O que eu sinto sobre esse mundo.

Renan Oliveira
Não sei crescer
Published in
4 min readApr 18, 2020

Se eu fechar os olhos e me concentrar, consigo sentir o cheiro do sal do mar. Posso ouvir as ondas calmamente se aproximando da praia e o ardor do sol iluminando minha pele. As feridas abertas queimam quando eu entro na água, mas essa sensação some tão rapidamente quanto o mar repuxa a água de volta para as profundezas do oceano. Se eu fechar os olhos e me concentrar, consigo ouvir o farfalhar das folhas daquelas altas árvores que ficavam no terreno atrás da antiga casa laranja, e sentir a brisa que entrava pela janela. Posso ouvir as galinhas cacarejando, a gata miando e as crianças brincando. O cheiro de comida sendo feito num domingo à tarde, música popular brasileira tocando, pessoas dançando na cozinha e o som dos cogumelos fritando na manteiga. Lembro do gosto de cada pão de queijo na chapa com requeijão que eu comi nas madrugadas de insônia, e o gosto de todas as lágrimas salgadas que chegaram nos meus lábios. Se eu fechar os olhos e me concentrar, consigo ver a luz dos postes da rua iluminando o quarto de noite e as inúmeras fotos que editei naquela bancada de madeira. O som das nossas risadas em meio a cócegas em uma cama velha e o chão de taquinho empoeirado que eu odiava. Se eu fechar os olhos e me concentrar, não consigo me lembrar do último dia em que não nos falamos, e consigo me lembrar do primeiro e do último “eu te amo” que foi dito. Cada vez que eu senti borboletas no estômago, ou que eu me apaixonei de novo e de novo pela mesma pessoa. Se eu fechar os olhos e me concentrar, eu consigo lembrar das risadas escandalosas do meu irmão de madrugada e de todas as birras da adolescência, e também dos joelhos ralados e cabelo embaraçado da minha irmã. E do cheiro de desinfetante e de bolo assando no forno da casa da minha mãe. E das inúmeras e inúmeras idéias que ela já teve, e dos dias que eu acordava de manhã e ela já estava acordada antes de mim, estudando. Se eu fechar os olhos e me concentrar, eu consigo me lembrar dos dias que eu cozinhava para os meus amigos, e eles vinham de longe só para comer o que eu havia preparado, sendo que muitas vezes nem estava bom. Se eu fechar os olhos e me concentrar, eu consigo ver mais uma vez os fins das tardes de verão em que sentávamos na calçada da Priscila e ficávamos conversando, ou de quando pedíamos esfirras e comíamos no escuro depois de ter passado o dia inteiro desenhando labirintos no asfalto da rua Amazonas, que posteriormente se tornou Solânea. Meu primeiro beijo com ela, meu primeiro beijo com ele, e até de antes, bem antes, consigo me lembrar de uma casa no subsolo, um quintal ainda mais baixo, uma bicicleta do mickey e um quebra-cabeças do pokémon. Consigo lembrar de dar ovos aos macacos e de como achei aquilo estranho porque sempre pensei que macacos comiam bananas e não ovos, e de nadar sem roupa no rio e passar o dia experimentando todos os sorvetes disponíveis no freezer do hotel. Se eu fechar os olhos e me concentrar, consigo lembrar do quanto pensei que nunca seria amado, e consigo lembrar da vez em que parti o coração de alguém por alguém que depois partiu o meu. E de me sentir muito, muito triste pelo que eu fiz. E hoje, se eu fechar os olhos e me concentrar, eu consigo ver tudo que eu ganhei, tudo que eu perdi, e tudo que eu ganhei perdendo tudo que eu perdi. Eu tive um quadro depressivo, e numa madrugada, uma crise de choro. Minha mãe não soube muito como ajudar, mas ela me disse que o mundo podia ser bom. Eu não entendi aquilo na hora, e não sei se ainda entendo. Mas depois de ter aberto mão de tanta coisa, eu ganhei outras. Eu ganhei os trilhos de trem e as estações que eu adoro observar quando saio de casa, e ganhei uma antiga nova amiga que está o tempo todo comigo. Ganhei que apoio e ajuda vem de onde a gente menos espera as vezes, e que não existe jeito certo disso acontecer. Ganhei que família tem um novo significado e que ela existe mesmo quando os laços estão rompidos, e que amor se sustenta nos detalhes. E é por isso que se eu fechar os olhos e me concentrar e tudo isso passar pela minha cabeça mais uma vez, nessa ordem ou em outra ordem, eu consigo ver tudo de novo, e eu amo isso.

Apesar de tudo, é muito bom estar vivo.

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