Relato: o que eu aprendi sobre a minha família com a eleição do Bolsonaro

Um desabafo sobre como a vitória e o primeiro ano de governo de Bolsonaro revelaram as verdades sobre os laços familiares de uma pessoa LGBTQ+.

Lucas Panek
Não faz a frígida
3 min readJan 10, 2020

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Por Eric Pedroso

Eu saí bastante machucado dessas eleições. O conceito de família mudou muito pra mim desde então, e eu tive que me afastar de pessoas que eu realmente gostava pelo meu próprio bem.

Teve um episódio em que, voltando da faculdade, precisei correr pra não apanhar de uns caras que gritavam que Bolsonaro iria varrer gente como eu do país. Aí chegava em casa, abria o Facebook e via meus parentes louvando o Bolsonaro e debochando de mim. Um bando de hienas. Provando que no fundo no fundo, pra essa gente, todo viado é uma chacota.

Perceba que não disse gay, ou homossexual, eu disse viado mesmo. Viado afeminado, que desde sempre foi a bichinha da turma. Os nomes que ouço desde que era criança, quando nem precisava entender o que significa sexualidade. O nome “bicha” me acompanha desde minha primeira lembrança em uma escola.

Com essas eleições eu vi meu lugar dentro dessa família sendo jogado na minha cara. Eles não percebiam que o faziam, porque nossa realidade nunca foi a mesma e eu acreditava no amor que eles diziam sentir. Meu lugar na sociedade não é o mesmo lugar que o deles, e é por isso que eu não vou mais me misturar. Talvez eu devesse ser, inclusive, grato a eles por isso.

Eu fiquei abalado demais porque dava importância demais a essas pessoas. Achava que precisava delas em minha vida. Mas na verdade, algumas pessoas não encaixarão nunca em alguns lugares, e hoje eu entendo que nesse conceito de família eu realmente não encaixava. “Eu que lute”.

Hoje, eu digo não aos convites. Eu ignoro pessoas. Reuniões familiares viraram gatilho pra ansiedade e crises nervosas e eu evito ao máximo estar presente. Mas quando vou, acabo levando junto quase sempre uma torta de climão. Porque essa bicha que chegou até a universidade, lá aprendeu a se defender e a falar por si, aprendeu que pra ter respeito precisa incomodar, porque pacificamente eu continuaria tendo que aguentar um tio perguntando durante a janta se eu gostava de buceta (afinal constranger uma criança é simplesmente ensiná-la a ser macho). Ninguém me defendia porque essa função sempre foi minha, e essas eleições me fizeram aprender isso de uma vez por todas.

As vezes sinto que virei um poço de rancor, mágoa e tristeza. Mas ontem, quando eu voltava de uma confraternização familiar, tive o presente de ouvir do meu avô: “esse Bolsonaro é o pior presidente que o Brasil já teve” em uma conversa com a minha avó, não comigo, eu estava só escutando… Eu não precisei explicar, falar, implorar como fiz com os outros. Mas meu vô, na sua simplicidade, mais uma vez, conseguiu curar um pouco dessa minha ferida e fez eu entender porque eu chamo ele de pai, desde sempre.

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