Relato: Coisas que eu aprendi ao namorar um soropositivo

Uma experiência com lições sobre a forma de encarar o HIV e a vida.

Lucas Panek
Não faz a frígida
4 min readMar 28, 2016

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Eu tinha 19 anos quando conheci a pessoa que pensei ser o amor da minha vida. Ele usava óculos no estilo super man, tinha um sorriso delicado e cabelos angelicais, mas o que mais me encantava era o brilho no olhar que carregava o amor por tudo que fazia. Nos conhecemos num passeio por pontos turísticos da minha cidade, tivemos o nosso primeiro beijo naquele mesmo dia e, então, tudo aconteceu muito rápido.

O sentimento era muito intenso, a gente se via quase todos os dias e, por isso, comecei a perceber que ele tinha alguns hábitos diferentes: sua personalidade era, por vezes, meio instável, ele tomava alguns remédios, ia ao hospital com certa frequência e se negava a fazer sexo.

Então, em um dia de inverno, estávamos deitados na minha cama — na época, meu quarto ficava no sótão da minha casa — quando ele perguntou se eu poderia assistir um filme com ele. Contou-me que aquele título, “Agora e Para Sempre”, significava muito pra ele e que era pra eu prestar atenção no enredo. Na trama, a atriz Dakota Fanning interpreta Tessa, uma garota que é diagnosticada com leucemia avançada. Eu confesso que fiquei com um frio na barriga e, ao passo que o filme ia chegando ao final, o medo ia me consumindo. Não queria ter a conversa que viria a seguir.

O filme acabou, eu levantei e fui até a janela, fiquei olhando para a rua esperando que ele me dissesse que tinha câncer. Ele parou do meu lado, tocou meu ombro, e disse:

_Eu tinha medo de te contar isso, porque não sei qual será a sua reação. Só quero que saiba que eu continuo sendo a mesma pessoa. Mas eu tenho HIV.

Pode parecer clichê, mas o quarto começou a rodar. Eu não sei o que pensei, só percebi que estava falando um monte de bobagem:

_Eu não acredito que você fez isso comigo… Como não me disse antes? E se eu tivesse com uma ferida quando nos beijamos ou fomos um pouco além?

Eu vi que ele murchou e com um misto de tristeza e raiva, falou:

_Você não sabe do que está falando, não conhece o que eu tenho. Nunca faria algo que pudesse transmitir para outra pessoa porque eu sei o que eu vivo. Eu sei me cuidar e cuidar dos outros. Esperava muitas coisas de você, menos esse ódio ignorante.

Aquilo abriu meus olhos. Eu percebi que realmente não sabia nada sobre o vírus, porque a única coisa que as pessoas sabem nos ensinar sobre o HIV é nos botar medo, falar sobre as consequências, mostrar vidas miseráveis.

Uma das poucas referências que eu tinha sobre viver com HIV ou Aids naquela época eram os personagens soropositivos do seriado Queer as Folk (2000–2005). A série fez um grande serviço na época, mas foi gravada em um período onde o vírus ainda não estava sob controle e os tratamentos não eram tão desenvolvidos, então o tio de Michael, que na trama convive com a doença, era um personagem apático, sempre indisposto, triste e com muito azar.

E aquele menino que estava na minha frente não tinha nada de miserável. Ele era muito feliz, muito bonito, tinha dinheiro e tinha amor por tudo que fazia na vida.

E com ele eu aprendi muitas coisas. Aprendi que a própria comunidade nutre um grande preconceito com pessoas que são portadoras do vírus, pois o discurso é de acolhimento, mas quando um gay sai com um cara e descobre que ele tem HIV, o medo da doença fala mais alto do que o encantamento pela pessoa. Aprendi então, que o principal perigo do vírus é que a pessoa passa a ser reconhecida pela doença e não por quem ela é.

Aprendi ainda que os remédios, que fazem parte do coquetel, podem ter alguns efeitos colaterais e isso pode causar algumas indisposições. O temperamento instável fazia parte desses efeitos, de acordo com o que ele me contava. E essa era uma das partes mais tristes do problema.

Por fim, aprendi a amar o que eu faço. Ele costumava me dizer que sempre fazia tudo com vontade, e que se doava inteiramente ao momento, por dois motivos: ele ainda tinha a oportunidade de viver, mesmo com uma doença que matou tanta gente, e pra provar que a vida vale a pena quando você ama.

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