Malu Falcão fala sobre o seu papel político como drag queen curitibana

6 meses de existência e anos de reflexão.

Lucas Panek
Não faz a frígida
5 min readFeb 24, 2016

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“Estava indo ao Soviet e o taxista perguntou se poderia nos deixar na esquina. Meu amigo teve medo, eu achei que era necessário passar por aquilo e fui, linda, morena, desfilando pela avenida do Batel e ligando o ‘foda-se’ para os assédios”, conta Malu sobre sua primeira saída. Se você ainda não conhece Malu Falcão, saiba que está perdendo muito. A queen tem uma visão singular sobre o papel das drags na sociedade brasileira. Conheça a sua história, entenda sua opinião e fique por dentro dos planos de Malu:

Drag name: Malu Falcão

Boy name: Eric Pedroso

Idade: 21 anos

Tempo de palco: 6 meses

Lugar favorito: WNK Bar

Personalidade: por ser uma personagem nova, está ainda em construção. É uma garota nova, mas experiente (pelo menos na casa dela), muito amorosa e até meio recatada.

Bordão: Maluca.

NFF: Como surgiu a Malu, desde a decisão de se montar, até a escolha do nome e sua construção?

Então, a Malu está em fase de construção. Eu sempre quis me montar junto com meu amigo, o Aleff, que é um amigo de infância. Fazíamos coreografias, o Aleff faz moda, e eu gostava muito de dançar as coreos das cantoras POP. Durante o ensino médio, eu criei um fanatismo pela Madonna, como artista, e pela Vani, dos Normais, como personalidade.

A Malu veio, então, desse quase alter ego meu, que está se consolidando a cada vez que eu me monto. O nome foi uma coisa que veio na cabeça na hora, Falcão é o sobrenome da minha família materna. Porque eu tenho esse histórico na Malu, que vem das mulheres da minha família e serve como uma crítica aos homens da minha família materna que sempre me reprimiram. É eu provando que mesmo uma vida inteira sendo reprimido, agora consegui não só assumir mas dar uma verdadeira vida a este meu lado “mulher” (dentro das construções sociais) que sempre foi tão forte.

NFF: Entrando nessa problemática, de que forma a Malu ajuda a desconstruir esse preconceito, esse machismo, essa fobia?

Foi muito louca a sensação. Eu sempre quis, mas sempre tive medo e sucumbi ao machismo que me impedia de me abrir a esta vontade. Quando eu me montei e sai de casa foi como quando se quer mergulhar numa piscina, você quer muito aquilo, mas tem medo da água fria. Sabe como? Eu me montei, vestidinho, salto alto e fui. Pisando pra fora da porta do meu prédio, eu já senti que não seria fácil. Fui assediado por vários homens que estavam no bar que tem embaixo do meu apê.

Entrei no taxi um pouco trêmula. Depois que digeri a situação pensei: já que estou na chuva, é para me molhar. Estava indo ao Soviet e o taxista perguntou se poderia nos deixar na esquina. Meu amigo teve medo, eu achei que era necessário passar por este medo e fui, linda, morena, desfilando pela avenida do Batel e ligando o foda-se para os assédios. A única barreira que tive, depois, foi de assumir que fazia. Lembro que no mesmo dia encontrei, como Malu, um ex namorado meu. Ele me olhou claramente com um ar de desprezo e fingiu mal me conhecer para os amigos dele.

Aí tive a prova de que se montar como drag é um protesto, um ato político, social, necessário de que um homem cis pode sim se personificar de mulher sem fazer dela um personagem ou ridicularizando a imagem feminina. Levo minha drag muito a sério, mesmo sendo nova. Não aceitei participar de despedidas de solteiro (para qual fui convidado) porque não estou para fazer macho rir e se sentir mais macho. Não é este o tipo de trabalho que busco fazer com a Malu.

NFF: Ao que, na sua opinião, uma pessoa que faz drag deve estar atenta para não perpetuar preconceitos e ferir a imagem da mulher?

Claro!! Essa deveria ser uma das maiores preocupações em fazer drag. Por exemplo, no carnaval, ou em festas aleatórias em que homens cis se vestem de mulher apenas pra se divertir, isso é errado! Mulher não é fantasia. Não deve ser levada como tal.

Por isso acho que a drag tem que se preocupar com o que ela faz e fala, pra mostrar que aquilo é um trabalho e não uma bobagem. Para muitos é uma maneira de enaltecer figuras femininas que admiramos, você vê muitas drags fazendo cosplay de artistas que amam, como a Chad Michaels e a famosa Cher que ela faz tão bem. Ela é um exemplo a ser seguido.

O próprio reality show da RuPaul tem participantes que fazem diversos comentários problemáticos, apesar de ele ter incentivado muitas drags, como eu, a explorarem este lado artístico com mais amor e coragem. Por isso devemos ter em mente uma grande preocupação com o que passamos em nosso trabalho.

NFF: Então, a Malu não tem pretensões artísticas?

Claro que tenho pretensões artísticas! Queria montar um vlog e trabalhar em apresentações de dança. Este ano volto para a faculdade, faço artes cênicas na FAP e lá terei muito que aprender e explorar com a Malu ❤

NFF: Conta pra gente da sua situação com o espacate hahah.

Ai, céus (risos). Fui comemorar meu aniversário com minhas amigas. Depois de altos drinks eu fui para o WNK. Eu não estava montado, estava de calça jeans, mas pra mim o WNK sempre deu um ar de liberdade no sentido de “posso ser o que eu quiser”, que somado a aquele sentimento de “Malu”, que era recém nascida, e o toque final: o DJ tocou RuPaul. Na hora que a música parou eu dei um salto e cai de pernas abertas tipo espacate. Tava de calça jeans, não sabia fazer, não tinha alongado pra fazer, mas só sei que fiz. Por uns segundos voltei a lucidez e pensei “putz”. Mas nisso, as pessoas ficaram me olhando, acho que elas também pensaram “putz”. Eu não poderia perder a pose, tentei mexer minha perna, vi que ela se mexia e pensei “tá tudo bem”. Levantei, continuei dançando e mantendo a pose, fiquei um mês com a virilha dolorida mas nada de grave (risos).

NFF: Por fim, qual a sua reflexão sobre a questão de gênero envolvendo as drags?

Você fazer drag não tem absolutamente nada a ver com o seu gênero. Tem muitas drags que depois se assumem mulheres trans, mas não é regra. Drag é um personagem, é uma profissão, e por trás dela a pessoa pode ser um homem hetero, gay, trans, gender fluid, até mesmo mulheres cis fazem drag. Enquanto drag, não vejo problema ser tratada no gênero feminino. Mas as pessoas precisam entender que não é via de regra que uma drag é feita por um homem, gay, passivo (!) etc.

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