Comportamento

Espelho, espelho meu

As roupas têm o poder de influenciar a autoestima

Isabella Piana
Narrativas em Detalhe

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A moda é um mecanismo de autoexpressão | Exposição Heitor Dos Prazeres É Meu Nome, no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro | Foto: Isabella Piana

No filme Cinderela (1950), a princesa recebe uma mudança em seu visual, transformado por sua fada madrinha. O que antes era uma roupa esfarrapada torna-se um dos mais famosos vestidos de baile da ficção. Após esse acontecimento, a personagem fica mais feliz com a sua própria aparência.

Das telas para a vida real, as roupas são capazes de influenciar a autoestima das mulheres. Mas como a moda ajuda na autoestima? Uma historiadora e atriz, uma professora na área e uma psicóloga explicam como a moda ajuda na construção da autoestima e de uma identidade emancipadora da mulher e da comunidade LGBT+.

O que se sabe sobre autoestima é que a nossa identidade é feita pelo olhar tanto interno quanto externo”
Debora Elman, professora de moda

A construção da autoestima passa por uma fusão entre percepções internas e externas. “O que se sabe sobre autoestima é que a nossa identidade é feita pelo olhar tanto interno quanto externo”, explica a arquiteta Debora Elman, professora aposentada de moda do Senac- RS. Quando uma mulher possui baixa autoestima, há um sentimento de deslocamento. “Se a pessoa está com baixa autoestima, ela vai se olhar e não se encontrar ali, porque está com uma percepção do eu muito abaixo das expectativas dela”, diz a professora.

Outra abordagem para a questão da autoestima ocorre quando a mulher rompe com o ciclo de se ver como “desenquadrada” no meio social. “Se ela começar a usar [a moda], mesmo que não goste ou se importe, ela começará a ser vista de uma forma diferente. Então, ela vai, aos poucos, quebrando essa questão de baixa autoestima ao encontrar um ciclo positivo”, explica Debora. Por fim, o encontro de um ciclo positivo possibilita a melhora da autoimagem.

Sempre em transformação

Essa relação entre a moda e a autoestima feminina passou por transformações significativas ao longo da história. “No contexto ocidental, à medida que as mulheres começaram a sair do âmbito doméstico e a entrar no mercado de trabalho, a moda começou a se adaptar a essa mudança”, diz atriz e historiadora Verônica Sankofa, dona de um perfil sobre moda no Instagram, @veronicasankofa. A entrada das mulheres no mercado de trabalho e a luta pelos seus direitos acarretaram o surgimento de uma moda mais independente e confortável. “Os espartilhos, vestidos e saias, que antes restringiam fisicamente e simbolizavam a falta de liberdade, começaram a perder espaço”, afirma a historiadora.

As mulheres adotaram as calças, peças anteriormente pertencentes apenas ao guarda-roupa masculino. Isso refletia a nova posição que elas estavam conquistando na sociedade, o que contribuiu para uma maior independência e autoestima. “Essas mudanças foram sentidas por todas as mulheres, apesar das diferentes realidades raciais, sociais e econômicas de cada grupo”, acrescenta Verônica.

A moda desempenha um papel fundamental na construção da identidade ao facilitar a expressão do eu. “Ela é uma forma de autoexpressão, carrega nossa história e identidade, reflete quem somos e como nos posicionamos no mundo”, explica. Cada vez mais, as roupas tornam-se uma ferramenta que empodera as mulheres. “No entanto, em uma sociedade machista e misógina, nem sempre se vestir como gostaríamos é bem-visto ou aceito”, destaca a historiadora.

A moda possui uma grande influência na vida dos fashionistas. De acordo com o estudo realizado pela Mindminers em 2022, 90% concordam que a maneira de se vestir impacta diretamente na autoestima e contribui para um senso de identidade mais aflorado. Isso faz com que eles expressem tudo o que são, sentem e buscam por meio das roupas. Ademais, o conforto torna-se uma prioridade na hora da escolha das peças devido à grande segurança no momento de se vestir.

Um sinônimo de comunidade

A palavra “moda” se tornou um sinônimo de “comunidade” ao possibilitar a sensação de pertencimento. Em entrevista ao Jornal da USP, a psicóloga Débora Blaso afirma que a imagem pessoal funciona como uma ferramenta que ajuda na construção de vínculos sociais, o que ocasiona um impacto direto no comportamento social e na sensação de pertencimento. A reafirmação do estilo próprio perante à sociedade pode ser um mecanismo de libertação para pessoas da comunidade LGBTQIA+, por exemplo, e contribuir para a autoestima dos mesmos indivíduos.

A moda está em constante transformação e é parte fundamental da construção da identidade pessoal. “O nosso estilo tem correlação com a construção da nossa identidade, ele vai se transformando ao longo da vida, à medida que a identidade vai se aperfeiçoando”, diz Débora. As escolhas que fazemos em relação às roupas que vestimos não são por acaso. Ao vestir-se, o bem-estar com o próprio corpo deve estar sempre em primeiro lugar. “A gente tem muito mais controle sobre a relação individual com o nosso corpo do que sobre as impressões do outro. Quando a gente fala de autoestima e bem-estar, a relação com a própria imagem é muito mais importante”, ressalta a especialista.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo FABICO/UFRGS

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