Vale a pena falar sobre?

Beatriz Baron
Não é nada
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7 min readNov 7, 2016
Foto: Bruna Peretto

“Eu perdoei o que ele fez, pois foi uma escolha dele. Ele tinha problema de ansiedade, fazia tratamento, mas ele não conseguiu lutar contra isso”, diz.

Esse é o relato de uma mãe que perdeu o filho há três anos. Aos 25 anos, o filho disse aos familiares que havia recebido alta do tratamento para ansiedade. Mas ninguém imaginou o que poderia acontecer. O choque de perder um familiar para o suicídio é inimaginável. O tema afeta diretamente a família que, já abalada com a situação, ainda precisa enfrentar o tabu e o preconceito da sociedade.

Mas não foi o que essa mãe fez. Ela encarou de frente a dor pela perda do filho e além disso também luta para combater o preconceito e ajudar as pessoas que lutam diariamente contra as doenças mentais.

“Eu fiz uma proposta para mim de ajudar com que nenhuma mãe passasse pela dor que passei”, diz a aposentada, Terezinha Magnabosco.

Vários profissionais voluntários participam do grupo de apoio com palestras. Pessoas que sofrem com doenças mentais, assim como os familiares, podem participar.

“Procuramos ser o ombro amigo para incentivar as pessoas a falarem. Um breve relato do que vivenciamos já ajuda a pessoa a pensar que não é apenas ela que passa por aquilo”, comenta.

No grupo, o suicídio é abordado de forma constante e abertamente. Ainda existe o mito de que se falar sobre o suicídio é incentivo para outras pessoas, e por conta desse tabu, o fato é pouco noticiado nas mídias. No entanto, o Setembro Amarelo, há dois anos promovido no Brasil, veio para mostrar que na verdade falar sobre o suicídio ajuda a impedir que outras pessoas cometam o ato. “Quanto mais falarmos sobre o assunto é melhor, é um alerta”, explica.

Pelo fato de falarem sobre o assunto no grupo, até mesmo relatos de coragem saíram.

Para quem quiser participar do grupo em Toledo, o endereço é Associação dos Ostomizados, na Vila Pioneira. Os encontros são feitos todas as terças-feiras, às 20 h.

AJUDA

O tabu e o preconceito são coisas que devem ser enfrentadas, principalmente pela família e amigos ao perceber sintomas que podem sinalizar uma doença mental.

“É difícil a pessoa perceber isso sozinha. A ajuda dos familiares nesse sentido é muito importante e é muito difícil de aceitar isso por ser um tabu”, diz a psicóloga Mayara Weber dos Santos.

De acordo com ela, todas as doenças se não tratadas podem levar o suicídio.

“É muito relativo, pois depende do tratamento, terapia, como a pessoa reage perante a isso, histórico familiar, pessoal, entre outros. Às vezes, em tratamento, a pessoa pode cometer o suicídio, pois depende da condição em que ela se apresenta naquele momento”, explica.

Na hora do desespero, o Centro de Valorização da Vida mantém o telefone 141 para ligação 24 horas por dia.

“Esse tipo de coisa pode ajudar muito, pois o suicídio é como se fosse um desespero, quando a pessoa não sabe mais o que fazer e todo tipo de apoio naquele momento é bem vindo”, explica.

Já para aqueles que apresentam sinais, a rede social Facebook também conta com uma ferramenta para que outras pessoas possam denunciar o comportamento suicida de alguém e então uma mensagem de apoio aparece na tela da pessoa para que ela procure ajuda dos amigos ou então de um profissional.

BIPOLARIDADE

Dentre todas as doenças mentais, a bipolaridade é a que apresenta uma possibilidade maior de que a pessoa cometa um ato suicida. A doença é genética, de acordo com o psiquiatra Ronan D’Ávila.

“É uma doença severa e que traz várias consequências se não tratadas. Ela gera várias complicações e ao longo do tempo é mais difícil ser tratada também”, explica.

Por ter como um dos sintomas principais a aceleração do pensamento e o excesso de energia, o risco de ideias suicidas é maior para estas pessoas.

O apoio da família em todos os casos é de extrema importância e para isso é necessário que estejam informados sobre as doenças. No caso do bipolar, a mudança de fase é um dos sinais a que a família deve ficar atenta.

“As mudanças de fase indicam se a pessoa está com irritabilidade, eufórica, depressiva. Pode apresentar também redução da necessidade de sono, pensamento acelerado e o aumento da impulsividade”, comenta.

Na maioria dos casos, independente da doença mental, o suicida apresenta sinais.

“Algumas pessoas se desapegam de algumas questões do cotidiano, se desfazem de coisas materiais, têm desesperança, falta de perspectiva de melhora, comportamentos autodestrutivos, entre outros”, diz. “Há dois tipos de suicídio, o planejador, em que a pessoa dá sinais desse plano, e o impulsivo, no qual ela comete o ato no calor das emoções e por conta disso é mais difícil evitar”, explica.

