Próximo de completar 100 anos, ex-prefeito de Alegre relembra
evolução do município e região

Daniel Borges
na calçada
Published in
6 min readJan 21, 2024

Leia aqui um texto escrito em 2018 para o portal Aqui Notícias (ES) e republicado agora, em 2024, mantendo a originalidade.

Quem passa pelo município de Alegre, entra no bairro Vila do Sul e resolve comprar alguma coisa no minimercado Triângulo se impressiona com a vitalidade de um certo senhor atrás do balcão. Ou no caixa, fazendo conta e anotando pedidos. Estamos falando do ex-prefeito do município, nos anos 50, Ary Fiorezi. São impressionantes 90 anos atuando no comércio — desde os nove. No próximo dia 26 de maio [de 2018] Ary completa um século de vida.

Ary Fiorezi. Crédito: Daniel Borges
Ary Fiorezi, botafoguense, ex-prefeito, comerciante e bom de papo. Sorte de quem o encontrava pelas ruas do Alegre. (Crédito: Daniel Borges)

Não é clichê dizer que Ary e a história de Alegre se misturam. Prefeito no mandato de 1955–1959, vice-prefeito e candidato a deputado estadual. Filho de Francisco Rodrigues de Oliveira, comerciante e vereador de passagem rápida — apenas 3 meses, que Ary explicará ainda nesta reportagem — e Tereza Fiorezi, parceira no comércio da família.

Foi presidente do diretório do MDB de Alegre e também vice do prefeito Antônio Lemos Junior. Fez campanha para o candidato à presidência Jânio Quadros, sendo coordenador do ‘Movimento Jânio Quadros em Alegre. Trabalhou nas campanhas dos candidatos ao governo do Estado Gerson Camata, Max Mauro, Albuíno e José Ignácio. Um entusiasta da democracia, mas chateado com o momento de descrédito da população com a classe política. E ele entende os porquês. “Esse é o pior momento do Brasil, politicamente falando. Nunca houve tanto descrédito com a classe como hoje. É triste ouvir quem não quer saber mais (de política), que abandonou o voto. Não podemos abdicar da democracia. Ainda é o nosso maior trunfo”, conta inconformado e gesticulando, Ary Fiorezi.

Emancipação de Jerônimo Monteiro
Durante muito tempo foram criadas inúmeras versões a respeito da emancipação a município de Jerônimo Monteiro, anteriormente território pertencente a Alegre, com nome de Sabino Pessoa. E essas versões culpavam Ary por um possível atraso nesse processo. A Assembleia Legislativa (Ales) autorizou o desmembramento. Porém, Ary vetou por entender que poderia haver algumas irregularidades da forma que estava posta. O caso foi parar no Tribunal de Justiça. “Considerei que seria melhor pedir o arquivamento. Na véspera da posse — oficializando a emancipação — saiu a decisão do TJ não concordando com a retirada e considerando inválida a ação da Ales. Enviei um novo projeto, passando pelo trâmite legal e foi validado”, conta Ary. A emancipação ocorre em 1958. O documento oficial foi assinado pelo então prefeito Ary.

Os passos para prefeito
Dois políticos de Alegre, José Rodrigues de Oliveira (PTB) — tio de Ary — e Benjamim Barros (UDN), através de uma coligação elegeram-se prefeito e deputado estadual, respectivamente. Ao término do mantado, houve o interesse em escolher um candidato. O nome pensado foi o pai de Ary: Francisco Rodrigues de Oliveira. “Meu pai havia sido vereador, mas recusou o convite para ser o candidato a prefeito. Ele falava que política não servia para ele. Tanto é verdade que o mandato dele na Câmara de Alegre durou apenas 3 meses (risos), pediu para sair”.

Com a recusa, Benjamim Barros, líder da UDN no município, convidou então Ary para ser o candidato. “Eu não tinha nenhuma experiência na política. Mas havia a intenção de manter o grupo na disputa”. Foi assim que, aos 36 anos, Ary veio candidato a prefeito de Alegre pelo PTB (partido aliado Executiva Nacional). “Venci a eleição contra um fortíssimo nome. O médico Políbio Pedrosa (PSD), acumulava a experiência de ter sido vereador e presidente da Câmara, um homem muito inteligente e popular. Não acreditei quando o venci”. Nesse período, vencia as eleições para governador do Estado Francisco Lacerda de Aguiar, o Doutor Chiquinho, de Guaçuí.

