O que está por trás da cobrança por um jornalista multimídia?

Poliana Ribeiro
NARRATIVA
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3 min readApr 27, 2017

Afinal, até que ponto a cobrança por um profissional multimídia é, de fato, uma necessidade? Pesquisas acadêmicas e discussões em outros meios sobre as transformações que as tecnologias impuseram a veículos e profissionais são alvo de atenção cada vez mais constante, nos últimos anos. No entanto, são menos profícuas as discussões sobre o novo papel do jornalista e o seu lugar nas redações.

Antes de tentar desvelar o que tem acontecido nas redações, é importante entender como funcionam os veículos de comunicação, principalmente os meios impressos. Anos atrás, a redação de um jornal era um local com nichos e funções bastante definidos. Da base ao topo, repórteres, fotógrafos, editores, revisores, paginadores, coordenadores e diretores tinham um papel muito bem demarcado. Naquela lógica do impresso, isso funcionava muito bem. Mas, com o desenvolvimento da internet, o jornal passou a ocupar também o ciberespaço. E não apenas isso: os veículos deixaram de ser os únicos produtores de conteúdo.

Não há muitas novidades nessa digressão, mas o ponto é: mudou não apenas a forma de se fazer jornalismo, mas o papel que cada profissional desempenha nessa engrenagem. Mais que isso, mudou a forma como o jornalista de redação deve pensar a notícia a partir de então. Não basta apenas aprender a manipular ferramentas para a produção e difusão dos conteúdos online — como editores de texto, vídeo e fotos -, é preciso se adaptar a uma nova lógica de produção.

Veículos que já convergiram transformaram funções antes importantes em quase obsoletas. É o caso de revisores — hoje já um luxo a que poucas redações se permitem — e editores, que têm sobrevivido a duras penas. Ainda não é tão comum encontrar — pelo menos no Maranhão — redações completamente integradas (impresso e online), em que o conteúdo é produzido e distribuído seguindo as necessidades de cada veículo: break e hard news para os sites e reportagens mais interpretativas e analíticas para o impresso. Mas, mesmo quando o processo ocorre por tentativa e erro, já não é difícil projetar o que o futuro reserva (ou já tem reservado) para os profissionais mais experientes das redações.

Esta geração perdida — assim definida pelo pesquisador norte-americano Scott Reinardy — já não vê mais tanto sentido no tipo de jornalismo para o qual os veículos têm se voltado. Olham para jovens profissionais hiperconectados, que produzem stories no instagram com facilidade, enquanto pensam em lives nas redes sociais, ao mesmo tempo em que produzem textos superficiais sobre informações muitas vezes checadas apenas pelo WhatsApp, com a desconfiança de quem está perdendo o seu lugar, mas também com o lamento de quem sabe que Jornalismo é muito mais que postar uma notícia por hora.

Durante participação em um Simpósio Internacional de Narrativas Digitais, ocorrido em 2015, em São Luís, o professor e pesquisador português João Canavilhas — uma das maiores referências na atualidade quando o assunto é webjornalismo — disse em claro e bom som, para uma plateia formada, em sua maioria, por acadêmicos (estudantes, professores, pesquisadores), que existe um equívoco quando se fala em jornalista multimídia. Na visão do pesquisador, a exigência por profissionais que não apenas escrevam ou editem reportagens é uma estratégia que as empresas utilizam para economizar em mão-de-obra. Assim, é preciso que o jornalista entenda como funciona a produção de conteúdos na atualidade e, eventualmente, até saiba manipular determinadas ferramentas, mas não é preciso que uma única pessoa apure, tire fotos, faça e edite vídeos, redija o texto, poste no site e em redes sociais, como ocorre em alguns veículos de São Luís. Pena que poucos profissionais que atuam nas redações estavam lá para ouvir!

Voltando à questão inicial — até que ponto a cobrança por um profissional multimídia é, de fato, uma necessidade? -, pode-se dizer que sim, este perfil de jornalista é uma necessidade de grandes veículos, que sofrem com uma crise sem precedente, mas não é do jornalismo, que tem se reinventado graças à tecnologia, assim como tem ocorrido com jovens e experientes profissionais. Mas isso é assunto para um outro texto.

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Poliana Ribeiro
NARRATIVA

Jornalista e professora, mestra em Cultura e Sociedade (PGCult — UFMA). Especialista em Jornalismo Cultural (UFMA). Graduada em Jornalismo (UFMA).