Do verão ao outono.

Renan Oliveira
Não sei crescer
Published in
4 min readMay 26, 2020

Reflexões sobre “Me chame pelo seu nome” e “Me encontre”.

Quantas diferentes e possíveis abordagens existem para se falar sobre o “amor”? Quando ultrapassamos barreiras culturais e temporais, podemos visualizar o quão universal esse tópico é. Atinge pessoas de diferentes partes do mundo e das mais variadas idades, é um assunto que ultrapassa as barreiras da língua e ao mesmo tempo é extremamente ambíguo. Hoje vivemos em um mundo onde existem diversas ideias sobre o que é o “amor” e sobre diferentes maneiras das pessoas se relacionarem. Essa abordagem de que o amor é uma língua universal se torna algo tão presente nos dois livros que durante minha leitura percebi que rotular essa história como “romance gay” ou “romance LGBTQ+” passou a me soar como uma classificação equivocada. Sinto que rotular os livros com alguma classificação de identidade sexual acaba tornando o tópico principal superficial. O livro é o que ele é por si só, sem necessidade desse tipo de rótulo. André Aciman aborda em seus dois livros uma pequena parcela dessas diferentes idéias e configurações. O amor pode ser algo extremamente belo, idealizado e sucinto tanto quanto pode ser frio, distante e confuso.

“O verão em que aprendi a amar pescar. Porque ele amava. A amar correr. Porque ele amava. A amar polvo, Heráclito, Tristão. O verão em que eu ouvia o canto de um pássaro, sentia o perfume de uma flor ou o vapor subir pelos meus pés em dias quentes e ensolaradas e, como meus sentidos estavam sempre alerta, automaticamente pensava nele” — Me chame pelo seu nome.

O primeiro livro me evocou uma série de lembranças sobre primeiras paixões, primeiros amores, e algumas idéias sobre como nos tornamos, no sentido emocional, extremamente diferentes daquilo que já fomos, isso por conta de todas as experiências emocionais que passamos no decorrer dos anos e das nossas vidas. Lembrei de todas as vezes que fui magoado, mas também pensei em todas as vezes que magoei alguém. Em diversos momentos me senti nostalgicamente envergonhado por já ter compactuado (e as vezes ainda compactuar) com idéias, sentimentos e decisões do Elio.

Na primeira parte do livro existe uma construção bem surreal e obsessiva dos sentimentos de Elio a respeito do Oliver. Ele idealiza situações e cria expectativas sobre elas. Chega a beirar a insegurança, paranoia e o vício no outro. E quando as coisas finalmente acontecem, toda essa construção é quebrada pela realidade e a partir daqui tudo passa a ser construído de maneira mais crua. E então passamos a nos dar conta de que todo verão tem um fim, e que o tempo é implacável com nossa mera mortalidade.

Tempo, aliás, é outro assunto pertinente na história. Eu diria que muito mais em “Me encontre” do que em “Me chame pelo seu nome”, mas está presente em ambos livros. Se o primeiro é uma corrida contra o relógio, o segundo passa a ser uma tentativa de caminhada no ritmo do mesmo: aceitamos que nunca vamos estar atrás do ponteiro e não nos resta mais nada a não ser aproveitar cada segundo. Existe inclusive uma passagem que disserta sobre como nossas vidas não correspondem com o passar do tempo e que muitas vezes estamos no compasso errado, quase que como um paradoxo sobre como as coisas deveriam ser e sobre como elas realmente são.

- Olhá só. Vocês tinham uma bela amizade. Talvez mais do que amizade. E invejo vocês. No meu lugar, muitos pais esperariam que a coisa simplesmente sumisse, ou rezariam para que seus filhos se reerguessem logo. Mas eu não sou um desses pais. No seu lugar, se houver dor, cuide dela, e se houver uma chama, não a apague, não seja bruto com ela. Arrancamos tanto de nós mesmos para nos curarmos das coisas mais rápido do que deveríamos, que declaramos falência antes mesmo dos 30, e temos menos a oferecer a cada vez que iniciamos algo com alguém novo. A abstinência pode ser uma coisa terrível quando não nos deixa dormir a noite, e ver que as pessoas nos esqueceram antes do que gostaríamos de ser esquecidos não é uma sensação melhor. Mas não sentir nada para não sentir alguma coisa… que desperdício! — Me chame pelo seu nome.

Eu diria que “Me encontre” é dividido principalmente em três maneiras diferentes de se abordar o amor, mas não vou dizer quais são elas. Vou me limitar a dizer que apesar de aceitar os sentimentos de todos os envolvidos, talvez seja culturalmente estranho para mim entender a velocidade com que as coisas acontecem. “Me encontre” é um livro extremamente melancólico, abordando com mais afinco as questões sobre como o tempo é cruel e sobre arrependimentos. Se “Me chame pelo seu nome” é um lindo verão, “Me encontre” seria um triste outono onde o sol ainda brilha, mas nunca esquenta nossa pele. Eu consigo entender a frustração de muitas pessoas com a continuação da história porque ela é muito diferente do primeiro livro e eu tenho certeza que não é o que ninguém esperava, mas eu diria que ela é mais adulta, mais cuidadosa e cheia de cicatrizes.

“- Por um exemplo, não acho que você é um homem muito feliz. Mas você é como eu: algumas pessoas podem estar de coração partido não porque foram magoadas por alguém, mas porque nunca encontraram alguém importante o bastante para magoá-las” — Me encontre.

“Me encontre” não traz a descoberta e a inocência do primeiro livro, mas sim o amadurecimento e até mesmo um pouco da morte sobre como lidamos com nossos sentimentos e com os outros. Sobre ter cada vez menos a oferecer cada vez que encontramos alguém. E sobre como sentimentos intensos insistem em reverberar por todas as sombras do que já fomos até chegar no que somos agora. Concluo que quando amamos, nunca esquecemos. Sempre nos lembramos de tudo.

--

--