EDUCAÇÃO

Procuram-se pesquisadores

Júlia Ritt
Narrativas em Detalhe
6 min read1 day ago

--

Entre falta de interesse, desvalorização da profissão e desmotivação financeira, sobram vagas e universidades fecham programas de pós-graduação

Em 2020, a Plataforma Sucupira registrou 21% de vagas ociosas no mestrado e 25% no doutorado. | Fonte: Pexels

Poucos alunos chegam na universidade vendo a carreira de cientista como uma possibilidade. Anos de um cenário de desvalorização social e financeira da ciência desmotivaram uma geração de graduandos, e a falta de interessados é hoje uma realidade dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) no Brasil.

“Vivemos em um momento de negação da ciência. A informação está em todo lugar. A academia é muito questionada”, afirma a professora Ana Paula da Rosa, que era coordenadora do PPG em Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) quando o programa foi desativado junto com outros 11 da instituição em 2022. A descontinuidade em programas científicos, as vagas ociosas em universidades e a desvalorização da ciência como colocação profissional preocupam pesquisadores, que ponderam o futuro da pós- graduação no Brasil.

Existe crise?

O número de matrículas ativas na pós-graduação parece continuar subindo. O problema é que, depois da pandemia, alguns pós-graduandos estão demorando mais para concluir seus cursos. Portanto, esse aumento é artificial, já que as matrículas ativas acabam se acumulando, enquanto o número de novos alunos cai.

Na realidade, o número de ingressantes de 2022 se assemelha ao patamar de 2015. Esse dado foi apresentado no Plano Nacional de Pós-Graduação preliminar para consulta pública (PNPG 2024–2028). O PNPG é desenvolvido pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a organização do Ministério da Educação que consolida a pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) no país.

Matrículas ativas dos PPGs stricto sensu no Brasil entre 2015 e 2022

Fonte: Plataforma Sucupira (Capes), PNPG 2024–28

Segundo o Plano Nacional, o mais óbvio motivo da queda no crescimento de ingressantes e titulações foi a pandemia e suas consequências sociais e econômicas. Abílio Baeta Neves, ex-diretor da Capes e grande oficial da Ordem Nacional do Mérito Científico, aponta, no entanto, que a tendência de queda no interesse pela pós-graduação não se iniciou em 2020. A crise sanitária apenas acelerou o que já estava acontecendo. No âmbito econômico, deve-se considerar que as bolsas, reajustadas em 2023, não tinham sido atualizadas desde 2013, e o orçamento da Capes diminuiu em todos os anos entre 2015 e 2022.

Orçamento da Capes, pós-graduação e educação básica, entre 2011 e 2023.

Fonte: DPB/ Capes, PNPG 2024–28

Segundo o PNPG, os motivos da redução de ingressantes são diversos: baixa atratividade da carreira científica, saturação de programas de pós-graduação, expansão das modalidades de ensino a distância (EAD), elevadas taxas de evasão e a falta de interesse por pesquisa. O resultado é claro: em 2020, a Plataforma Sucupira, utilizada para avaliar a produção científica dos PPGs, registrou 21% de vagas ociosas no mestrado e 25% no doutorado.

Mais que um título: pesquisa é trabalho

A queda no interesse não foi em todas as frentes, no entanto. As modalidades de mestrado e doutorado profissional demonstram uma subida leve, e programas de especialização (lato sensu) em EAD subiram 288% entre 2020 e 2021. Apesar de um desinteresse na pesquisa, é evidente a procura por uma maneira de se inserir no mercado de trabalho.

“A pós-graduação não é para todo mundo, e se pensava que sim. Você acha que tem que fazer. Mas você quer?

Alessandra Bianchi, coordenadora da PPG em Psicologia na UFPR

Alessandra Bianchi, coordenadora da PPG em Psicologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ressalta que no Brasil a pesquisa ainda é pouco valorizada como carreira. A professora comenta que não é incomum que alunos da pós-graduação escutem de seus pais a pergunta “quando você vai trabalhar?”. Ela explica que ser pesquisador é uma profissão como qualquer outra, e existe um perfil para segui-la.

A pós-graduação cumpre um grande papel na fomentação de pensamento crítico, oferecendo uma leitura do mundo: “A academia é um lugar a ser criticado. Você senta em uma banca para ser criticado. É seu cotidiano, tem que ser resiliente”, afirma Alessandra. É preciso que o aluno esteja disposto a entrar neste mundo. “A pós-graduação não é para todo mundo, e se pensava que sim. Você acha que tem que fazer. Mas você quer?”

De qualquer maneira, a professora acredita que a universidade não deve apenas responder às necessidades do mundo corporativo: “Se não, não fará inovação, a pesquisa do futuro”. A produção de conhecimento e o mercado laboral caminham em ritmos que não combinam, mas se complementam. “A pesquisa também é não encontrar”, afirma a professora.

Mesmo quando a pesquisa não é a ocupação final do aluno, agrega grande valor ao profissional. A pós-graduação é muito mais do que um título. Saber buscar informação, exercitar o pensamento crítico, simplificar teorias para ensiná-las, organizar ideias de maneira sistemática — segundo Alessandra, existe espaço no mercado para essas competências.

“Falar sobre isso é importante”

Outro sintoma da crise no interesse é a desativação de Programas de Pós-Graduação já existentes. Foi o que viveu a pesquisadora Ana Paula da Rosa, que viu o PPG em comunicação que coordenava fechar quando a Unisinos desmontou 12 de seus 26 programas. A tradicional universidade do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul, alegou a pretensão de promover o seu equilíbrio financeiro após uma significativa redução do número de matrículas, resultante da crise econômica na pandemia.

A professora realizou seu mestrado na Universidade Tuiuti do Paraná e seu doutorado na Unisinos. Hoje, ambos os programas estão em processo de desativação. “Eu sigo na pesquisa, mas os programas que me formaram, não”, conta Ana Paula. “É duro. Me sinto órfã.” Ela, que hoje é professora da Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o fechamento foi contraditório em relação à performance do PPG que coordenava, que tinha nota máxima pela Capes, conceito que apenas outros dois programas de comunicação possuem no Brasil: a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal Fluminense (UFF).

Para os professores que dedicaram suas vidas ao desenvolvimento dos programas, a desativação é desoladora. O PPG em comunicação da Unisinos completava 30 anos, e alguns profissionais o acompanharam por todo esse período. Depois de décadas de engajamento na pesquisa, recomeçar a carreira é difícil. “É como se tirasse o chão”, afirma Ana Paula. “É a sua vida, fazer pesquisa”.

É claro que os programas não somem, simplesmente. Após a decisão da universidade, é enviada à Capes uma solicitação de desativação. É criado um plano que prevê a conclusão dos projetos de todos os alunos já dentro do programa sem nenhum novo participante. Para os alunos que continuam suas formações, resta determinação: “Apesar do impacto, não se perdeu o foco em fazer pesquisa de qualidade. É um compromisso que não é com a Unisinos. É com a sociedade”, diz Ana Paula.

No mesmo ano do fechamento de programas na Unisinos, a Portaria 201/2022 publicada pela Capes regulamentou procedimentos de mudanças em PPGs pela primeira vez na legislação. Segundo Ana Paula, a lei é hoje muito criteriosa na abertura de programas, mas não em seu encerramento.

Por esse motivo, a professora se uniu a pesquisadores da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) para criar um grupo de trabalho para problematizar as desativações, o “GT continuidade”.“Não sei o que a gente vai tirar desse grupo, mas só o fato de ter pessoas discutindo o futuro da pós-graduação já é um passo importante”, diz Ana. “Falar sobre isso é importante.”

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

--

--