Sair do armário não é piada

.ricardo .laranja
Nada Errado
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3 min readNov 8, 2016
Ilustração: Estúdio Pingado (via Revista Superinteressante)

Nos últimos dias apareceu na internet um vídeo onde uma adolescente finge ser lésbica para fazer uma brincadeira com a mãe. O pai e a irmã sabiam da armação e assistem, sorrindo, o surto da mãe ao descobrir fotos e conversas no telefone da menina.

Sim, eu usei a palavra surto. Porque é isso o que acontece: a mãe surta com a revelação. Grita, xinga, ameaça bater na garota, bate na mesa, tenta jogar um prato, grita mais. Pega uma faca. Diz que vai matar a filha. O pai e uma outra senhora tentam acalmar a mãe, a segurando enquanto a irmã recolhe os utensílios da mesa. Ao final, revelam a verdade, mas a mãe ainda está surtada.

Este não é o primeiro vídeo do tipo que “bomba” nas redes sociais. Numa rápida busca no Youtube por “contando que é gay”, aparecem quase 22 mil resultados. Dos 20 vídeos da primeira página da pesquisa, 8 são “brincadeiras” com o assunto.

Mas sair do armário não é brincadeira. Não é uma piada. Vivemos em uma sociedade que nos força a nos esconder, a ser discretos, a “fazer o que quiser dentro de quatro paredes, mas ninguém precisa saber”. Uma sociedade que nos mata, todos os dias.

A reação padrão, nesses vídeos, é a expressão sincera do ódio e do repúdio que a sociedade sente com relação à comunidade LGBT. Quando um de nós precisa passar por essa situação (contar para a família ou amigos sobre a orientação sexual), é dos momentos mais complexos e difíceis da vida. Porque a gente ouve, o tempo inteiro, que ninguém vai nos aceitar. Que a nossa família vai nos deserdar. Que estaremos sozinhos e abandonados no mundo. Que esta é a maior humilhação que uma família pode ter.

O que estas pessoas passam, nos vídeos, é o que milhares de nós passamos na vida real. Agressões reais. Pratos quebrados de verdade. Facas que não ficam apenas na mão — ao contrário, atravessam corpos.

Cinco minutos após a gravação desses vídeos, a vida dessas famílias volta ao normal e as imagens viram piada, tanto ali quanto em outros ambientes. As redes sociais amam esse tipo de vídeo. Muitos exaltam a reação pós-revelação da verdade, quando a família demonstra amor e, eventualmente, “respeito”. Quando os ânimos se acalmam, rola até um “ah, eu te amaria de qualquer jeito”. Na vida real não é assim.

Precisamos parar de rir dessa situação. Precisamos parar de compartilhar esses vídeos como se fossem piadas. Mesmo aquele vídeo onde a mãe do rapaz abraça ele e diz que o ama independentemente de qualquer coisa. Porque a reação da mãe é linda, de fato, mas a intenção original não era essa.

A mãe responder com afeto, ali, é um erro de gravação. Um caco no script, que deveria incluir palavrões e agressões.

Não, héteros, vocês nunca saberão o que a gente sente. Vocês nunca sentiram, nem sentirão, medo por ser quem vocês são. Nunca passarão por nada parecido com isso.

Toda vez que eu vejo um vídeo desses rolando pela timeline eu imagino um adolescente que está pensando sobre como contar pra família que é gay e, ao assistir essa “piada”, desiste da ideia e tenta seguir a vida com esse segredo mortal escondido.

Se ali, que é mentirinha, já doeu demais; imagina quando for de verdade?

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.ricardo .laranja
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.um ser humano fantástico, com poderes titânicos △△