Sam Bourcier: — O triângulo e o unicórnio que peida
(…) duas técnicas para os bons homos
Os direitos e a nação: duas técnicas de governamentabilidade para os bons homos
(…) Os direitos e a nação são duas tecnologias de governamentabilidade que são cruciais para os bons homos. Elas produzem uma subjetividade limitada e homogênea. Elas também podem, aliás, se sobreporem, como é o caso do casamento gay e lésbico. A reivindicação do casamento, como a do direito de servir no Exército ou de doar sangue, atesta o desejo de ser incluído na nação, que pode se manifestar de maneira violenta e sem restrições. Nos Estados Unidos, vimos cartazes que contrastam uma junkie e um casal de gays em smoking, passeando na praia, com o slogan: ‘Ela pode doar sangue, nós não’. Em 2016, o movimento LGBT institucional italiano lançou uma campanha publicitária com cartazes nos quais se pode ver futuros casais de gays e lésbicas que deslizam debaixo de um edredom com as cores da bandeira italiana. Em 2011, para o 150º aniversário da reunificação italiana, a Europride de Roma e o dia nacional contra a homofobia de 17 de maio, foi a vez de cartazes homonacionalistas e islamofóbicos (De Vivo & Dufour), mostrando casais de gays e lésbicas se beijando em um jantar chique romântico na frente de vinho, parmesão e presunto, é claro, com slogans como ‘Italia Unita Contro l’Omofobia’ (‘A Itália unida contra a homofobia’) e ‘Civiltà prodotto tipico italiano’ (‘Civilização, um produto típico italiano’). Na França, a natureza absurda da decisão da ministra da Saúde que autorizou em 2016 a doação de sangue para gays abstinentes (?!) não deve perder de vista a dimensão assimilacionista e nacionalista dessa demanda. Mesmo se a reivindicação ao direito servir no Exército não exista na França, a maneira como foi articulada a reivindicação do ‘casamento para todos’ fala bastante sobre a nacionalização em curso de gays e lésbicas cuja filiação ao Frente Nacional é apenas a ponta do iceberg. A estratégia que consistia em solicitar ‘uma extensão do casamento’ ao invés de um casamento gay e lésbico foi uma escolha do movimento LGBT institucional, sob as ordens do Partido Socialista e dos ecologistas. Ela exigia uma individualização e adesão a uma subjetividade nacional que consiste a se identificar primeiro como cidadão, e não como gay ou lésbica. Isso é perfeitamente consistente com um paradoxo francês bem conhecido. A denúncia do excepcionalismo democrático francês, que é estrutural e que é a própria fonte das exclusões e desigualdades que afetam as mulheres, as minorias sexuais e/ou racializadas, só pode ser feito por e em nome do sujeito universalista por excelência e do cidadão que pratica a assimilação excludente e assassina.
Sam Bourcier — Homo Inc.Orporated.
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Homo Inc.Orporated — O triângulo e o unicórnio que peida de Sam Bourcier foi publicado em 2020 pelas editoras n-1 e crocodilo. O livro e mais informações no catálogo da n-1 edições.
Título Homo Inc.Orporated- O triângulo e o unicórnio que peida
Autor Sam Bourcier
Ano 2020 | 1º edição
N˚ de páginas 284
Dimensões 21 x 14cm
ISBN 978–65–86941–01–2