Raízes queer na música pop e rock

Sarah Wandermurem Camanho
7 min readJul 12, 2018

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Resumo: O objetivo dessa dissertação é considerar as raízes históricas do rock e da música pop, com foco particular no elemento queer e sua influência, não ignorando as dificuldades de se estabelecer primórdios ou origens de elementos populares, mas buscando a presença de elementos característicos.

Muitos atribuem o começo do pop e rock à música afro-americana, estilos como gospel, rhythm e blues, enquanto outros se referem à tradição vaudeville. Acredito que também possa ser uma combinação de ambos, uma pegada afro-americana presente no fluxo musical e do caráter de performação, caracterização e apresentação advinda da variedade do vaudeville itinerante. Não se sabe ao certo, mas ambos apresentam certos elementos queer; os shows de Vaudeville incluíam travestis que faziam papel do sexo oposto no show, um exemplo clássico é do músico de jazz americano Billy Tipton, que viveu a vida como homem e, ao morrer, descobriu-se uma genitália feminina.

Billy Tipton

No gênero afro-americano vários cantores e cantoras eram abertamente gays ou lésbicas, talvez o caso mais famoso seja Ma Rainey, uma das maiores estrelas do blues da década de 1920, cujo o envolvimento sexual com diversas mulheres era publicamente conhecido e a letra de suas músicas um tanto quanto sugestiva como por exemplo em “Prove it on me”, em tradução livre:

“Saí noite passa com um grupo de amigas
Elas eram mulheres, porque eu não gosto de homem nenhum
É verdade eu usava colarinho e gravata”

Mas os aspectos queer não são apenas encontrados nos primórdios, o próprio rei do rock Elvis Presley possui um gingado afeminado em suas interpretações de música, como por exemplo em “Suspicious Minds Live in Las Vegas” pode-se perceber. Janis Joplin, outra estrela do rock, era abertamente bissexual e tinha poucos trejeitos femininos.
A idade mais conhecida do rock e da música pop, na medida em que a paródia de gênero é o glamrock - embora sinais de glam já possam ser encontrados com
Elvis Presley (por exemplo, seus ternos adornados com ouro e sua maquiagem)- Little Richard foi também um representante brilhante da música rock. Glamour sempre foi um quesito importante no rock e no show business, não teriam os penteados dos beatles contribuído para a feminização masculina? David Bowie em sua fase Ziggy Stardust, Ziggy sendo um personagem criado pelo próprio Bowie: um alienígena cheio de glitter com roupas coladas, que mais tarde viria a ser tornar um ícone LGBTQ.

David Bowie — Ziggy Stardust

O caso de Bowie é muito interessante porque ele nunca chegou a um consenso a respeito da sua sexualidade, em certas entrevistas ele falava que era gay, em outras que era bissexual, aí depois tava namorando mulheres, o que demonstra uma certa desimportância por parte do cantor aos rótulos; revolucionou o mundo queer por quebrar barreiras de gênero e estilo, visíveis em vários clipes dessa fase, como por exemplo “Rock ’N’ Roll Suicide” (Live, 1973) pelos trajes e trejeitos do cantor. Até o Guns N ‘Roses usava maquiagem feminina. Mesmo nos anos 90, o tempo de rock alternativo e grunge, Kurt Cobain, Evan Dando e Jane’s Addiction usavam roupas femininas. A fase do Britpop lembrava o glam de David Bowie período em canções de Suede, Blur e Placebo. Filmes como “Velvet Goldmine” (1998) por Todd Haynes ou “Hedwig and the Angry Inch” (2001) por John Cameron Mitchell também contribuíram para o renascimento do glamrock. Desse último filme vale ressaltar na música “Tear Me Down” Hedwig não só refere-se ao estado-nação dividido da Alemanha e do Muro de Berlim, mas também ao sistema de gênero binário, e ao seu relacionamento abusivo com o marido transgênero croata Yitzhak, a quem ela obriga a desistir de sua identidade em troca de casamento negando-lhe peruca e passaporte.

Hedwig and the angry Inch

Esse lado da personagem é criticada construção de Hedwig como trans, porque ela não tem um desejo genuíno de ser o sexo oposto antes de sua cirurgia fracassada. A transformação de Hansel para Hedwig não é uma escolha livre. Analisando a música de rock do filme “Hedwig and the Angry Inch” podemos ressaltar aspectos queer importantes.
Quando a Terra ainda era reta
E nuvens, feitas de fogo
E montanhas iam até o céu
Às vezes além
Povos vagavam a Terra como grandes barris rolantes
Eles tinham dois pares de braços
Eles tinham dois pares de pernas
Eles tinham dois rostos saindo
de uma cabeça gigante
Para que pudessem ver tudo envolta deles
Enquanto falavam; enquanto liam
E eles não sabiam nada de amor
Isso foi antes da origem do amor
A Origem do Amor

