Glee: “Prom Queen” (2x20) — relações entre trilha sonora, identidade dos personagens e figurinos

malurueda
Musicais: Utopias no Audiovisual
7 min readAug 6, 2016

Resumo: Neste artigo irei analisar de maneira geral a trajetória dos personagens da série Glee (Ryan Murphy, Brad Falchuck e Ian Brennan, 2009–2015) fazendo breves comentários sobre seus figurinos durante o episódio (2x20), Prom Queen, e falarei das trilhas sonoras usadas por cada um, fazendo uma relação com suas características pessoais.

No episódio “Prom Queen” (2x20) ocorre o baile onde os personagens usaram alguns figurinos um pouco diferentes do usual que costumam usar durante todos os episódios.

No figurino, é nítida a expressão da identidade de cada um. Em uma roupa de gala, parece que os personagens se transformam, mas a figurinista da série, Lou Eyrich, conseguiu realizar um trabalho excepcional em todos os personagens: desde aqueles com características mais comuns onde não nos esperamos surpreender com nada, até aqueles com características mais fortes e diferenciadas onde pensamos que “não é qualquer coisa que vai cair bem”. Anita Chaves é bem clara em sua monografia quando fala sobre figurinos e diz que:

Podemos afirmar que o figurino de um filme é um instrumento de linguagem cinematográfica, porque é um elemento semântico que produz uma sintaxe. Ele deve ser capaz de contar uma história mesmo sem o auxílio do roteiro. Por isso, o figurino é uma ferramenta de construção de sentidos e possui uma função dupla. (CHAVES, 2011, pág. 19)

Lauren (Ashley Rae Fink) vestida de menina foi praticamente um momento histórico. Mercedes (Amber Riley) e Santana (Naya Rivera) brilharam esbanjando sensualidade, bem como Rachel (Lea Michele) e Quinn (Dianna Agron) que não saíram dos moldes padrões que estão acostumadas a se encaixar. Mas quem de fato chamou a atenção no baile, não talvez por conta do figurino, mas pelo que causou nas pessoas devido a afirmação da sua orientação sexual e, mais do que isso, na naturalidade com que tratou tudo, foi Kurt (Chris Colfer) quando nomeado a rainha do baile, com direito a coroa e tudo. Segunda Anita, “ O figurino revela algumas informações específicas, em qualquer obra cinematográfica, para se atingir o objetivo de construir um olhar do espectador sobre aquele discurso” (CHAVES, 2011, p. 21) e ela diz ainda que:

O figurino é um conceito sempre ligado a um personagem porque ele representa a roupa que este está vestindo, mas não somente a ele. Assim, quando analisamos o figurino de um personagem, temos que entender também, o que ele não veste, ou o que vestem os personagens que estão à sua volta. A indumentária utilizada diz quem ele é, e a não utilizada, diz o que ele não é. Essa observação também é muito importante para a construção do olhar do espectador. (CHAVES, 2011, p. 20)

Rachel solou Rolling in the Deep da Adele e ela enquanto personagem competitiva, ambiciosa e egocêntrica, fez dessa música um desabafo em meio ao drama que vive com suas relações amorosas com Finn ao longo da série e mais especificamente nesse episódio. A atriz Lea Michele, que interpreta a personagem, descreveu os primeiros treze episódios da série como a “jornada de Rachel de encontrar-se dentro do glee clube”, explicando que ela “está aprendendo a ser uma jogadora de equipe e trabalhar dentro do grupo” (STARR, 2009). Isso traduz muito da personalidade da sua personagem que, apesar de perseverante e lutadora em busca do lugar que ela considera seu, ela também tem um lado um tanto quanto egoísta sem pensar nas consequências dos atos que faz para chegar até o holofote principal. Mas de todo modo, quem é que não tem defeitos?

Já a canção Isn’t she lovely do Stevie Wonder, interpretada por Artie, foi uma forma de expressão de carinho e afeto por Britanny, em uma tentativa de convencimento dela acompanhá-lo no baile, mostrando um pouco da personalidade do rapaz no episódio, o que não necessariamente acontece ao longo da série.

Artie é um garoto nerd e inteligente, é cadeirante pois aos 8 anos de idade sofreu um acidente de carro com sua mãe. Além de cantar, também toca guitarra e baixo, seu maior sonho é poder dançar e apesar das suas limitações, ele não deixa de fazer nada com o pessoal do clube do coral e muitas das vezes é o que mais surpreende nos números coreográficos durante a série.

Friday da Rebecca Black, pode ser considerada a surpresa musical da noite no episódio. A produção musical da série conseguiu transformar a música original em uma trilha dançante e marcante para o baile deixando até mesmo de parecer a mesma música. Um número um pouco mais clichê em cenas de baile como essa, a pista de dança lotada, todos se divertindo e claro, o trio Artie, Puck e Sam performaram muito bem.

