Por trás do cuidado

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5 min read1 day ago

Desafios enfrentados pelos familiares que cuidam de idosos com Alzheimer

O trabalho invisível entregue por cuidadores não formais de idosos com Alzheimer. Fonte: Freepik

O envelhecimento da população fez aumentar o número de idosos com Alzheimer, criando uma categoria informal de trabalhadores: os familiares que se transformam em cuidadores de pais, avós e tios com a doença. Aos profissionais há recursos, como salários e benefícios, mas os cuidadores informais muitas vezes abandonam seus afazeres para se dedicar 100% ao cuidado.

Uma pesquisa, publicado pela revista Enfermagem Brasil, ouviu 69 cuidadores familiares e revelou que. 59,4% disseram estar sobrecarregados devido ao cuidado prestado ao idoso com Alzheimer e 58% não exerciam atividade remunerada. Não receber um salário agravou. a sensação de sobrecarga. Ou seja, muitos enfrentam dificuldades financeiras e falta de apoio formal, o que pode levar ao isolamento social, fator que contribui para o aumento do estresse e problemas de saúde mental entre os cuidadores informais.

COMPREENDENDO O ALZHEIMER

A doença de Alzheimer é a forma mais comum de demência em todo o mundo. Ela é identificada por uma série de mudanças no cérebro que causam danos cerebrais. Um dos sintomas principais é a perda de memória, além de confusão e apatia. Não há cura, mas existem medicamentos e estratégias de monitoramento que auxiliam na melhora dos sintomas provisoriamente.

O Alzheimer afeta milhões de pessoas ao redor do mundo. Segundo a Biblioteca da Saúde, cerca de 1,2 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de demência no Brasil e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano. O efeito da doença se torna cada vez mais explícito, não apenas no enfermo, mas também em seus cuidadores, que recebem uma pressão intensa na busca de oferecer cuidados e dedicação para seu ente querido.

Psicóloga na área de saúde mental de adultos e idosos, Solange Mezzaroba explica que, na maioria das vezes, os custos são muito altos para a família arcar com a contratação de. um cuidador profissional. Assim, os familiares acabam assumindo a tarefa, o que gera uma inversão de papéis.

Além dos custos, há uma segunda perda, de outra natureza: uma perda emocional, que agrava ainda mais a sobrecarga para o cuidador. Devido ao distanciamento do idoso da realidade, o cuidador familiar também perde a identidade paterna ou materna. “Acontece uma perda simbólica. A pessoa não morreu, mas ela não é mais a mesma, e isso já é um impacto psicológico muito grande nos cuidadores familiares”, diz Mezzaroba.

“Ninguém está preparado para ver quem você ama perder a essência de quem é”

Milena Silveira, cuidadora de sua avó com Alzheimer

Em uma pesquisa realizada pela Revista Saúde Mental Álcool e Drogas (SMAD), após o início das atividades de cuidados, dentre 50 cuidadores entrevistados, 24% relataram problemas. psicológicos como aumento de estresse, nervosismo, angústia e depressão, e 14% relataram aumento de cansaço e preocupações.

Os dados destacam que a carga emocional e física associada ao papel do cuidador necessita de estratégias de intervenção eficazes, pois o ato de cuidar sem o apoio necessário leva ao esgotamento emocional. “Os familiares acabam tendo uma sobrecarga emocional e, quando esses cuidadores de idosos não cuidam da sua saúde mental de maneira adequada, isso acaba afetando o cuidado com aquele familiar”, diz a psicóloga.

Quando sintomas de um desgaste emocional aparecem, não se pode ignorá-los. Para Mezzaroba, o cansaço e a ansiedade são normais perante a um diagnóstico que muda para sempre as vidas dos que estão ao redor. Entretanto, é necessário buscar serviços de apoio, pois o estresse e o excesso de demandas diárias podem acabar interferindo no cuidado com o idoso e levar até ao descaso com o familiar.

NA PELE DO CUIDADOR

A autocobrança, o medo e a responsabilidade andam lado a lado na tarefa de cuidar. A responsabilidade é grande: o desejo de entregar à pessoa aquilo que um dia ela te entregou parece um chamado diário. Quando essa situação é observada de fora, não é possível entender seu sentido diário. “Acho que é muito importante que as pessoas se interessem mais sobre esses assuntos, entendam e acolham mais quem passa por isso, porque os julgamentos podem vir de todos os lados, mas só quem está ali no dia a dia sabe o quão difícil é”, diz Milena Silveira, cuidadora de sua avó que possui Alzheimer.

Cuidadores de idosos com Alzheimer se sentem apreensivos e exigentes consigo mesmo. Fonte: Freepik

Quando se recebe o diagnóstico, é impossível conseguir controlar a preocupação e a ansiedade pelo desconhecido. “Ninguém está preparado para ver quem você ama perder a essência de quem é”, completa Silveira, com a voz embargada. “Fui obrigada a amadurecer muito e bem cedo. Tive alguns problemas com a ansiedade, que fui tratando ao longo do tempo, porque infelizmente temos que aproveitar o tempo que temos com ela”.

A avó de Milena era responsável por cozinhar para elas, mas, por diversas vezes, Silveira relata que sua avó colocou potes de plástico e chaleiras elétricas no fogão, o que fez a jovem perceber que precisava amadurecer. “As mudanças são no cotidiano mesmo, sabe? Eu tinha 16 anos quando tudo começou, de repente a minha avó já não conseguia mais tomar conta de si, então eu e minha mãe tivemos que parar tudo para cuidarmos dela.” Silveira conta que mesmo com o apoio, passa a maior parte do tempo sozinha com sua avó.

O diagnóstico mostra que tudo mudará. Mas quem está preparado para enfrentar as mudanças? Para a neta, a falta de apoio às famílias cuidadoras é um grande problema a ser enfrentado, “Não tenho apoio dos serviços de saúde que ajudem a lidar com isso, além dos serviços da comunidade serem muito escassos para esse tipo de doença”, diz.

Apesar do Brasil ter algumas associações e federações voltadas às famílias com idosos com Alzheimer, os recursos são desconhecidos por alguns cuidadores como Milena. Quando perguntada a sobre o seu conhecimento sobre o. World Alzheimer Report. (Relatório Mundial do Alzheimer), onde são divulgadas informações cruciais para cuidadores, Milena disse desconhecer o documento.

O relatório é divulgado ano após ano e contabiliza mais de 100 mil casos novos registrados no Brasil anualmente É um relatório importante, mas não tem versão em português.

UM ALÍVIO PARA OS CUIDADORES

Elaine Mateus, presidente da Federação Brasileira de Alzheimer (Febraz), disse, sim, haver menos poucos recursos voltados aos cuidadores. Mas a Febraz oferece o curso “Zelar”, que é online, gratuito e reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). “O curso tem abordagens psicossociais, onde o foco não é a doença propriamente, mas as condições em que essa pessoa vive e principalmente como o familiar pode cuidar do idoso de uma forma mais humanizada”, explica.

A presidente pontua haver ainda. um caminho a ser trilhado, mas que a Febraz, junto a outras associações, está buscando melhorias nas políticas públicas para os cuidadores. “Um ponto importante é o cuidador poder ter esse tempo não remunerado considerado para sua aposentadoria”, explica. “Todo esse trabalho de políticas públicas que a gente tenta construir dá base para que esses cuidadores tenham qualidade de vida”, conclui Mateus.

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