“West Side Story”: o uso do balé e a queerificação das masculinidades

Resumo: O artigo discute o uso do balé em West Side Story (Robert Wise e Jerome Robbins, 1961), e de que formas esse uso específico da dança funciona como desvio das performances de masculinidade compulsórias, inserindo uma estranheza ou promovendo certa queerificação dos personagens masculinos do filme.

O balé em West Side Story

Em West Side Story (1961) acompanhamos a história de amor de Tony (Richard Beymer)e Maria (Natalie Wood), e suas complicações por pertencerem a grupos sociais e étnico-raciais diferentes, ainda que ambos marginalizados. Maria é porto-riquenha recém-chegada aos Estados Unidos para ficar junto do irmão Bernardo (George Chakiris), líder da gangue Sharks, composta somente por porto-riquenhos. Tony é polaco, e fazia parte dos Jets, gangue rival dos Sharks, junto com seu amigo Riff (Russ Tamblyn). O filme foi dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, sendo esse segundo o responsável pela coreografia do filme.

Nesse artigo vou analisar os números musicais Prologue, Jets Song, The Rumble e Cool — dois deles apresentando o conflito direto entre as duas gangues do filme, e dois deles acontecendo em momentos de união dos Jets, aprofundando principalmente no uso do balé na coreografia, sendo utilizado para representar a masculinidade dos personagens, quebrando a ideia de virilidade extrema à qual primeiramente são relacionadas as gangues, trabalhando com o artigo Notes on “Camp”, de Susan Sontag (1964) e Williams no texto “What ever happened to West Side Story? Gene Kelly, jazz dance, and not so real men in Jacques Demy’s The Young Girls of Rochefort”, de Svea Becker e Bruce Williams.

Em Prologue, cena de abertura do filme, logo após situar o espectador em relação a onde o filme se passa, com várias imagens aéreas de Nova York, somos apresentados aos Jets, que estão em seu território demarcado, e podemos ver o constante conflito entre eles e os Sharks. Nenhum dos dois números escolhidos tem música cantada, mas fazem o uso do mickey-mousing associado à coreografia, ou seja, sincronizando partes da música com o movimento dos atores.

“Prologue”

Nesse número são apresentados todos os membros das duas gangues, deixando claro que quem lidera os Jets é Riff. Em termos de narrativa, mesmo sem falarem nada, conseguimos entender que West Side é marcada pela rivalidade entre as duas gangues que lutam por seu espaço no bairro, além de sermos apresentados à diferença de etnia (apesar da seleção de elenco quase todo branco para um filme que retrata porto-riquenhos).

Aqui os passos de balé são mais demarcados, visto que a cena acontece em um dia comum para os personagens, com um nível de tensão já habitual entre os dois grupos, representados pela leveza dos passos, utilizando uma música orquestral que reforça essas impressões.

Em “Notas sobre o Camp” (1964), Susan Sontag destaca que, além de o Camp (termo que pode ser traduzido como “afetação”) ser uma arte que privilegia o estético ao invés da significação,

“A música de concerto, entretanto, por não ter conteúdo, raramente é Camp. Ela não oferece a oportunidade, digamos, de um contraste entre um conteúdo tolo ou extravagante e uma forma rica… às vezes, formas artísticas como um todo se tornam saturadas de Camp. O balé clássico, a ópera, o cinema durante muito tempo pareceram Camp.” (p. 3)

West Side Story então — e principalmente nesse número — é um bom exemplo de como encaixar o conceito com a música orquestral e torná-la Camp, juntando com o balé e contando em pouco mais de 8 minutos um pouco de como se dá as relações entre os personagens, como cada um deles reage diante dos rivais, e as diferenças na vestimenta dos dois grupos, que estão ali brigando pelo espaço.

No número Jet Song, depois de apresentado o conflito principal do filme entre Jets e Sharks, Riff tenta defender Tony, que ainda não apareceu na trama, para os Jets, que se sentem abandonados por ele. É novamente um número que usa o balé para mesclar o sentimento de coletivo da gangue, que se veem como uma grande família, com a representação da masculinidade.

