Desertos de Notícias: o Maranhão está ou não isolado?

Poliana Ribeiro
NARRATIVA
Published in
4 min readDec 27, 2018

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Pode causar estranheza que não tenham sido identificados no Atlas da Notícia 2.0, produzido pelo Projor em parceria com o Volts Data Lab, veículos de comunicação em municípios maranhenses considerados grandes, como Barreirinhas e Paço do Lumiar.

Uma ponderação válida foi feita pela jornalista e mestranda em Comunicação pela PUC-RS Aline Louise, que questionou a ausência de veículos — refutada por ela de forma empírica — nesses locais. Antes, de proceder, portanto, a algumas reflexões sobre os dados publicados no texto anterior, é válido detalhar um pouco mais a metodologia utilizada pelo Volts Data Lab para chegar a esses números.

No site da publicação, a metodologia é descrita como baseada “na contabilização de veículos de notícias no Brasil, seja através de pesquisa própria como de colaboração de terceiros”. Ainda são destacadas algumas fontes por meio das quais os dados foram coletados, sendo elas: levantamento próprio, Atlas Brasil/PNUD/IDHM, Associação Nacional de Jornais, associações regionais de jornais (Adjoris), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Secretaria de Comunicação da Presidência da República e Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

(Se você não leu o primeiro texto desta série, acompanhe aqui: “Deserto de notícias: 145 municípios maranhenses não têm veículos de informação”)

É bem verdade que, por mais que os cientistas de dados tomem precauções para evitar furos, os números podem nos enganar, como diria um antigo chefe meu, jornalista experiente e, por isso, sempre bastante desconfiado. Se tem uma lição que aprendi — quando trabalhava em jornal impresso e precisava fazer cálculos e mais cálculos sobre movimentação de navios e cargas, por exemplo — foi a de que os dados podem sim nos enganar. Na postagem sobre os números relativos ao Maranhão, que publiquei no início deste mês, a jornalista Aline Louise afirma que, na sua experiência pessoal pelo interior do Maranhão, identificou mais de uma rádio em funcionamento em Barreirinhas, por exemplo, além de blogs de notícia, o que a levou a questionar o que o Instituto caracteriza como site de notícia.

De fato, não é destacada na metodologia do Atlas uma definição sobre o que foi considerado um site de notícias, o que nos induz a crer que nem todos os blogs que se intitulam noticiosos foram incluídos no levantamento. Confesso que tenho minhas ressalvas quanto às abordagens da maioria dos blogs que proliferaram nos últimos anos no Maranhão, mas a ponderação da pesquisadora é mais do que pertinente, afinal, em muitos municípios, esses são os únicos canais informativos existentes.

Algumas reflexões

Mas, por mais que os dados possam não ser exatamente os que foram levantados no Atlas e compilados por mim no caso do Maranhão, de modo geral, a realidade midiática maranhense não é bem diferente da que foi apresentada. O que significa, portanto, que 145 municípios dos 217 existentes no Maranhão não possuam meios que possibilitem a cobertura informativa em âmbito local?

É preciso destacar que a ausência de veículos de comunicação tem relação direta com o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) desses municípios, por isso, é importante analisar mais de perto esse aspecto. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, “o desenvolvimento humano deve ser centrado nas pessoas e na ampliação do seu bem-estar, entendido não como o acúmulo de riqueza e o aumento da renda, mas como a ampliação do escopo das escolhas e da capacidade e da liberdade de escolher”.

O IDH-M (geral) é composto por dados referentes a aspectos como renda, educação e longevidade, cuja escala varia de 0 a 1. Para se ter uma ideia, de acordo com o IBGE, o Maranhão tem o penúltimo pior IDH-M, com 0,639. No estado, o município com pior desempenho é Fernando Falcão, com 0,443 (os dados são de 2010). Não é preciso dizer que o município não possui veículos de comunicação, segundo o Atlas da Notícia.

Se o desenvolvimento humano tem relação direta com a capacidade que o indivíduo tem de fazer escolhas, pessoas que moram em lugares onde não há uma variedade de canais de informação têm esse direito burlado. Sem veículos de comunicação, não há cobertura local e todo o conteúdo informativo provém das emissoras sediadas em grandes centros. Isso sem falar que a população fica impossibilitada de ter suas reinvindicações publicizadas de forma mais contundente e, por isso, mais facilmente atendidas pelo poder público.

Mas é importante destacar que, mesmo sem a presença de veículos de comunicação, os habitantes desses desertos de notícias criam seus próprios meios de se comunicar uns com os outros e circular informações sobre o lugar onde vivem. Essas características próprias dessas localidades devem sim ser levadas em consideração, inclusive por quem pretender ocupar esses vazios noticiosos de forma mais eficiente. O assunto será melhor abordado no próximo texto sobre os desertos de notícia no Maranhão.

O Narrativa é um projeto mantido pela jornalista Poliana Ribeiro (Mestranda em Cultura e Sociedade e especialista em jornalismo cultural) para produção, crítica e educação da mídia. Agradecemos sua leitura e atenção! Compartilhe esta notícia com seus amigos e conhecidos!

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Poliana Ribeiro
NARRATIVA

Jornalista e professora, mestra em Cultura e Sociedade (PGCult — UFMA). Especialista em Jornalismo Cultural (UFMA). Graduada em Jornalismo (UFMA).