Contribuições
A abertura da rodovia Guaçuí x Cachoeiro de Itapemirim foi efetuada pelo governador Francisco Lacerda de Aguiar, o guaçuiense Chiquinho. Apenas aberta, o asfalto veio anos depois. “Eu fui um dos a brigar pela estrada. Precisávamos facilitar a vida da família do campo. Imagina só como era difícil aquele período?!”

Era um período de poucos recursos financeiros, não haviam grandes obras ou feitos. Só projetos relevantes e que revolucionariam a vida da população recebiam verbas. “Eu pavimentei mais de 12 quilômetros de rua, na minha gestão, considerado muito para a época. Construímos o muro localizado no centro, próximo à Igreja Matriz”, lembra. Foi o governo de Ary quem levou água para o distrito de Anutiba. “Nossa preocupação era a população deixar o local, o famoso êxodo. Levamos qualidade de vida para eles permanecerem no campo naquele período difícil. Canalizamos água também para os distritos de Rive e São Francisco do Caparaó. Mesmo que de forma precária, era o que podíamos na época”.

O distrito do Café e Anutiba receberam, provisoriamente, iluminação por geradores à diesel , enquanto o prefeito aguardava a chegada da eletrificação rural para a região. Mas o foco era estrada: ligação dos distritos do Café e Celina e condições de melhor tráfego para demais famílias agrícolas. Também foi realizado a ligação da estrada da sede até Santa Marta, com cerca de dez quilômetros de extensão. Nesse período, Ibitirama pertencia ao município de Alegre.

Presidenciáveis no Alegre
“Durante a minha gestão a cidade recebeu, pela primeira vez, a visita de candidatos à presidência da República. Foram quatro. Vieram fazer comícios”, lembra Ary. Eram as eleições presidenciais de 1955. Alegre recebeu, pela ordem: general Juarez Távora (UDN), Juscelino Kubistchek (PSD) e seu vice João Goulart (PTB), Adhemar de Barros (PSP) e Plínio Salgado, da Ação Integralista Brasileira (AIB), pela sigla PRP. Todos fizeram comícios no município, guiados pelo anfitrião Fiorezi.

Causo
O quase centenário Ary lembra, com riqueza de detalhes, de um comício realizado em Alegre, na praça principal da cidade, de um dos presidenciáveis. Era JK. “Um integrante da campanha de Juscelino, o gaúcho Ruy Ramos, usou o microfone para criticar os demais candidatos. E as praças estavam tomadas de faixas, ele criticava uma a uma, diminuindo os concorrentes e exaltando JK. Quando criticou o gal. Juarez Távora (também candidato), os juarezistas ficaram em polvorosa e quiseram briga. Foram para cima. Foi por pouco. O deputado federal Floriano Rubim aparteou rapidamente e disse a Ruy: ‘pare de falar e vaza do Alegre agora’ (risos)”.

Minha opinião
Foi um papo de quase três horas com Seu Ary. Não consegui chamá-lo de senhor após as primeiras palavras trocadas. É um jovem. Que vitalidade. Botafoguense e fã de Garrincha, se orgulha ao lembrar. “É o clube que mais forneceu jogadores para a seleção”. Durante a conversa, algumas interrupções foram necessárias para conseguir administrar seus afazeres no minimercado Triângulo. Chega o fornecedor de ovos e interrompemos por segundos a conversa. “Como é que tá o preço do vermelho hoje? Pode deixar seis caixas aí”. Logo menos, chega uma das funcionárias para pegar dinheiro para pagar um boleto. Outra breve interrupção para Ary contar o dinheiro e entregar à moça. Quase 100 anos e Ary sintonizado em vários canais ao mesmo tempo. Uma aula de história, política, construção social. Saí do mercado, ou da venda, como ele diz, impressionado. Ajuda no caixa, organiza as contas, sabe do estoque, lê jornais, artigos e revistas e está preocupado com o rumo da nação e o perigo que corre a democracia com o abandono de quem a sustenta: o povo.

*Reforço: texto escrito originalmente em 2018, sem intervenções.

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