Crítica — Uzumaki

Juan Duarte
nanicriticas
Published in
5 min readApr 30, 2018

O centro da espiral não é tão interessante.

Ficha técnica:

Título: Uzumaki (うずまき)

Autor(a): Junji Ito

Editado no Brasil pela (finada) Conrad.

Algumas considerações para quem ainda não leu:

Uzumaki é uma obra intrigante, densa, obscura, com uma narrativa interessante e fácil de acompanhar. A abordagem para todos os temas é acompanhada de uma climática imersiva que agrega grande valor para tudo o que é apresentado. A divisão da história em pequenos contos, bem como a narração em primeira pessoa de Kirie, possibilitam uma leitura mais pausada, dando tempo de analisar, compreender e “deglutir” os acontecimentos. Em suma, é uma obra que sabe conduzir o leitor, trazendo a responsabilidade pelas análises para si, permitindo interpretações, mas deixando claro que tudo ali vai ser trabalhado e construído logicamente.

Fim da zona protegida de spoilers

Coerência com a proposta:

A tensão, o terror, o “climão”, o silêncio, e principalmente, a assinatura de Junji Ito, as expressões faciais, fazem com que toda a história contada, que por si só já é mórbida e obscura, traga aspectos mais densos e perturbados ainda. É uma conjunção perfeita de elementos, que possibilita uma imersão completa no que a obra se propõe a explorar: A degeneração humana. E a partir desse pequeno tema, construir paralelamente, em seus contos, várias nuances e diferenças, desde a obsessão, vaidade, egocentrismo, sadismo, etc.

O contraste icônico de Junji Ito, entre os traços fortes e “sujos” da figura aterrorizante, com a leveza e simplicidade no traço da figura aterrorizada.

Verossimilhança:

Infelizmente Uzumaki peca, e muito, na sua construção de personagens de fato palpáveis e completos. É possível ver em muitos momentos que existe uma dicotomia de valores muito clara e precisa, principalmente entre Shuichi e Kirie, onde se por um lado Shuichi desde sempre quis sair de Kurozu e acaba completamente perturbado, Kirie desde sempre quis ficar em Kurozu para ajudar as pessoas e fica até o fim sóbria. Não há uma construção completa das interações com tal insanidade entre os personagens. Os sentimentos são demarcados muito severamente e objetivamente, deixando os personagens previsíveis e pouco orgânicos. Entretanto, mesmo com essa falha visível, também é necessário pontuar que Junji Ito, faz algo que eu poucas vezes vi com tanta precisão em outras obras: Consegue trazer, por meio estético, a impressão de uma pessoa ao contexto de forma extremamente precisa e convincente.

No lugar de um diálogo expositivo, a expressão facial de Kirie é o suficiente para perceber o que ela está pensando. “Caralho que velho biruta”.

Coesão:

Um dos pontos cruciais da narrativa de Junji Ito em Uzumaki é o silêncio. Sim, a divisão em contos torna a leitura muito tranquila e pausada, bem como a conjunção entre estética e diálogos, mas os silêncios é algo que necessita ser pontuado. Em vários momentos em que são utilizados os silêncios, é sublime, porque apenas com movimentos e expressões faciais, Junji mostra todo o seu domínio narrativo com o desenho. Mas, se por um lado, a questão narrativa se sobressai por diversos pontos, a unidade da trama por várias vezes se perde um pouco. É possível ver com certa clareza, a divisão da história entre duas metades: A primeira é onde ocorrem os vários causos estranhos e a segunda é a chegada dos furacões. Se a primeira parte é pausada, trazendo várias pequenas construções, a segunda é estranhamente atropelada. Na primeira metade, as coisas acabam ficando até repetitivas de tão pausadas, trazendo várias críticas repetidamente: O pai de Shuichi trouxe a obsessão; Azami trouxe egocentrismo e obsessão mais uma vez; O pai de Kirie trás a obsessão mais uma vez (com a arte da espiral). As coisas mudam com o casal “Romeu e Julieta” que se enroscam e etc, mas voltam à “obsessão” com o “Caixa surpresa” e só com Katayama (o caracol), a temática da espiral assume novas formas. Entretanto, muitos desses contos, depois da primeira metade, são completamente descartáveis, servindo apenas como uma introdução. (As mães dos mosquitos, por exemplo, nunca mais se ouviu falar, bem como aquela doença das casas, que teoricamente deveria ter consumido todas as pessoas que ali viviam, mas que no fim das contas também foi esquecida).

Essa progressão é simplesmente linda.

Relevância:

A construção da obsessão e degeneração humana pelo contexto, é um tema recorrente em todos os pequenos contos de Uzumaki. Do início ao fim esse tema ressoa entre os acontecimentos. É uma construção intrigante e provocativa. Entretanto, que não tem conclusão nem desenvolvimento. Todos os causos isolados, mais a junção da segunda metade, os furacões e a construção da espiral gigantesca de casas, se comportam quase como um grande pré clímax, que introduzem a questão da espiral na história. Desde a “maldição da espiral”, até a questão de que a espiral de fato, pode ser encontrada em qualquer lugar, trazendo o paralelo da constante de fibonacci. Porém, o final, o clímax, aquele pelo qual toda a história se alinhava para que ocorresse, é terrivelmente broxante. Edificações gigantescas em forma de espiral foi a coisa mais previsível e básica possível para o fim, bem como Shuichi e Kirie se enroscarem e morrerem. E como a primeira metade são introduções de elementos para a segunda parte, e consequentemente para o clímax, posso afirmar que o final estragou, e muito, a obra como um todo. Dando uma impressão de que o autor simplesmente não sabia como finalizar a obra.

Menções honrosas:

Dentre as diversas falhas na trama e acertos na narrativa, existem alguns pontos que merecem ser destacados, mas que não chegam a ser um acerto ou um erro:

Nessa cena, por exemplo, seria comum uma calcinha a mostra e umas bundas completamente desproporcionais para fazer a alegria da otakada machista. Ponto pro Junji Ito.
Junji Ito traz referências a Van Gogh em sua obra.

E para finalizar as menções, o casal que se enrosca na primeira metade, é uma referência óbvia a Romeu e Julieta, o que pessoalmente eu acho bacana. Trazer aspectos clássicos e de fácil assimilação para sua própria história, é uma escolha que eu encaro como feliz e bem utilizada no caso. Ponto para Junji Ito.

Conclusão:

A primeira metade é bem repetitiva, traz aspectos interessante e pontos de vista distintos, mas ainda sim é repetitivo. A segunda metade engrena bem e trás alguns elementos apresentados na primeira metade, algo fundamental, mas se perde em alguns momentos, deixando várias pontas soltas incômodas, encerrando com um fim melancólico e clichê.

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