E mais uma vez a Rachel vai apresentar um solo, dessa vez com a música Jar of Hearts, e de novo ela demonstra o seu lado melancólico e apaixonado por Finn, característica que já está clara na personagem não só desde o início deste episódio como desde o início da série em geral. Nesse número especificamente acontece um clima um tanto quanto estranho pelo fato dela trocar olhares com o Finn e o Jesse estar logo ali, mas de fato, Rachel precisa se reafirmar, mostrar para o que veio e, como em quase todas as situações, fazer um tipo de provocação.

Blaine (Darren Everett Criss), Tina (Jenna Ushkowitz) e Brittany (Heather Morris) interpretam a música I’m not gonna teach your boyfriend how to dance with you do Black Kids, e essa canção rendeu bons frutos para Blaine, já que ele não é um personagem com tanto destaque na série e através dessa música ele pôde expressar um pouco da sua personalidade e mostrar, por exemplo, que é bom fora dos Warblers. Desde que ele apareceu na série, desenvolveu uma relação especial com Kurt sendo inicialmente uma espécie de mentor para ele, ajudando-o a lidar com o bullying que Kurt sofria. Blaine aparenta ser um personagem discreto apesar de durante as performances ser bem extrovertido, como é o caso desse número.

A peça chave do episódio vem logo em seguida quando o Kurt é escolhido como a rainha do baile. Apesar de muitas pessoas já estarem cansadas da temática homofobia focada no Kurt ao longo da série, e apesar de ainda existir muita coisa para ser discutida em Glee e também na vida real, é importante o debate do tema e o encerramento desse episódio deixa claro isso.

Dancing Queen da banda Abba aparece no final para ilustrar perfeitamente a situação e fechar o episódio com chave de ouro. Arrisco a dizer que esse foi um dos episódios mais marcantes da temporada e que discutiu e fez os espectadores refletirem de maneira mais clara esse tema do preconceito e da homofobia, onde a expressão “sair do armário” foi temático na série não só pro Kurt, mas para outras personagens também, como Santana, por exemplo, pelo fato dela ter medo de se assumir lésbica e assumir para ela e para os outros a sua paixão pela sua melhor amiga Brittany. A atriz Naya Rivera, que faz o papel da Santana revelou sobre a identidade da personagem que a Santana é “uma garota má propensa a comentários sarcásticos”.

De acordo com a escolha e pesquisa do tema para esse artigo, foi possível chegar à conclusão de que em um objeto audiovisual o figurino é de extrema importância para a obra não só no sentido da beleza, mas no sentido de carregar uma história bem como uma identidade para cada personagem que o veste. Anita Chaves afirma isso quando ela fala que:

o figurino de um filme é um instrumento de linguagem cinematográfica, porque é um elemento semântico que produz uma sintaxe. Ele deve ser capaz de contar uma história mesmo sem o auxílio do roteiro. Por isso, o figurino é uma ferramenta de construção de sentidos e possui uma função dupla. (CHAVES, Anita. 2011, pág. 19)

Isso se torna claro a partir do momento que analisamos em Glee toda a trajetória de cada personagem ao longo da série mas principalmente no episódio escolhido, pelo fato de existir o baile de gala, que é um evento singular na trama. Quanto às trilhas tocadas, também foi possível observar que nenhuma música é escolhida aleatoriamente apenas pelo fato da melodia combinar com o clima da cena.

[…] toda música tem o seu poder expressivo, algumas mais e outras menos, mas todas têm um certo significado escondido por trás das notas, e esse significado constitui, afinal, o que uma peça está dizendo ou o que ela pretende dizer. (COPLAND, 1974 apud COSTA, 1985, p. 1–3)

Especificamente em Glee, isso não acontece. Todas as músicas carregam nas letras algum tipo de significado para a situação que os personagens estão vivenciando e isso é fantástico pelo fato de completar a expressão de sentimentos que os personagens querem traduzir nas atuações. Em um artigo publicado pela estudante Amanda Barbosa Borges, ela diz que:

A música na cena transforma totalmente o contexto visual de forma psicológica, dessa forma um mesmo cenário pode ser romântico ou assustador. A trilha sonora sempre tenta gerar emoção, pois a função da música no filme é justamente acentuar uma ideia. (BORGES, 2013, p. 13)

E ainda, segundo Vieira, “performance traduz uma maneira especial de se dar vida, expressão a conceitos e formas, geralmente tendo o próprio corpo como suporte material e essencial da expressão.” (VIEIRA, 1996, p. 338).

Referências bibliográficas

BORGES, Amanda. “A Importância da Trilha Sonora na Composição Emocional dos Filmes”. Monografia — UniCEUB, 2013.

CHAVES, Anita. “Do figurino de Amor, Sublime Amor”. Monografia — UFF, 2011. (Cáp. 2, pp. 19–23).

Apaixonados por séries (blog). Disponível em: <http://apaixonadosporseries.com.br/> Acesso em: 01 de agosto de 2016 às 21h10.

STARR, Michael. “Glee song bird”. New York Post. October 19, 2009.

VIEIRA, João Luiz. “Cinema e Performance”. In. XAVIER, Ismail (org). O Cinema do Século. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

“Twist Chats With Glee’s Naya Rivera” Bauer Publishing. September 15, 2009.

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