O amanhã se foi (E se eu partisse hoje?)

Mayra Gomes
Não é poesia
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3 min readSep 20, 2020

Sem aviso, sem tempo para se preparar, sem uma última olhadinha na lista de desejos.
Será que o flashback desta vida me deixaria orgulhosa de chamá-la de minha?
Eu iria querer levantar minha mão e reivindicá-la?
Ou seria um desfile de “eu poderia”s e “e se”s?

Meu palpite? O arrependimento seria esmagador.
Tanto que eu iria preferir partir, de uma vez por todas, sem olhar para trás.
A tristeza seria tanta que as dores em meu corpo pareceriam uma brisa.
A dor do passado tomaria conta da minha alma e eu não seria capaz de desviar o olhar. Desta vez, eu teria que enfrentá-la.

Durante toda a minha vida, o medo do fracasso me deixou presa no bom — nunca ótimo.
O medo da rejeição e a necessidade de validação me fizeram não terminar nada, nunca.

Esboços grosseiros sem peças acabadas.
Primeiros rascunhos sem revisões finais.
Começos sem fins.
Dizendo para mim mesma que eu voltaria a isso mais tarde,
Mas sabendo no fundo que eu nunca voltaria.
Ser produtiva sem produzir absolutamente nada.

Agora, todas as minhas chances de finalizar peças finais acabaram com o amanhã.
Pelo menos, não vou passar o amanhã pensando e repensando em tudo que eu poderia fazer, mas nunca faria.
Amanhã não vou me preocupar se essa criatividade foi desperdiçada em mim e como eu decepcionei as musas e os deuses.
O amanhã não vai me assombrar para ser mais produtiva, mais ativa, mais viva.
Amanhã não sentirei que estou perdendo mais meu tempo.
O amanhã se foi e o tempo também, que alívio.

Finalmente, férias longe dessa voz na minha mente.
A voz que continua me dizendo que nada do que eu faço é bom o suficiente ou suficiente.
Você deveria ter começado antes. Você deveria ter tentado mais.
Você deveria ser melhor.
Se você não tivesse desistido. Mas você desistiu.
Você abandona tudo o que começa assim que as coisas ficam um pouco difíceis.
Seus talentos naturais só podem levar você até certo ponto, minha querida.

Este é meu rascunho final, meu único rascunho final.
Ele vai flutuando, perdido ao mar, neste oceano de pesar e escrutínio.
O lado bom das coisas me sustentam. Eles sempre fizeram.
Amanhã, aquela voz não terá mais nada a dizer.
No entanto, esperando pelo amanhã, penso em todas as coisas que poderia ter feito.
O que não consegui perceber todos esses anos é que, igual a ontem, o amanhã não existe.

Todos os meus medos que lutei tanto para evitar se tornaram realidade.
Eu falhei por não tentar. Meu próprio julgamento me rejeitou.
Eu perdi todo o meu tempo temendo perder tempo.
Eu poderia continuar essa lista por dias e dias, mas não tenho dias para continuar.
Eu não tenho nenhum sobrando.

Com o tempo que me resta, me pergunto — serei lembrada?
Uma esposa, filha e amiga querida — espero. O quê mais?
O que eu deixei para trás? Eu fui relevante fora dessas linhas?
Se eu tivesse tido um pouco mais de tempo.

©Mayra Gomes. Todos os direitos reservados.

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