Uma contextualização histórica das Drags

Nada Errado
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4 min readOct 10, 2015
Elenco da sexta temporada de RuPaul’s Drag Race, exibida em 2014

Por Francine Oliveira

A origem do termo drag queen é incerta. Sabe-se que ele passou a ser usado com mais frequência como uma gíria polari (língua informal usada pela subcultura gay britânica) no início do século XX. O primeiro registro, no entanto, data do ano de 1870, para se referir a atores (homens) que se vestiam como mulheres — prática bastante antiga no teatro, que não permitia que mulheres atuassem. Acredita-se que antes mesmo, no século XVIII, drag designava homens que se vestiam como mulheres não necessariamente para fins teatrais. “Drag”, que em inglês significa “arrastar”, era uma alusão às longas saias usadas na época, que se arrastavam pelo chão.

Popularmente, “drag” se tornou ainda um acrônimo para “DRessed As Girl”, ou seja, “vestido como garota”. (Dizem que Shakespeare, no período elisabetano, já fazia anotações em suas peças para indicar o ator que fazia o papel feminino, como “Dr.A.G.”, mas não encontrei confirmações em livros.) Há ainda outra possível origem, vinda do teatro elisabetano (portanto, de meados do século XVI e início do XVII), para “queen”: a gíria “quean” — pronunciada como “queen”, mas de forma mais “afetada” — era usada para se referir a prostitutas.

É importante destacar ainda que as pessoas que hoje conhecemos como crossdressers foram chamadas de transvestites até o início do século XX. Essa classificação dizia respeito a homens e mulheres que se travestiam, ou seja, usavam roupas consideradas do sexo oposto. A palavra “transvestites”, em inglês, é hoje vista como antiquada e obsoleta e a tradução da mesma como “travesti” é um equívoco cultural.

“Travestismo” ou “transvestismo” foi uma palavra cunhada pelo terapeuta e sexólogo alemão Magnus Hirschfeld em 1910. Derivada do latim, a palavra resulta de uma junção de “trans“ — “através de” (ou “além de”) — e “vestismus” ­­­– “vestir”.

As travestis como as conhecemos em países latino americanos configuram uma classe social bastante distinta que talvez esteja mais próxima das “she-male”, identificadas nos filmes pornôs (que também adotaram o termo “tranny”, fazendo com que se tornasse pejorativo).

Voltando à questão do “vestir-se como alguém do sexo oposto”, o crossdressing, é preciso destacar que a prática em si não tem ligação com sexualidade, nem com orientação sexual. Crossdressers não são necessariamente fetichistas (alguns podem até se vestir para o ato, mas não é o caso da maioria) ou homossexuais.

Atualmente, quando o crossdresser se veste de forma exagerada para desfilar ou se apresentar, aí sim, chamamos de drag queen (no caso dos homens) ou drag king (no caso das mulheres). No Brasil, apesar de não tão utilizada, há também a palavra “transformista”.

Como parte integrada da cultura gay, as drag queens tiveram um papel importante nas chamadas Stonewall Riots, motins iniciados em 28 de junho de 1969 no bar nova-iorquino Stonewall em retaliação a uma batida policial surpresa. Na verdade, desde os anos 1950 pequenos grupos ativistas já existiam, mas o ataque ao bar ganhou destaque quando drag queens e lésbicas decidiram lutar contra a repressão dos policiais, jogando pedras e objetos do próprio bar. Muitos acreditam que a pessoa a começar a luta foi justamente a drag Sylvia Rivera, bissexual, ativista trans e feminista falecida em 2002. Foram três noites de protestos violentos em que o ato de outra drag queen, Marsha P. Johnson, destacou-se: ela quebrou o vidro da janela de uma viatura policial com sua bolsa!

Ao completar um ano do confronto, em 28 de junho de 1970, milhares foram às ruas nas primeiras Paradas do Orgulho Gay, que aconteceram simultaneamente em Nova York, Los Angeles, São Francisco e Chicago. A data ficou então marcada como o dia oficial do Orgulho Gay (hoje, do Orgulho LGBT).

Mais que apenas performers, drags são uma visão da fluidez dos gêneros e das possibilidades que existem nesse jogo que chamamos de sexo. Vivendo em um “entre-lugar”, rompendo com fronteiras por meio do humor, não deveriam ficar restritas aos eventos para o público LGBT, e esse novo prospecto trazido especialmente pelo “RuPaul’s Drag Race” pode servir para modificar a cabeça de muitos.

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