Saúde

Cuidar de quem cuida

Profissionais da saúde apresentam altos índices de problemas por saúde mental

Fabiola Correa
Narrativas em Detalhe

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Entre os sintomas mais diagnosticados estão: burnout, depressão e ansiedade| Foto: Freepik

Para além das paredes, macas e equipamentos, os profissionais da área da saúde são a parcela mais importante de um hospital. Eles trabalham de 6, 12 e até 24 horas por dia e são as principais vítimas do burnout, termo em inglês que classifica a síndrome de esgotamento profissional.

Uma pesquisa da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) ouviu 38 profissionais da área da saúde de um hospital geral da região noroeste do estado, considerado referência em saúde. Cerca de 36,8% disseram que, quando terminam a jornada de trabalho, sentem-se esgotados algumas vezes ao mês.

O primeiro passo

Em 2014, a técnica de enfermagem Bárbara Maria de Freitas, 47 anos, encarou um problema familiar grave que a levou a se afastar do hospital. Para além desse problema, trabalhar em um setor de alta pressão na ala de Traumatologia no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, já bastante estressante, se mostrou inviável.

Decidida a buscar ajuda, consultou com o psiquiatra no hospital em que trabalha e recebeu o diagnóstico de ansiedade e depressão. Bárbara tirou licença por uma semana: “Foi essencial o reconhecimento da minha necessidade de tratamento e afastamento. ‘Cuidar de quem cuida’: acredito que essa ideia deve ser reforçada para atender às nossas necessidades”, disse. “Essas pessoas me ajudaram naquela época e posteriormente a enfrentar outros problemas. Porque psicologicamente eu não tinha condições de voltar a trabalhar”, conta Bárbara.

É claro que a técnica de enfermagem diz ainda enfrentar problemas, especialmente porque lida com pessoas que sofrem diariamente. Bárbara diz sentir de maneira intensa o impacto do abandono familiar em seus pacientes. Muitos deles, conta, se tornam completamente dependentes não apenas física, mas emocionalmente dos funcionários do hospital. Pequenos atos, como conversas, são suficientes para estabelecer o vínculo para além do paciente-profissional.

Ou seja, enquanto a equipe está atarefada com a sobrecarga de trabalho, tentando fazer o seu melhor com muita demanda, a preocupação com as necessidades emocionais dos pacientes acaba sendo mais uma de suas preocupações.

“Quando a pessoa não está bem, a equipe não caminha bem”

enfermeira Michelle Costa Andrades

A enfermeira Michelle Costa Andrades, 41 anos, também trabalha no Hospital Cristo Redentor e atua na Unidade de terapia nutricional. Ao contrário de Bárbara, Michelle não passou pela situação de ter sua saúde prejudicada, mas já presenciou diversos casos de colegas de trabalho que adoeceram. “A gente fica muito tempo no hospital. Então quando a pessoa não está bem, a equipe não caminha bem. Reflete no trabalho porque tu não consegue desenvolver as tuas tarefas como fazia antes”, diz Michelle.

Ela afirma que a experiência de trabalhar no hospital pode afetar diretamente o humor e o estado mental do profissional. “A sobrecarga de trabalho é alta, porque lidamos com doenças e com pessoas. Os profissionais quando entram no ambiente acabam desenvolvendo algumas doenças psicológicas”, conta Michelle. “Já tive colegas que se afastaram para fazer tratamentos e tomam medicação para conseguir trabalhar no hospital”.

Ao longo de 20 anos em que está trabalhando em hospitais, ela já atuou em outras alas como a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e oncologia. Para ela, a oncologia é a mais complicada por conta da convivência com pacientes graves. Diariamente, a equipe via pacientes jovens morrendo. “É bem difícil, o profissional cuida dos outros e tem que aceitar que precisa ser cuidado também. O início de tudo é se dar conta que está precisando de ajuda “, diz Michelle.

Novos caminhos

Após as enchentes no Rio Grande do Sul, que afetaram 90% do estado, alguns hospitais viram a necessidade de criar projetos para acolher seus funcionários. É o caso do Hospital Moinhos de Vento, que criou um ambulatório de saúde mental para atender profissionais de saúde de forma gratuita.

O projeto de atendimento foi elaborado por parte do grupo de psiquiatria do hospital para prestar auxílio aos colaboradores e voluntários que estavam na linha de frente de atendimento das vítimas da enchente. A psiquiatra Lorena Caleffi, líder do projeto, conta que a iniciativa partiu da necessidade de um atendimento prioritário para esse grupo. “Os outros atendimentos que existiam estavam um pouco burocráticos para as pessoas conseguirem agendar, as pessoas não conseguiam inclusive ter o seu próprio horário escolhido”, diz. O atendimento direcionado aos colaboradores do hospital já existia, porém, com a catástrofe das enchentes no estado, houve a necessidade de criar o ambulatório.

O Hospital Cristo Redentor organiza mensalmente, desde março, uma roda de conversa elaborada pelos psicólogos, o PsiConVida, aberta aos seus trabalhadores e que visa estimular o diálogo dentro do local de trabalho. O projeto ocorre com diferentes temáticas para que os profissionais da área da saúde possam debater sobre suas dificuldades.

Em um dos encontros com a temática “Saúde mental, resiliência e reconstrução”, Michelle diz que sentiu falta da individualidade na roda de conversa. Grande parte das pessoas, diz ela, não contribuiu porque estavam envergonhada ao compartilhar seus problemas com desconhecidos à sua volta. A pesquisa da UNIJUÍ mostrou que 21,1% dos profissionais sentem que faltam oportunidades para discutir sentimentos sobre o trabalho.

Atualmente não está estabelecido, por lei, a obrigatoriedade do suporte emocional a profissionais de saúde. Mas um Projeto de Lei 4.748/2023, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB), garante o direito dos profissionais a um atendimento psicológico em seu ambiente de trabalho, tramita no Congresso. O PL também estipula que as unidades de saúde tenham políticas próprias para prevenir situações de estresse emocional em seus colaboradores.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

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