E haviam três sexos então,
Um que parecia com dois homens
Grudados pelas costas
Chamados de filhos do sol
E similar em forma e cinturão
Eram os filhos da Terra
Eles pareciam duas garotas enroladas em uma
E os filhos da lua
Eram como um garfo em uma colher
Eles eram parte Sol, parte Terra, parte filha, parte filho

A Origem do Amor

Quando os deuses ficaram um pouco assustados
Com nossa força e intimidação
E Thor disse “Eu vou matar todos com meu martelo
Como matei os gigantes”
Mas Zeus disse “Não
É melhor deixar-me usar meus raios como tesouras
Como cortei as pernas das baleias
E dinossauros em lagartos”
Então ele pegou alguns relâmpagos
E deixou escapar uma risada
Disse “Eu os dividirei bem ao meio
Vou cortá-los bem na metade”
E nuvens de tempestade se juntaram acima
Em grandes bolas de fogo.

E então fogo caiu do céu em raios
Como lâminas lustradas de uma faca
E rasgaram direto pela carne
Dos filhos do Sol e da Lua
e da Terra
E algum deus hindu costurou o ferimento
Em um buraco
Colocou-o em nossas barrigas
Para lembrar-nos do preço que pagamos
E Osiris e os deuses do Nilo
Fizeram uma grande tempestade
Para soprar um furação
Para nos separar
Uma enchente de vento e chuva
Um oceano de maremotos
Para nos levar para longe
E se não nos comportamos
Eles vão nos cortar de novo
Nós estaremos pulando sobre um pé
E olhando por um olho

A última vez em que lhe vi
Nós tínhamos acabado de nos separar
Você estava olhando para mim
Eu estava olhando para você
Você tinha um jeito tão familiar
Mas eu não pude reconhecer
Porque você tinha sangue em seu rosto
E eu tinha sangue nos meus olhos
Mas poderia jurar pela sua expressão
Que a dor em sua alma
Era a mesma que a da minha
Essa é a dor
Que corta uma linha pelo coração
Nós chamamos de amor
Então nos envolvemos nos braços um do outro
Tentando nos unir de volta
Nós estávamos fazendo amor
Fazendo amor
Foi uma fria e sombria noite há muito tempo atrás
Quando pela força da mão de Jupiter [Zeus]
Foi uma triste história de como viramos
Solitárias criaturas bípedes
É a história
A Origem do Amor
Essa é a origem do amor”
Essa música é baseada numa história do Simpósio de Platão onde Aristófanes tenta explicar aos deuses a existência de três sexos (masculino, feminino e andrógeno) e que de acordo com a metade que eles advém se dá por que gênero irão se apaixonar.

PWR BTTR

Um musical movimento da cultura popular une essas versões queer com uma agenda feminista -o Riot Grrrls ou as bandas femininas queer-punk. O queer-punk foi o refúgio para gays, lésbicas, bissexuais e transexuais que sofriam preconceito não só pela sociedade heterossexual e machista, mas pela própria comunidade LGBT, que os menosprezava por ter gostos peculiares. Era esperado que gays gostassem de música disco e dançante, característica da época. Entretanto, o movimento punk tradicional não os recebeu de braços abertos: apanhavam em shows e até mesmo, eram expulsos. A necessidade de criar uma revolução para chamar de sua veio daí, haviam ainda as garotas da Riot Grrrl, que também se identificavam com movimento e eram excluídas por serem mulheres feministas. Influenciadas pela coragem dos militantes queercore, elas iniciaram seu próprio caminho. A relação entre o queer-punk e as Riot Grrrl foi de extremo apoio e gerou diversas parcerias músicas e amizades que existem até os dias de hoje e influenciaram uma geração.

Bikini Kill

A músicas tal qual os clipes musicais e filmes musicais ajudam a expressar sentimentos e questões pessoais. Ao longo dos anos os LGBTQ foram muito oprimidos por uma sociedade machista e homofóbica, encontrando na música uma maneira de serem quem são, ainda que, inicialmente, de maneira mais discreta, ao longo do tempo foram reivindicando seu lugar de direito.

Bibliografia:
HUBB, Nadine.”The queer composition of America’s sound” 1a edição 2004.
TAYLOR, Jodie. “As temporalidades estranhas e o significado da participação da ‘cena musical’ nas identidades sociais dos queers de meia-idade” 1a edição 2010.
ROSENDAHL, Todd J. “Music and Queer Culture: Negotiating Marginality Through Musical Discourse at Pride Toronto” 1a edição 2012.
CHAMPAGNE, Mario J.S.G. “Queering the pitch: The new gay and lesbian musicology” 1a edição 1994.
JILL, John“Queer Noises: Male and Female Homosexuality in Twentieth-Century Music” 1a edição 1995.
SPITZ, Marc “Bowie — a biografia” 1a edição 2010.

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