Da apuração jornalística à pesquisa científica — o fascínio da descoberta

Poliana Ribeiro
NARRATIVA
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3 min readJul 9, 2018

Das coisas que me atraíram no jornalismo, descobrir coisas foi uma das principais. O processo de apuração é fascinante, embora se perverta na lida diária, com tantas pautas desnecessárias que nos consomem cotidianamente. Mas, ainda assim, toda oportunidade de fazer uma reportagem, buscar fatos, dados, ir desenrolando aquela história tal qual fazemos com um novelo de linha de crochê, é válida e, em muitos casos, encantadora. E assim também tem sido, pelo menos para mim, com a pesquisa científica.

Ao longo dos meus 12 anos em redação de jornal, tive a oportunidade de transformar em reportagem todo tipo de pauta: das que me orgulharam até as que eu cheguei a pedir para que nem fosse assinada, nem tanto pelo texto final, mas pelo assunto pouco enobrecedor. E quando dizem que lugar de repórter é na rua — embora estejamos em plena era do jornalismo sentado –, isso nada mais é do que a mais pura verdade. Em um dia, você está em uma rua na Vila Izabel Cafeteira (considerado um dos bairros mais perigosos de São Luís, na época que o visitei) tentando conversar com os moradores, acuados por causa da violência; no outro, você está falando com especialistas e personagens a respeito do Alzheimer. E ao final desse processo de apuração, você se coloca diante do computador, construindo um texto que faça sentido ao seu leitor.

Não se pode negar que há, nesse processo, uma hipótese sendo defendida, uma tese sendo construída, uma linha argumentativa conduzindo o leitor a “comprar” a sua história. E assim, posso dizer, ocorre com a pesquisa cientifica. O que é todo o processo de levantamento de dados, bibliografia, entrevistas e aplicação de questionários (se for o caso) do que uma forma de apuração?

Poderiam me dizer que, no caso do jornalismo, trabalhamos com fatos concretos e a apuração consiste em, tão somente, buscar as melhores formas de relatá-los. Correto, pelo menos em parte, já que há na produção jornalística reportagens que consistem em uma visão analítica de aspectos da realidade, de forma objetiva, claro. Cito como exemplo uma reportagem, intitulada “Caminhos da Inovação”, que fiz para a revista Maranhão Industrial, produzida pela Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (Fiema). A pauta que me foi repassada me orientava a mostrar exemplos de como a inovação (tema tão recorrente na atualidade) tem contribuído com o surgimento de novos negócios.

O curioso é que o assunto é muito próximo ao tema da minha dissertação de mestrado, na qual tenho estudado os novos empreendimentos digitais de jornalismo, ou seja, novos negócios que têm surgido graças às mudanças (inovações) na prática jornalística. Para construir a minha pesquisa — que se norteia na seguinte problematização: como se configuram as novas formas de difusão de conteúdo noticiosos e até que ponto são modelos de negócio viáveis? -, fiz um levantamento dessas iniciativas, construí gráficos para demonstrar melhor essas características, fiz um levantamento bibliográfico para discutir com mais propriedade temas como modelos de negócios, empreendedorismo e inovação e estou, atualmente, estudando, de forma mais focal, um desses empreendimentos, o Nexo Jornal. Ao final de todo esse processo, terei redigido mais de 100 páginas sobre o assunto.

Poderiam me dizer, portanto, que a comparação entre a apuração jornalística e a pesquisa científica é estapafúrdia, já que, ao final da segunda, teremos um produto muito mais volumoso do que uma reportagem — mesmo que ela ocupe a página inteira do jornal ou várias páginas em um site. Mas não esqueçam que estou falando de processo. Estou falando que, nos dois casos, o que nos move é a descoberta, o descortinamento do que antes não sabíamos ou apenas suspeitávamos. E isso, meus colegas, é nada mesmo que fascinante!

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Poliana Ribeiro
NARRATIVA

Jornalista e professora, mestra em Cultura e Sociedade (PGCult — UFMA). Especialista em Jornalismo Cultural (UFMA). Graduada em Jornalismo (UFMA).