Os movimentos modernistas e a web

Conheça alguns movimentos do passado que podem estar nos influenciando

Daniele Cavalcante
Pensando o Design

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Já falei anteriormente sobre possível a influência do modernismo nos rumos que a web está tomando. Vamos falar agora sobre os movimentos estéticos que impulsionaram o modernismo. Tentarei mostrar a relação e influencia deles em relação à web de hoje.

Este artigo foi publicado originalmente no blog da Kolaborativa.

Abstracionismo

A arte da abstração prega a rejeição à arte classica, à representatividade, ou seja, se recusa a representar formas naturais. Pintar animais, plantas e pessoas? Jamais! A arte abstrata busca dar forma ao que não é visivel através de linhas, ângulos e cores.

A princípio, o termo era usado para descrever o cubismo, que abstraía as formas da natureza para representá-la através de figuras geométricas. Mais tarde, os artistas atingiram a abstração absoluta através de movimentos como o Neoplasticismo e o Suprematismo. Tudo isso implica na rejeição dos ornamentos, das aparências rústicas, das texturas que imitam a natureza, técnicas de luz e sombra, perspectiva… e, diga-se, qualquer noção de skeumorfismo está longe destes conceitos.

Ao contrário do que se imagina popularmente, o abstrato não é algo aleatório que se despeja relapsamente sobre uma tela ou papel. A abstração é um processo científico/psicológico/filosófico, e a origem etmológica da palavra é separar. Podemos abstrair seu significado com o conceito ontológico: abstração é separar mentalmente o que, na realidade, não está separado. Filósofos consideram que o pensamento humano é essencialmente abstrato.

Hoje, a abstração é um conceito difundido não apenas nas artes visuais, mas também na ciência da computação. A abstração está em toda parte enquanto você navega pela Internet. Quando você entende o conceito, você a percebe, onipresente.

A arte abstrata se divide entre o abstracionismo lírico (instinto) e o abstracionismo geométrico (racional). Nosso foco será na segunda categoria.

Cubismo

Mulher de Pijama Sentada numa Poltrona — Pablo Picasso

O cubismo é a arte de abstrair formas naturais e representá-las com figuras geométricas ignorando a profundidade e perspectiva, ou seja, representava os objetos em um mundo bidimensional; flat. Porém, ao contrário do que conhecemos hoje como flat, não ignora as formas tridimensionais, mas abre-se os objetos. Pense em uma caixa aberta e esticada sobre uma superfície plana. É o que se faz com os objetos no cubismo.

Talvez tenha sido o pai dos movimentos a seguir.

Suprematismo

Obra de Kasimir Malevich

Movimento de vanguarda russa, representado quase exclusivamente pelo seu criador, Kazimir Malevich, o Suprematismo visava a manifestação pura do sentimento através das formas abstratas, mais precisamente quadrados e círculos. Defendia o fim da imitação do objeto e da natureza e a liberdade das finalidades práticas da arte. De certa forma, rompe com o cubismo na ideia de representar figuras naturais e defende o puro visual plástico.

Havia uma influência mística que defendia a existência de uma dimensão invisível aos olhos. Essa ideia tinha como base os escritos do filósofo, psicólogo e místico Piotr Demianovitch Ouspensky sobre uma quarta dimensão. O Suprematismo alegava representar esta realidade.

Essa ideia de uma dimensão superior e alcançada apenas através da arte abstrata e plástica, é importante para a análise que estamos fazendo sobre a influencia (ou coincidente semelhança) desses movimentos na web. Por isso sempre vou reforçar esse aspecto.

Neoplasticismo

Composition II in Red, Blue, and Yellow — Piet Mondrian

O Neoplasticismo era considerado por seus adeptos a mais pura das artes abstratas, fundamentado em um misticismo teosófico que procurava a reconciliação entre ciência e religião.

Esteticamente, se baseava em linhas e ângulos retos (nada de curvas e diagonais) e cores primárias – azul, vermelho e amarelo – bem saturadas, além do branco e preto. Esses elementos visavam o distanciamento radical da representação figurativa. Formas e cores artificiais, plásticas, inexistentes na natureza.

Havia um racionalismo místico, com a premissa de que há uma essência harmônica universal, um tipo de conceito de divindade semelhante a uma suposição filosófica apresentada no livro Existe Design?

Apenas através da arte não figurativa, abstrata, fruto do pensamento, da intuição e do raciocínio quase matemático, seria possível uma forma que pudesse comunicar universalmente os pensamentos e sentimentos humanos. Ou seja, aquilo que desejo expressar é algo abstrato, não podendo ser transmitido através da reprodução de formas, objetos e paisagens do mundo real. Novamente destaco essa “missão” da arte moderna de expressar uma outra realidade, uma outra dimensão invisível aos olhos e inatingível pela arte representativa.

O movimento acreditava que “no futuro, a materialização concreta dos valores pictóricos suplantará a arte. Então, já não precisaremos de quadros, pois viveremos no meio da arte realizada.” Alguma semelhança com o design da web (e não apenas da web) hoje?

Construtivismo

Construtivismo de Aleksandr Rodchenko

Influenciado pelo Cubismo e Suprematismo, o Construtivismo Russo tinha um caráter revolucionário de recriar a realidade atravez da organização de espaço, do funcionalismo e racionalismo. Para esse movimento de vanguarda, a arte possibilitava algo muito além da representação de uma realidade decadente. Fazendo coro aos movimentos citados anteriormente, postulava que a arte teria o poder de criar novos mundos, utópicos e socialmente horizontais. Soluções para os problemas do mundo através da abstração de uma espécie de “mundo das ideias” de Platão.

Podemos encarar o Construtivismo como uma apropriação dos princípios do Suprematismo, inserindo-os nos ideias socialistas. A arte seria radicalmente democratizada, desempenhando um papel político e social, aproveitando-se da tecnologia. Deixaria de ser um mero ornamento para exercer uma função prática organizacional e justa, sendo contruída ao invés de composta. Vemos nesses conceitos muitas semelhanças à sua contemporânea Bauhaus, trazendo a arte para a construção do objeto, do produto. Havia também a preferencia pela atividade coletiva, rejeitando o individualismo.

A influência e imitação intencional do Contrutivismo hoje no design e publicidade é inegável, mas não toda a sua filosofia, sendo a estética geomética e flat o principal atrativo.

Conclusão (por enquanto)

É evidente nos movimentos artísticos modernistas o funcionalismo, utilitarismo, e a busca por novos conceitos impossíveis de serem representados através da arte que imita a natureza. Também o caráter revolucionário e a preocupação em trazer soluções para problemas sociais. Todos estes conceitos estão muito presentes e persistentes na web de hoje (já que o design em outras áreas tem se distanciado desse passado) cada vez mais voltadas para o funcionalismo puro e em busca de uma estética própria, unificada, universal.

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Daniele Cavalcante
Pensando o Design

Redatora de ciência e tecnologia no Canaltech, redatora freelancer e ghostwriter.