Lena Horne — Uma Trajetória

Raquel Lopes
Musicais: Utopias no Audiovisual
9 min readAug 6, 2016

Resumo: Este artigo conta a trajetória de vida da atriz e cantora Lena Horne, começando por sua infância, atravessando sua conturbada vida profissional, onde ela enfrentou o racismo encarando-o de frente, participando de movimentos sociais. Teve reconhecimento profissional e recebeu vários prêmios, entretanto sempre lutando contra o racismo até o fim de sua vida.

Lena Calhoun Horne nasceu em 30 Junho de 1917, filha de um gângster, Edwin F. Horne Jr., e de uma aspirante a atriz, Edna Scottron Horne. Os dois pais dela foram criados em famílias de classe média, onde acreditavam na respeitabilidade e nos direitos civis como fatores para o avanço racial. Lena cresceu com sua família no Brooklyn, onde ela viveu com sua mãe, seu pai e seus avós paternos, Cora Calhoun Horne e Edwin F. Horne. Quando ela tinha três anos seus pais se divorciaram, a deixando sob os cuidados de seus avós. Quatro anos depois, Edna voltou para o Brooklyn reclamando o direito por sua filha. As duas viajaram para o Sul dos Estados Unidos, ficando temporariamente na casa de parentes, amigos e estranhos, enquanto Edna procurava por emprego como atriz. Eventualmente, Lena voltou para a casa de seus avós no Brooklyn, onde ela frequentava a escola. Quando ela completou quatorze anos, sua mãe retornou de Nova York, casada de novo, pronta para readquirir sua filha. Excluída da classe média do Brooklyn por causa do seu casamento inter-racial com Miguel Rodriguez, um homem branco cubano, e de sua carreira como atriz, Edna mudou-se com Miguel e Lena para um bairro pobre no Bronx.

Com dezesseis anos, Lena largou os estudos para se juntar à uma casa noturna, o Cotton Club localizado no Harlem, Estados Unidos.

Ainda com o contrato do Cotton Club, ela apareceu na Broodway no espetáculo Dance with your Gods em 1934. No ano seguinte, o artista negro chamado Noble Sissle ofereceu a Lena um emprego de cantora com sua orquestra, toda negra. Aceitando a oferta de Sissle, ela largou o explorador Cotton Club. Enquanto performando como vocalista principal da orquestra de Noble Sissle em Pittsburgh, seu pai a apresentou para Louis Jordan Jones, que se tornou seu primeiro marido. Depois de se casar com Louis, em 1937, Lena deixou temporariamente os palcos pela vida doméstica; durante esse período ela teve dois filhos com Jones. Em dezembro de 1938, ela deu à luz à sua filha Gail e em fevereiro de 1940, ela deu à luz ao seu filho Edwin (Teddy). Depois do nascimento de Gail, Lena estrelou seu primeiro filme de um milhão de dólares com uma produção toda negra, The Duke is Tops (Ralph Cooper, 1938). No ano seguinte, ela atuou como principal na produção sem sucesso de Blackbirds of 1939 na Broadway.

Lena Horne em “The Duke is Tops”

Em 1940, Lena deixou seu marido e seus filhos em Pittsburgh enquanto procurava por emprego como vocalista em Nova York. Naquele ano, Lena retornou para o show business como cantora principal com Charlie Barnet e sua banda toda branca. Como a banda retornou para o Sul, a segregação fez com que Lena, como cantora negra numa banda branca, tivesse dificuldades tanto emocionalmente como logisticamente. Tendo segurança no emprego com Barnet, Lena retornou à Pittsburgh para buscar seus filhos que estavam com o pai. Estranhamente, Lena e Louis finalizaram seu divórcio em 1944. Enquanto cantando na banda de Barnet, foi contratada por Barney Josephson para cantar no Café Society Downtown. No integrado Café Society, Lena conheceu Walter White, secretário executivo do National Association for the Advancement of Colored People (NAACP); ela também desenvolveu amizades com o renomado cantor ativista Paul Robeson e com outros músicos politizados, negros e brancos. Sob o conselho de Walter White, Lena aceitou a oportunidade de cantar no Hollywood Nightclub, em 1942.