Falar sobre suicídio é uma das maneiras de evitar o ato. O tabu de falar sobre isso caiu por água abaixo, principalmente nesses últimos anos, com a campanha Setembro Amarelo.

“É importante que a pessoa que se depare com uma pessoa suicida a oriente a buscar ajuda. Não ser duro ou crítico com o comportamento suicida, é preciso ser compreensivo com a situação. O suicídio é um problema de saúde, saúde pública e precisa ser encarado como tal”, ressalta.

TRÊS TIPOS

Há três tipos de suicídio: altruísta, anômico e egoísta, como explica o sociólogo Ademir Vitto. De acordo com ele, o mais comum na nossa região é o anômico, quando a pessoa deixa de cuidar do outro para viver a individualidade, e, portanto, pela falta do cuidado com o próximo, ela se sente sozinha e então se suicida.

PESQUISA

A Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná) de Toledo realizou uma pesquisa sobre o suicídio com dados entre 1954 a 2002, para mostrar as diferenças dos contextos sociais. De 1954 a 1979, a maioria dos suicidas eram agricultores; já de 1980 a 1993, os índices se igualaram para agricultores e operários; até que, de 1994 a 2002, os operários passaram a ter o índice mais elevado. De acordo com a pesquisa, essas mudanças aconteceram devido ao êxodo rural e também a criação de indústrias, como a Sadia, que fizeram com que a população migrasse do campo para a cidade. Ainda de acordo com a pesquisa, em 1960, eram apenas 5 mil habitantes na área urbana, enquanto 19 mil moravam na zona rural. Já em 2002, esse número passou para 85 mil na área urbana e 12 mil na rural, o que desmotivou muitos agricultores com a modernidade. Outro fato apontado na pesquisa foi que o maior índice de suicídios de agricultores foi nos meses de março e abril, meses em que termina a colheita da soja, comprovando assim que o fator econômico pode estar diretamente ligado com o suicídio.

AGROTÓXICO

Conciliada ao alto índice de agricultores que cometeram suicídios, há uma pesquisa sendo realizada pelo curso de Enfermagem da Unioeste que estuda o uso de agrotóxico também como um fator que influencia o suicídio.

“O índice de tentativas e suicídios em pessoas deste perfil é alto, e pela nossa região ter o perfil de uma grande utilização de agrotóxico, acreditamos que pode ter vínculos”, diz a psicóloga da 10ª Regional de Saúde, Aline Barancelli.

O estudo começou a ser realizado em 2016, e deve ser concluído em 2017. Serão aplicados questionários nos municípios de Anahy e Vera Cruz do Oeste, cidades em que mais se utiliza o agrotóxico, para que então sejam levantados dados que indicam essa influência do agrotóxico.

NÚMEROS

Em Cascavel, de 2012 até setembro de 2016, foram registrados 92 suicídios. Na 10ª Regional de Saúde, que abrange 25 municípios da região Oeste do Paraná, incluindo Cascavel, foram registrados 176 suicídios.

Fonte: 10ª Regional de Saúde

De acordo com os dados da Regional de Saúde, o maior índice é entre homens com idades entre 25 a 45 anos. Das 176 mortes, apenas 25 suicídios foram cometidos por mulheres.

Fonte: 10ª Regional de Saúde

SUS

Em Cascavel, há três centros de especialidades que atendem pessoas com doenças mentais, além das unidades básicas de saúde. De acordo com a psicóloga da 10ª Regional de Saúde, o primeiro acesso do doente mental é pela Unidade Básica de Saúde.

“Nesse local, há equipes multidisciplinares, que atendem conforme a Unidade de Saúde da Família com visitas domiciliares. Nesse primeiro acesso, a equipe verifica se conseguem medicar e manejar na UBS ou, então, são encaminhados para psiquiatras, nos centros de especialidade”, diz.

Os centros de especialidade são o CRE, o CAPS III e o CASMI, que atendem 25 municípios da região Oeste do Paraná.

“Estes atendem os casos mais graves, como é o caso do CASMI, que atendem pessoas que já tentaram o suicídio. Mas são apenas três clínicas e não é suficiente para atender a demanda. Temos uma grande lista de espera”, ressalta.

Com falta de atendimento, a situação agrava as crises, que geralmente são tratadas nas UPAs.

“Isso se agrava porque a pessoa não tem o acompanhamento específico mais direto. Na UPA, o paciente vai ficar internado até que se estabeleça a crise, e então ele sai e é encaminhado para atendimento nos centros de especialidade. Se a crise não for estabelecida, é acionada então a Central de Leitos para que o paciente seja encaminhado para uma clínica psiquiátrica”, informa.

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