Espiral psicológica

Nayarha Haadhja
Muvuca
Published in
3 min readMay 24, 2021

A sociedade é considerada um homocêntrico contexto, no qual todos estão inclusos afim de cooperar para aprimorá-la nos mais diversos cenários. Na teoria, um locutor hipócrita junto de um público ganancioso compõem a mais perfeita fórmula para o surgimento de aplausos em relação à “sociedade”. Porém, aparências enganam facilmente mentes limitadas, visto que a alusão à existência de um mundo unido em prol de um bem maior é vazia e incoerentes à realidade dos excluídos pelo senso comum.

Levando isso em consideração, as diferenças são a verdadeira razão pela qual nos qualificamos como únicos e imperfeitos. Entretanto, algumas tendem a impor limitações psicológicas na vida de determinadas pessoas. Sejam quais forem essas, uma maioria populacional “descredibilizará’ todas e quaisquer cicatrizes invisíveis do olhar.

Fonte: a autora.

Visto isso, o livro “Tartarugas até lá embaixo”, de autoria de John Green, trata-se de um romance inspirado no desaforo e na apreensão psicológica sofrida pelo autor em relação ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), condição apresentada pela protagonista. Na história, Aza é uma adolescente de 16 anos cuja tranquilidade é constantemente ameaçada pela aparição de uma espiral, a qual objetiva incansavelmente dominar seu consciente sobre um mar de pensamentos controladores.

Apesar da centralização conclusiva do início ao fim em relação ao foco narrativo, outras situações problema são desenvolvidas de forma a transportar o leitor ao lugar da narradora, Aza. Os confeitos pessoais divididos com a melhor amiga acompanhados do suposto desaparecimento de um bilionário, fazem de seu relacionamento amoroso tanto com o namorado quanto com a mãe um desastre desafiador. Todavia, a questão central se mantém: o contínuo detrimento da saúde mental da personagem.

Com base nisso, diferentemente do clássico conceito amoroso explorado por John Green em outras de suas obras, este livro em especial é uma quebra de expectativa. Da abertura da primeira página ao fechamento da última, Green explora com clareza e detalhamento a situação de Aza, a qual avança no sentimento de descrença a respeito de seu tratamento médico ao incontrolável abuso do uso de um spray higiênico, o qual acredita ser o responsável por livrá-la de variadas infecções por bactérias.

Toda a preocupação e o nível de pressão psicológica sustentados pela protagonista em meio ao afunilamento de uma espiral, convencem qualquer leitor com disposição a ajudá-la. Contudo, o nível de complexidade acerca da realidade transmutal enfrentada por Aza é inalcançável para o nível de entendimento de alguém que não seja portador do TOC, resultando em um sentimento de compreensão acerca da situação retratada no livro.

Apesar disso, o nível de desenvolvimento da realidade vivida por Aza faz de “Tartarugas até lá embaixo” um relato pessoal da protagonista em relação ao constante sentimento de tensão em meio a um afunilamento cujo fim é tal como imprescindível. Essa, junto de outras afirmações, acompanharão variados leitores no processo de abandono da própria “bolha costumeira”, a qual restringe nosso olhar a apenas uma realidade cuja veracidade se torna duvidosa.

Em virtude de tudo isso, a obra literária “Tartarugas até lá embaixo” demonstra o quão significativo determinado incômodo, em relação à realidade, pode ser sobre o psicológico de um indivíduo, o qual tem seus medos e incertezas aprisionados em uma densa corrente de pensamentos, sendo essa o princípio inicial para a deterioração tanto física, quando mental, da saúde como um todo. Afinal, cicatrizes invisíveis sob um olhar pressionador não são sinônimo de um idealizado equilíbrio corporal.

--

--

Nayarha Haadhja
Muvuca
Writer for

"Um dos desafios da dor (…) é que só podemos nos aproximar dela através de metáforas (…) De certo modo a dor é o oposto da linguagem.” (John Green)