Saúde

A corrida da saúde mental

A prática de exercícios físicos não é importante apenas para a estética

Felipe Kramer Damian
Narrativas em Detalhe

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Quando pensamos em sedentarismo, nosso olhar se volta para saúde física. Mas os estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) indicam que pessoas que praticam esporte, de forma regular e moderada, têm menos chances de desenvolverem transtornos mentais. Uma recente pesquisa do IBGE aponta que 47% dos adultos brasileiros são sedentários, entre os jovens o índice chega a 87%.

A corrida de rua é uma alternativa simples para sair do sedentarismo. Além de prevenir doenças cardiovasculares e melhorar a respiração, ela ajuda no combate a depressão e ansiedade. Segundo estudos da Universidade de Amsterdã, nos Países Baixos, usar desse esporte como método terapêutico pode ser tão eficaz quanto administrar antidepressivos em alguns casos.

Ainda que o tratamento medicamentoso seja considerado “de primeira linha”, os remédios podem não ser eficazes de forma isolada. É por isso que a corrida como forma de tratamento tem recebido cada vez mais atenção na área da psicologia nos últimos anos. “O mundo fitness pode ser analisado sobre muitos prismas. Muita gente vai encarar como uma forma de tratamento para o bem-estar mental, procurando uma rede de socialização na corrida e criando uma rotina para sua vida”, comenta o corredor Elisandro Schultz Wittizorecki, professor do curso de Educação Física da UFRGS.

O começo na atividade física não é fácil, pois nem o corpo e nem a mente podem estar acostumados com exercícios intensos. Leva tempo e esforço até alcançar um bom desempenho e sentir o bem-estar gerado pelo exercício. O psicólogo Cristiano Hamann e professor de psicologia da PUCRS, explica como sentimos uma boa sensação no esporte. “Existem muitas áreas da psicologia que pesquisam sobre o esporte, como a que explica o ‘flow’, quando entramos nesse estado de bem-estar, quando não pensamos enquanto realizamos uma atividade”, explica Cristiano. “É uma espécie de descanso cognitivo para podermos desligar um pouco do cotidiano, das demandas mais racionalizadas. Ao mesmo tempo, o teu corpo está se exercitando”.

Motivando e testando limites

A motivação de cada indivíduo para realizar seus objetivos é de caráter individual. Até pegar a prática em um esporte existem batalhas físicas e psicológicas. É preciso, a cada dia, descobrir facilidades e desafios novos, como em qualquer esporte.

Nem sempre, em uma atividade desportiva, o motivo é alcançar metas e competir. Pode servir apenas para desestressar a cabeça e fazer algo para alcançar o bem-estar. Cristiano Hamann descreve algo diferente que a corrida pode proporcionar. “O que acho legal na corrida é que tu tem uma oportunidade de ressignificar o esporte, conectando a pessoa ao esporte com uma experiência sem metas ou com metas mais livres”, diz o professor da PUCRS.

A corrida é vista como algo individual e, em muitos casos, é o que se busca: um momento solitário, onde não se compara com ninguém. Mas é comum, nos parques e ruas das cidades, encontrar diversos grupos de corrida. Neles é criada uma rede de socialização, para quem além do esporte busca uma rede amigos.

“Como a corrida ajuda é diferente para cada pessoa. Pessoas que têm dificuldades de sair no público, como as que têm agorafobia, por exemplo, podem se beneficiar de uma proposta de trabalho na psicologia que se chama de acompanhamento terapêutico para as atividades do cotidiano”, explica o psicólogo. “Se o paciente vai com essa dupla praticar corrida em um lugar com poucas pessoas, o ganho é duplo: no físico e no controle dos sintomas de ansiedade. […] Mesmo casos agudos e até em casos mais leves, obtém-se um grau de benefício dependendo da pessoa”, complementa.

Uma rede de apoio com profissionais de diversas áreas para a recomendação e motivação do paciente é indispensável, principalmente em casos em que o esporte vai ser usado como tratamento. “No contexto clínico funciona assim: é preciso escolher aquilo que interessa a pessoa e a engajar naquilo. Se procura um esporte conforme a motivação. Quando vamos fazer uma indicação, sempre procuramos ter a ajuda de outros profissionais”, detalha o psicólogo.

Os dois lados da competição

A competição está presente em todo esporte e pode ser o principal interesse de quem busca virar um corredor. “Algumas pessoas com espírito competitivo vão fazer de cada treino uma competição. Mas aí tem-se um equívoco fisiológico metabólico: não dá para competir todos os dias consigo mesmo”, explica o professor de Educação Física da UFRGS. A característica de querer atingir sempre o máximo de desempenho, mesmo que de forma amadora, é algo positivo. Mas se feito de modo não controlado, pode resultar em lesões e na desistência do esporte.

Yasmin deicou de competir com receio de perder o amor pelo esporte| Foto: Arquivo Pessoal

“Acho que se eu tivesse procurado o acompanhamento de psicólogo nos meus primeiros dois anos competindo teria ajudado”

Yasmin Avila, ex-corredora da Sogipa.

Do ponto de vista psicológico, competir com amigos ou estabelecer metas é algo motivador, mas até o ponto em que o praticante amador continua vendo o esporte como algo secundário, um complemento do seu dia-dia. “Competir com os amigos pela performance é, de certa forma, motivador. É algo propositivo que faz com que o sujeito possa ir se desafiando e melhorando. Quando se está nesse nível, a psicologia entende como um cuidado de si”, explica Cristiano Hemann “Mas tem pessoas que passam desse nível. Ocorre um ‘consumo da performance’: a pessoa fica tão focada em ter um autocontrole de alimentação, do esporte e do desempenho que não consegue mais ver o esporte de forma lúdica”.

Se a auto cobrança e até cobrança alheia atrapalham, até mesmo no nível amador, no modo profissional é sempre mais intenso, pode chegar a níveis tóxicos e insustentáveis. Atletas de alto desempenho, que precisam alcançar o máximo individual, fazem os treinos cansativos. No caso de corredores olímpicos, chegam até 12 horas diárias.

Ex-atleta de corrida de pista da Sogipa, Yasmin Avila contou sua experiência de treinos e cobranças. Ela competiu durante três anos antes de parar. “Parei de competir por conta de cobranças excessivas de resultados e das muitas lesões por causa de treinos muito fortes. Eu preferi sair antes que eu perdesse o gosto pelo esporte”, conta Yasmin. “Hoje eu corro quando quero sem me cobrar e com gosto. É claro que ajuda (mentalmente). Se saio e corro, logo fico bem, mas no alto rendimento não é sempre assim”.

Yasmin diz se arrepender de não ter procurado acompanhamento psicológico nos dois primeiros anos de treinos como atleta profissional. “Acho que se eu tivesse procurado o acompanhamento de um psicólogo nos meus primeiros dois anos competindo teria ajudado”, relata. “Mas, no final, eu já não queria mais e só estava ali por contrato. Se fosse no início com certeza ajudaria”.

Yasmin é ex-atleta da Sogipa| Foto: Arquivo Pessoal

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

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Felipe Kramer Damian
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Estudante de Jornalismo UFRGS Olá, sou o Felipe e estou aqui para mostrar meu trabalho e como quero atuar. Escrevo, erro e aprendo. Redes: @felipekdamian