Naquele ano, Lena Horne assinou seu histórico contrato na Metro Goldwyn Mayer (MGM) e apareceu em seu primeiro filme Panama Hattie (Norman Z. Mcleod, 1942) como uma sem nome “panamasiense” cantando “The Sping” e “Just One of Those Things”.

Nos filmes Broadway Rhythm (Roy Del Ruth, 1944) e Ziegfeld Follies (Vincente Minnelli, 1946) Lena reapresentaria seu papel como uma “exótica, étnica” atriz de variedades. O ano de 1943 provou grandes feitos para Lena. As revistas Life, Newsweek e Time fizeram artigos a introduzindo para a primeira audiência branca, a levando para apresentações no Savoy-Plaza Hotel em Nova York e publicizando sua crescente carreira fílmica. Ainda em 1943, MGM e Twentieth Century Fox produziram dois musicais com elenco todo negro estrelando Lena Horne nos filmes Uma Cabana no Céu (Vincente Minnelli, 1943) e Tempestade de Ritmo (Andrew L. Stone, 1943), respectivamente.

Uma Cabana no Céu (Vincente Minnelli, 1943) e Tempestade de Ritmo (Andrew L. Stone, 1943)

Esses filmes fizeram de Lena a garota pin-up favorita dentre as meninas negras e ela viajou a América entretendo soldados nos campos de treinamento segregados durante a Segunda Guerra Mundial. Apesar de sua popularidade, Hollywood falhou ao não oferecer à Lena oportunidade para atuar em um papel dramático. Quando Lena aparecia em filmes com o elenco principal branco como Thousands Cheer (George Sidney, 1943), Two Girls and a Sailor (Richard Thorpe,1944), Words and Music (Norman Taurog,1948) e Duchess of Idaho (Robert Z. Leonard,1950), a MGM confiscava suas apresentações com sequências de cantoria extravagante, que seriam facilmente confiscadas pelos sulistas americanos, sem “estragar a cena”. A própria Lena relata no filme That’s Entertrainment III (Bud Friedgen,1994), sobre a cena em que ela canta enquanto toma banho de banheira que foi retirada do filme pois poderia causar escândalo uma mulher negra aparecer seminua em um filme.

Enquanto Hollywood professava certa tolerância racial, eles mesmos continuavam a praticar o racismo. Frustada com a institucionalização da discriminação feita por Hollywood, Lena deixa a MGM em 1950.

No final dos anos 40, como a carreira de Lena chegou ao final em Hollywood, ela se tornou extremamente politizada. Trabalhou ativamente com grupos políticos progressivos, incluindo o Council on African Affairs, o The Hollywood Independent Citizens’ Committee of Arts and Science, e o Progressive Citizens of America. Durante esse mesmo período, Lena escreveu uma coluna com sua opinião intitulada “From Me to You”, no jornal do militante negro, Adam Clayton Powell Jr., “The People’s Voice”. Em 1947, mesmo com o casamento inter-racial banido da Califórnia, Lena casou-se secretamente com o compositor judeu Lennie Hayton em Paris. Eles revelaram seu casamento ao público em 1950. Naquele mesmo ano, o grupo anticomunista chamado Red Channels listou Lena como uma simpatizante comunista; como resultado, ela entrou na lista negra de produtores de filmes, rádio e televisão. Ainda em 1950, Lena publicou sua autobiografia intitulada “In Person: Lena Horne” com Helen Arstein e Carlos Moss.

Mesmo estando na lista negra, Lena embarcou em uma carreira de sucesso em boates, tanto no seu país como fora dele. Ela também apareceu como convidada em vários programas de televisão, incluindo no programa Toast of the Town e Your Show of Shows, pelos anos 50. Em 1957, ela estreou na Broadway como “Savannah” no elenco predominante negro, na produtora Jamaica com o produtor David Merrick, empregando o primeiro ajudante de palco negro em um show da Broadway, incluindo Charlie Blackwell, o primeiro afro-americano empresário de palco. Durante esse período, Lena continuou a protestar pelo fim da diferença racial, escrevendo cartas anuais-apelos pessoais revelando o racismo sofrido e advogando pelas iniciativas de direitos civis da NAACP — como a pessoa responsável pela organização chamada Christmas Seals for Freedom Drive. Durante o final dos anos 50 e início dos 60, Lena também usou sua fama como ícone da beleza para lançar sua companhia de cosméticos, conhecida como Lena Horne Cosmetics Company.

