Saúde

A capital mais positiva do Brasil

Por que Porto Alegre é a capital com o pior índice de HIV do Brasil

Andrey Darós Pereira
Narrativas em Detalhe

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Camisinhas são distribuídas gratuitamente em qualquer posto de saúde e sem a necessidade de identificação | imagem de Anqa via Pixabay.

Mesmo após 42 anos, a aids ainda mata. No ano de 2022, segundo o boletim epidemiológico feito pela secretaria de Saúde, Porto Alegre apresentou um coeficiente de mortalidade de 23,8 mortes por 100 mil habitantes, sendo a capital com o maior índice de mortalidade do país. Cerca de 1130 pessoas morreram por aids em Porto Alegre apenas em 2022.

O boletim feito em 2023 (com dados de 2022) aponta 2.920 novos casos de HIV no Rio Grande do Sul, sendo 1.028 apenas em Porto Alegre. Do total de casos, 675 foram de HIV e 353 de aids, o que indica que o diagnóstico ainda é feito na fase inicial da infecção. 

A aids é a doença causada pelo HIV, um vírus que, ao não ser tratado, acarreta na síndrome de imunodeficiência humana (aids), uma doença sem cura que acaba com o sistema imune aos poucos, abrindo portas para outras doenças. O HIV pode ser transmitido por objetos cortantes, como agulhas contaminadas, ou através de sexo sem proteção. A transmissão também pode ocorrer da mãe para o bebê, durante a gravidez, parto ou amamentação.

Para entender as razões pelas quais Porto Alegre lidera o ranking de casos de HIV no Brasil, ouvimos dois epidemiologistas, Jonatan Pereira e Sondre Schneck. Segundo eles, há uma série de fatores, sendo dois deles os mais destacados.

O epidemiologista Jonatan Pereira, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, aponta o prejuízo na assistência causado pela pandemia como o primeiro fator. Jonatan explica que os serviços essenciais fecharam para priorizar o combate à pandemia da covid, o que prejudicou a assistência de quem procurava os postos de saúde. “Aconteceu de muitas pessoas procurarem teste e terem seus testes negados, pois muitos profissionais não entendiam isso como um serviço essencial, apesar de ser” diz.

Essa situação também indica o estigma que o HIV ainda carrega socialmente, o que remete ao segundo fator que impacta os números de infecção. Jonatan e o professor da UFRGS Sondre Schneck acreditam que o preconceito contra os soropositivos ainda persiste. Desde o início da pandemia de HIV, os grupos não mudaram: ainda são pessoas de baixa renda, LGBT, pretos ou pardos.

Há ainda um terceiro fator: a desigualdade. Os infectados ainda se concentram na população de classe mais baixa. Um relatório anual do UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids), feito em 2022, alerta para o peso crescente das desigualdades que dificultam os avanços nas políticas de saúde. Na própria área da saúde, uma pessoa que tem diabetes vai acabar sendo recebida de uma forma diferente da pessoa que tem HIV. Doenças ligadas à sexualidade são muito estigmatizadas pela sociedade, explica Jonatan Pereira, que também é doutorando na UFRGS.

O que poderia ser feito?

Sondre e Jonatan acreditam ser importante aumentar a publicidade das formas de prevenção do HIV com campanhas. Existem hoje diversas formas de prevenção disponibilizadas gratuitamente em postos de saúde, como camisinha ou PrEp, profilaxia pré-exposição (medicamento que reduz o risco de infecção por HIV), ainda pouco divulgadas. Para Jonatan, o que falta para diminuir o número de casos não é o investimento farmacêutico em remédios, mas, sim, em políticas públicas que orientem a população. “Falta investimento em campanhas para desestigmatizar pessoas com HIV, falta o investimento de campanhas de conscientização”, diz.

Ele cita também a importância da capacitação de profissionais de saúde. “Muitas pessoas não gostam de usar camisinha ou até mesmo são alérgicas ao látex”, afirma. Ele acredita que deveríamos partir de formas de prevenção mais individuais para cada pessoa. “Se uma pessoa transa sem preservativo, provavelmente, é porque ela gosta, então por que essa pessoa não usa uma PrEP?”, salientou.

Embora haja risco de outras infecções, como a sífilis, há cura para elas, ao contrário do HIV. “É obrigação do profissional dar essas escolhas ao paciente e deixá-lo ciente dos riscos. Outra solução seria a educação sexual não só nas escolas, mas também entre os adultos, considerando que muitos não têm ou tiveram acesso a esse tipo de educação”, completou.

“Sexo seguro é um direito de todas as pessoas”

Sondre Schneck, professor de bases epidemiológicas da UFRGS

Como se prevenir

O HIV hoje não é mais uma sentença de morte. Uma pessoa soropositiva com HIV pode viver saudável e com poucas restrições menores se comparada a alguém com diabetes, por exemplo. Quem desconfia que possa ter sido contaminado com o vírus pode fazer o teste em qualquer posto de saúde até 72 horas após a exposição.

Neste período, o médico vai receitar a PEP, nome dado à profilaxia pós-exposição. Após 28 dias de tratamento, é preciso retornar ao posto para realizar um novo exame a fim de saber se funcionou ou não. Caso tenha dado certo, ela pode estar livre do vírus. Se o teste der positivo, a pessoa começa o tratamento antirretroviral, cujo objetivo é deixar o vírus em níveis muito baixos. Com a redução da carga viral e a adesão ao tratamento, a pessoa não transmite o vírus, e a infecção não evoluirá para estágios mais avançados, como a aids.

Há também outras formas de prevenção. A mais conhecida continua sendo a camisinha que, além do HIV, impede outras infecções sexualmente transmissíveis, como sífilis, herpes, clamídia, entre outras. Existe também PrEP. Embora não impeça a infecção por outros vírus, tem 99% de eficácia contra o HIV. A PrEP, assim como a camisinha, é gratuita e distribuída pelo SUS, podendo ser encontrada em qualquer posto.

Confira os endereços em Porto Alegre: https://prefeitura.poa.br/carta-de-servicos/atencao-primaria-saude-unidades-de-saude

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

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