Sobre ser LGBT e trabalhar com publicidade

.ricardo .laranja
Nada Errado
Published in
3 min readOct 22, 2015

Existe, no inconsciente coletivo, uma ideia de que trabalhar com publicidade é a coisa mais legal do mundo. Em teoria, a gente é pago pra ser criativo, quer dizer, “isso deve ser legal pra caramba, né?”. Sim. É bem legal mesmo. Existe uma certa flexibilidade de horários, o dress code é liberado (pode bermuda, pode camiseta), tem cerveja na agência e o clima é ótimo. (Não vou entrar nos méritos das noites mal dormidas/viradas, das pizzas no final do expediente, das horas extras lendárias, etc etc)

O que o inconsciente coletivo não imagina é que a parte difícil de se trabalhar com publicidade e propaganda é MUITO difícil. Especialmente se você faz parte de alguma minoria social. Porque, veja, o inconsciente coletivo é um inconsciente branco, magro, hétero, classe A.

O debate sobre a inclusão de minorias em agências de publicidade não é novo, mas recentemente temos tido algumas oportunidades de discutir o assunto. Infelizmente, essas oportunidades são apenas cruéis. Primeiro foi aquela confusão envolvendo a agência África e suas funcionárias maioritariamente brancas. Em seguida o texto do Daniel Solero discutindo racismo na publicidade (acompanhado pelo desabafo pessoal dele sobre a repercussão do artigo).

Ontem, nas redes sociais, o grande “destaque” foi a campanha da Meritor Brasil, desenvolvida pela Leo Burnett Tailor Made (uma das maiores agências de propaganda do país), que trazia “lindas travestis” como garotas propaganda para alertar sobre os “perigos de se adquirir produtos falsificados”. A campanha (imagem acima) ganhou notoriedade por sido premiada pelo Clube de Criação de São Paulo — e as redes sociais explodiram ao repudiar as peças.

Após a polêmica, todos se esvaíram: o CCSP afirma que não tem nada a ver com isso, já que não tem controle sobre as campanhas que recebem para serem julgadas. A Leo Burnet, agência responsável pela campanha, disse que as peças são antigas e que havia solicitado àqueles que receberam o material para não veiculá-lo. A Meritor Brasil afirmou que desconhecia a campanha.

Independentemente do posicionamento dos envolvidos, fato é que: trabalhar com publicidade não é fácil. Há que se lidar, todos os dias, com preconceitos enraizados, com racismo e homofobias “cordiais”. Existe uma dificuldade imensa em encontrar imagens que não sejam de “pessoas cis e brancas” nos bancos de imagem. E existe uma dificuldade, ainda maior, de defender ideias contrárias às da maioria.

Negros e LGBTs não tem voz. É uma luta, diária, conseguir aprovar campanhas que tenham modelos negros, que contemplem o público LGBT. Essa luta é interna e externa. Interna porque a maioria das equipes é comandada por pessoas brancas e heterossexuais — e, quando gays, são coniventes com essas situações. Externa porque os clientes tendem a ignorar deliberadamente essas fatias de mercado — como se essas pessoas não fossem suas consumidoras.

Neste momento, vem a pior parte de se trabalhar com publicidade: se sentir omisso, se sentir cúmplice de todas essas atitudes. Afinal, temos contas a pagar não é mesmo?

No mundo da publicidade, poucos se posicionam. Este artigo da Carla Purcino no B9 trata da omissão generalizada que acontece no mercado. Vale a leitura.

Mas não podemos mais nos omitir. Mesmo que isso nos valha uma posição no mercado e uma dificuldade para pagar as contas do mês que vem.

Machistas e homofóbicos: não passarão. Citando, novamente, a Carla Purcino:

"Precisamos ser políticos. Precisamos mesmo. Mas de outras políticas. Da valorização da dignidade humana. De uma criação socialmente responsável. Que enxergue a diversidade. Que não dissemine discursos de preconceito ou de ódio. Que não as premie. Que não se ausente de assumir seus erros. (…) Precisamos de novos clubes. Precisamos, enfim, de uma nova publicidade"

Amigxs LGBT que trabalham com publicidade: não tenham medo. Não sejam omissos. Não compactuem com este tipo de atitude. Não podemos deixar que nossas vozes não sejam ouvidas, ainda que isso nos traga certas complicações profissionais.

Trabalhar com publicidade pode, sim, ser muito legal. Façamos, pois, o possível.

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.ricardo .laranja
Nada Errado

.um ser humano fantástico, com poderes titânicos △△