Vera e Gabriel Andrade

Pegando a estrada

Apresentação e agradecimentos

Camilo Vannuchi
4 min readDec 29, 2015

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Fazia sol na Calciolândia no dia em que eu conheci Gabriel. Foi em janeiro de 2009. Ele me convidou para entrar, indicou uma cadeira e foi buscar um aperitivo. Colocou no centro da mesa um queijo da Serra da Canastra, já curado, e foi buscar uma cachaça. Trouxe uma garrafa, depois outra, até formar uma pequena coleção. “Essa é a preferida de Vera”, apontou um rótulo. “Mas a melhor é esta aqui”, e despejou meio centímetro de Havana num copinho. Pronto, agora poderíamos sentar e prosear.

Era de goiabada o cheiro que se destacava entre a sala e o quintal. No fogão a lenha, junto à lavanderia, o tacho fervilhava. Nacos de goiaba colhidos na fazenda viravam doce entre golpes de colher de pau. Goiabada cascão.

Papo vai, papo vem, meus olhos pousaram sobre as mãos de Gabriel, que buscavam as mãos de Vera. Os dois celebrariam bodas de diamante dali a dois meses, e tudo o que eu queria saber, naquele momento, era o segredo de uma parceria como aquela, renovada a cada dia por mãos que (ainda) se procuravam, depois de 60 anos.

Quando sentia a pele de Vera gelada, Gabriel tomava a iniciativa de lhe buscar uma blusa. Quando acordava cedo demais, esperava Vera levantar para tomarem juntos o café da manhã.

Naquele dia teve piscina, pingue-pongue, carteado e sanfona. Teve também a neta de Gabriel e Vera capturando imagens em vídeo para um curta-metragem com os avós.

Conversamos sobre namoro, footing, matinês, bicicleta, trator de esteira, manga-larga de marcha picada, gir leiteiro, leões e vestido de bolinhas. Escrevi a história do casal a toque de caixa, junto com uma amiga, e por meio de sua filha Li An, oferecemos o livro de presente.

Dois anos depois, foi seu filho Flávio quem me procurou. Instigado pela mulher, Paula, Flávio queria presentear o pai. Não com um livrinho curto, como aquele das bodas, que versava exclusivamente sobre a história de amor que viveu com Vera, a única mulher de sua vida, mas com uma biografia parruda, nos termos de Flávio. Uma biografia que deveria juntar o construtor e o filósofo, o engenheiro e o caubói, o pesquisador e o líder, sem degringolar para uma narrativa áulica nem desprezar a rica história do Brasil que perpassa sua trajetória.

Arregacei as mangas. Ao longo de um semestre, fiz seis viagens a Belo Horizonte para passar o fim de semana, como um inquisidor a ouvir histórias e fazer interrogatórios. Entre uma visita e outra, entrevistava seus colegas, filhos, amigos, e fazia mais e mais pesquisas, que suscitavam mais e mais perguntas. A história de Gabriel foi tomando corpo.

Quando os primeiros capítulos ficaram prontos, o escritor Fernando Morais, mineiro de Mariana, entrou no projeto, como consultor. O que tínhamos nas mãos não era apenas a história do fundador da Andrade Gutierrez ou a história do pioneiro na criação e no melhoramento genético de gir leiteiro. O que tínhamos nas mãos era mais do que isso, era um percurso fascinante, um personagem à procura de um autor.

De forma intermitente, o projeto GDA foi interrompido e retomado algumas vezes desde 2011. No final de 2015, às vésperas de seu aniversário de 90 anos, celebrado em 12 de janeiro de 2016, optou-se por publicar uma primeira versão desses causos e histórias, primeiramente no ambiente digital do Medium, e em seguida num volume impresso.

Na estrada com Gabriel Andrade é a história em construção de um construtor em construção. “A vida é também para ser lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso”, escreveu certa feita Guimarães Rosa, mineiro de Cordisburgo, no livro Tutaméia. Para ser lida e também contada.

Nesse percurso, agradeço à Paula e ao Flávio pela iniciativa e à Li An por assumir a condução. Ao Fernando Morais pelas ideias e conversas. Ao Sérgio Lüdtke, ao Luiz Henrique Pitombo, ao Danilo Casalletti, ao Marco Chiaretti, ao Eduardo Andrade e ao Fil Pinheiro pela leitura atenta e as generosas sugestões. Agradeço as dicas do Thadeu Nolasco e a colaboração de Eduardo Duarte Zanelato, Gleison Silva, Lívia Fragoso, Lívia Laranjeira, Luiz Felipe Orlando, Nathalia Ziemkiewicz e Renata Calmon. Finalmente, a todos os entrevistados que compartilharam comigo seu tempo, suas memórias, sua sabedoria: Adair Fernando de Souza (o Rebarba), Álvaro Furtado de Andrade, Aloysio Faria, Ângela Gutierrez, Carlos Alberto da Silva (o Carlão), Elza Furtado (a Dinha, in memoriam), Francisco Nogueira, Geraldo Pereira, Heloísa Furtado de Andrade, Ivonei Abade Britto, Jordane Silva, José Aparecido Mendes Santos, José Mário de Freitas, Juarez Guimarães, Júlio Leite, Laura Furtado de Andrade, Leda Gontijo, Manoel Costa, Maria Victoria Benevides, Odílson João dos Santos, Paulo Furtado de Andrade, Paulo Saliba, Pedro Berto, Ronaldo Alves Pereira (o Ronaldão), Ronaldo Santiago, Sérgio Andrade, Tão Gomes Pinto, Vera Furtado de Andrade e Virgínia Pinheiro. E ao Gabriel, é claro, pelas histórias e pela inspiração.

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Camilo Vannuchi

Jornalista e escritor, sou mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Escrevo também no www.facebook.com/camilo.vannuchi