Depois da penúltima
Esse rabiscado é sobre aquele momento que sempre chega e causa a mais profunda das reflexões que um indivíduo pode atingir: a verdadeira saideira, encarada solitariamente. Depois que todos foram embora, seja em casa ou no bar — mas especialmente em casa. Quando você sente que cabe mais uma, fingiu pra si mesmo, ainda junto da turma que seria a última, ciente que se tratava da penúltima.
Quando o teor alcóolico já foi para os píncaros, quando já não desce nem mais um amendoim pelado sequer, e não sabe se fica sentado ou em pé pra “digestão acontecer”. Falta ela.
Esse momento é o da mais profunda reflexão. Vou até ajudar a ilustrar: um cotovelo no balcão ou mesa, olhar perdido, um filme breve sobre o dia passa na cabeça; quando é domingo, um pouco das obrigações de amanhã. Mas ainda consegue concentrar-se no freezer, para evitar a tragédia de perder a última congelada. Quem é se reconhece.
Essa reflexão é única. Uma imersão, em muitos casos, colaborada pelo silêncio do ambiente, falta de vozes ecoando. Normalmente o único som rolando é de uma playlist com vida própria tocando sabe-se lá o quê.
Por falar em música, tentei ao máximo fugir do título dado a esse texto, mas não consegui ir além dessa menção a canção do saudoso, divino e maravilhoso mestre Aldir Blanc, a forte “Me dá a penúltima” (com o inseparável João Bosco).
Retomando ao mote, a vida passa por nós nessas horas. É um estado que atingimos diferente de tudo, só sendo possível chegar nas condições já citadas acima, psicológica e etilicamente falando. E isso aqui não é uma ode ao alcoolismo ou romantização da boemia — que tem quase sempre deliciosas consequências. É porque podemos voltar ao passado, repensar o dia, o futuro. Ideias nascem, desculpas podem acontecer a quem merece. Uma vida inteira pode mudar de rumo por conta de um dia desses na vida de uma pessoa.
Esse texto foi escrito a quatro mãos, por este aqui, sendo por duas antes da primeira, e as outras duas após a penúltima.