#TBT — O que vem depois do felizes para sempre?

Poliana Ribeiro
NARRATIVA
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3 min readJan 16, 2020
Celine (Julie Delpy) e Jesse (Ethan Hawke)

Não se engane. Apesar das rugas e de toda aquela realidade pesando nos ombros, Jesse e Celine ainda são os mesmos. Só que diferentes. Confuso? Contraditório? Assim o são também os protagonistas de Antes da meia-noite, sequência de Antes do Amanhecer e Antes do Pôr-do-sol, que se já não apresenta tão latente o romantismo do primeiro, também não soa tão melancólico quanto o segundo.

O terceiro filme dirigido por Richard Linklater e protagonizado por Julie Delpy e Ethan Hawke é verdadeiro, sem deixar de lado os ingredientes que cativaram o público mais de 15 anos atrás: diálogos bem elaborados e um entrosamento perfeito entre os atores principais. Para quem pensava que nada mais havia para extrair de uma história que foge dos clichês românticos, Linklater mostra que ainda era possível sim dar mais um passo adiante. Juntos, os três filmes são quase um tratado de psicologia, um compêndio da complexidade do ser humano durante um relacionamento amoroso.

Para os pouco familiarizados com a história, basta dizer que o norte-americano Jesse conhece a jovem francesa Celine em um trem, nos idos de 1994, e resolve convidá-la para um passeio por Viena, até que os dois se despeçam na manhã seguinte (Antes do Amanhecer). É o suficiente para o começo do romance, que sobrevive na expectativa do reencontro. Dez anos depois isso finalmente acontece: em Paris, Celine revê Jesse, agora escritor, casado e com um filho. Aos poucos, eles expõem as cicatrizes deixadas por um amor não vivido, mas que, finalmente, parece ter conseguido a sua chance de acontecer (Antes do pôr-do-sol).

Sete anos depois, Jesse e Celine são como o casal após o “e viveram felizes para sempre”. De fato conseguem construir juntos uma vida, com gêmeas e um filho do primeiro casamento do escritor, mas várias pendências emocionais. Antes da meia-noite pode soar realista demais para quem prefere mergulhar em romances açucarados, mas é autêntico e encantador ao seu modo. E mesmo sobrecarregados pelas agruras da vida real, em vários momentos Jesse e Celine — os do primeiro filme — conseguem se sobressair.

Linklater ainda parece firme no propósito de mostrar o essencial dessa história: a sintonia entre os protagonistas. Não desvia a atenção do espectador com belas paisagens — Viena, Paris e agora a Grécia são cenários apresentados em segundo plano, sem o apelo para seus grandes atrativos — ou personagens desnecessários — embora neste terceiro filme o elenco tenha aumentado. A relação entre o casal é sustentada no diálogo, na palavra, e isso se mantém no terceiro filme, embora, dessa vez, não se possa ignorar o que circunda esse relacionamento — o que é evidenciado na angústia que Jesse sente por não estar mais presente na vida do filho Henry.

Antes da meia-noite — assim como os dois outros filmes — é como uma pausa necessária em uma época que parece refém do tempo. Se o relógio diminuiu seu ritmo para que eles se conhecessem e se encantassem um pelo outro e depois revivessem aquele romance 10 anos depois, neste terceiro filme não é diferente. Com toda a carga que o cotidiano os impõe, quando estão caminhando e conversando sobre os mais diversos assuntos, tornam os ponteiros mais lentos. Podem avançar e retroceder. E continuam sendo encantadores.

Texto publicado na edição do dia 3 de outubro de 2013 do Jornal O Estado do Maranhão

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Poliana Ribeiro
NARRATIVA

Jornalista e professora, mestra em Cultura e Sociedade (PGCult — UFMA). Especialista em Jornalismo Cultural (UFMA). Graduada em Jornalismo (UFMA).