Lena Horne Cosmetics Company

Nos anos 60, Lena deixou de se apresentar nas boates para participar dos movimentos de direitos civis, usando suas experiências como afro-americana, cantora, atriz, mãe e mulher para contar sua vida durante a época da segregação racial americana, nos protestos a favor dos direitos civis. Ela parou de cantar músicas populares de amor para boates chiques para o público branco, adotando um novo repertório de músicas para apresentar para o público integrado de ativistas em favor dos direitos civis. Ela marchou ao lado de seus companheiros ativistas na demonstração no Sul dos Estados Unidos e na passeata em Washington em março de 1963. Ela também atuou como palestrante em favor de um grupo chamado Delta Sigma Theta and the Nacional Council of Negro Women, contando sua história de vida para mulheres afro-americanas pelo Sul dos Estados Unidos. Em 1965, Lena publicou sua segunda autobiografia, Lena, co-escrita com o autor branco Richard Schickel.

Lena Horne em Death of Gunfighter (Don Siegel,1969)

Lena retornou às telas de cinema em 1969 como Claire Quintana, uma dona de um bordel, que se casou com um marechal branco Frank Patch, no filme Death of Gunfighter (Don Siegel,1969). Ainda que o filme não mencione raça e etnia, o sobrenome da personagem de Lena, “Quintana”, sugere que ela seja mexicana e não afro-americana. Mesmo possuindo um elenco integrado racialmente e usando o discurso da não importância da cor com a representação de um casamento misturado, Hollywood caracteriza Lena como uma exótica de novo, não falando e não examinando a questão do casamento inter-racial entre brancos e negros nas telas de cinema.

Em 1970 e em 1980, Lena apareceu como ela mesma em vários programas televisivos populares, atuando com elenco negro ou multirracial, incluindo The Flip Wilson Show (1970,1971,1974), Sanford and Son (1973), Sesame Street (1973,1976), The Muppet Show (1976) e The Cosby Show (1985). Em 1975, Lena revisitou Hollywood para interpretar “Glinda, A Boa”, na adaptação com elenco todo negro do musical O Mágico Inesquecível (The Wiz, Sidney Lumet, 1978) ao lado de Diana Ross, Michael Jackson e Richard Pryor.

Lena Horne em O Mágico Inesquecível (The Wiz, Sidney Lumet, 1978)

Na idade de 64 anos, Lena performou sua história de vida através das músicas com o álbum Lena Horne: The Lady and Her Music(1981–1984). Esse álbum foi um de maiores sucessos de sua carreira, ganhou aclamações da crítica, e ganhou os prêmios Tony, dois Grammys, Drama Desk Award, Drama Critic’s Citation, New York City Handel Medallion e o Dance Theatre of Harlem’s Emergence Award. Em 1990, Lena Horne continuou performando autobiograficamente, aparecendo no episódio de Bill Cosby “A different World” (1993), apareceu também no documentário retrospectivo da MGM That’s Entertrainment III (1994) e no programa de televisão American Master’s apresentando “Lena Horne: In Her Own Words”.

Procurei neste artigo mostrar de forma detalhada a vida de uma grande e importante figura dentro dos filmes musicais e da música, que infelizmente não é muito lembrada ou citada. Uma mulher cuja vida de lutas traz inspirações até a geração atual, mostrando que a luta pela igualdade racial não vêm de hoje, mas de muito tempo atrás e que se temos avanço nos dias atuai, foi graças à uma geração passada e não tão lembrada quanto deveria. Infelizmente, ainda hoje é preciso lutar e resistir contra o racismo e mudar as ideias impostas pela indústria cinematográfica. Quis lembrar aqui também que, se temos um espaço de visibilidade em crescimento no mercado, uma grande parte foi graças à essa e outras mulheres que lutaram e continuam incentivando as lutas atuais, tanto da mulher no mercado cinematográfico, quanto da mulher negra nele. Que a história de Lena Horne continue inspirando gerações, assim como me inspirou.

Referências bibliográficas:

WILLIAMS, Megan. “Chapter 1 — Lena’s Voice: Performing the Activism, Speaking Autobiographically”. In: Performing Lena: Race, Representation, and the Post War Autobiographical Performances of Lena Horne. Maio de 2012. 267 p. Dissertação — American Studies. University of Kansas.

--

--