Thomas. “Tales of Sound and Fury: Observations on the Family Melodrama”. In: GRANT, Barry Keith (ed.). Film Genre Reader IV. University of Texas Press, 2012.

ROCHA, Maria Zélia Borba; SANTOS, Thaís Antonoff dos. “Rebeldia juvenil como cultura escolar: a ideologia subjacente à novela Rebelde. 37ª Reunião Nacional da ANPEd — 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC, Florianópolis.

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