Jet Song

Os passos então são mesclados com piruetas, encaixados em uma coreografia que junta todos os corpos no menor espaço possível: o número acontece em uma locação aberta, mas todos dançam bem perto um do outro, trazendo uma queerificação desse coletivo.

O uso de outro estilo de dança mudaria completamente o significado por trás dos movimentos dos personagens. Como bem colocam Svea Becker e Bruce Williams no texto What ever happened to West Side Story? Gene Kelly, jazz dance, and not so real men in Jacques Demy’s The Young Girls of Rochefort (2008), em tradução literal, “o uso de foco ascendente e abertura da configuração especial de cada corpo parecem simbolizar as esperanças e sonhos que os Sharks têm por estar na América” (p. 315)

“Prologue”

Em The Rumble, assim como no Prologue, não há música cantada, apenas a faixa instrumental. Quando Bernardo e Riff combinaram de lutar — Riff roubou na aposta e decidiu que Bernardo iria lutar não com ele, mas sim com Ice (Tucker Smith), o mais alto e mais forte dos Jets — , combinaram também de ser uma luta “limpa”, ou seja, sem armas brancas ou armas de fogo, mas ambas as gangues resolvem levar armas para a luta por “precaução”.

Assim que combinam suas estratégias de luta, as duas gangues vão ao local combinado, mas quando a luta está para começar, Tony invade o lugar e tenta convencer Ice a não lutar. Bernardo começa a caçoar de Tony, e Riff dá um soco em Bernardo, e ambos tiram uma faca do bolso, quebrando a promessa que tinham feito de uma luta limpa.

“The Rumble”

A luta é coreografada assim como no primeiro número, também com passos de balé e fazendo uso de mickey-mousing, porém o corpo é posicionado de forma diferente, e não mais fazem passos que trazem uma sensação de leveza. A luta aqui tem muito mais contato físico entre os membros da mesma gangue e entre as gangues em si, além da música ser muito mais sombria.

No final da luta, Bernardo mata Riff com sua faca, e Tony mata Bernardo logo em seguida. Chino (Jose De Vega) promete se livrar de Tony pela morte de Bernardo, e todos se dispersam quando a polícia chega.

Embora o momento narrativo seja de tristeza, tanto a música quanto a coreografia passam um clima muito mais de tensão, e talvez seja aqui o momento mais “viril” do filme, por conseguir tirar a leveza presente no balé e retratar uma certa “sujeira moral”, quando mostram vários jovens pobres que se sentiam quase que na obrigação de marcar território matando rivais por questões territoriais, e ainda quebrando um combinado de não levar a luta para esse rumo.

No último número que vou analisar, Cool, depois de fugirem separados após a briga, os Jets se reúnem em um galpão. Ice assume a liderança da gangue e combina o álibi que eles vão usar quando perguntados sobre a morte de Riff e Bernardo. Todos estão extremamente estressados com a situação pela qual acabaram de passar, e aos poucos Ice vai tentando acalmá-los, ao ponto que, um a um, vão conseguindo se expressar através da dança.

O balé aqui é bem mais presente que no número anterior, e traz consigo um pouco dos passos presentes em Prologue, a maioria deles trazendo uma ideia de leveza, mas a expressão corporal dos personagens é diferente, de total angústia. Na tela esses dois sentimentos coexistem para expressar a dualidade com a qual eles estão tendo que lidar, visto que eles não podem passar pelo período de luto tradicional, para evitarem serem presos.

“Cool”

Ao longo do filme o balé vai sendo utilizado de várias maneiras, aliado sempre à uma grande preparação corporal, conseguindo passar através do mesmo estilo de dança sentimentos completamente diferentes, levando também a uma discussão sobre a definição de virilidade e masculinidade, assuntos ainda tabus na sociedade.

Referências bibliográficas

BECKER, Svea; WILLIAMS, Bruce. “What ever happened to West Side Story? Gene Kelly, jazz dance, and not so real men in Jacques Demy’s The Young Girls of Rochefort”, New Review of Film and Television Studies, v. 6, n. 3, 2008, pp. 303–321.

SONTAG, Susan. Notes on Camp (1964)

SONTAG, Susan. Notas sobre Camp (1964) (tradução)

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