SAÚDE

Quando a arte se torna terapia

Júlia Cristofoli Campos
Narrativas em Detalhe
6 min readAug 26, 2024

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Conheça mais sobre o psicodrama, a biodança e a arteterapia, abordagens terapêuticas que utilizam recursos artísticos em suas sessões

A arte auxilia na prevenção e no tratamento de doenças mentais | Foto: Pixabay

Desde a Antiguidade, a arte vem sendo usada como um meio de expressão para a humanidade. De gravuras em cavernas à confecção de artesanatos, criar sempre foi um meio de demonstrar as crenças e vivências de diferentes povos e culturas. Existem inúmeras comprovações científicas acerca dos benefícios da arte. Uma das pesquisas mais recentes sobre essa temática foi realizada em 2019 pelo “Escritório Regional para a Europa”, da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O levantamento indica que, devido aos estímulos cognitivos e à ativação dos sentidos sensoriais, a arte previne o aparecimento de doenças mentais e pode auxiliar no tratamento de transtornos psicológicos. Tendo em vista esses benefícios, a psicologia incorporou a arte em algumas de suas abordagens e, assim, foram criadas a arteterapia, a biodança e o psicodrama.

A arteterapia: como funciona

O termo “arteterapia” foi criado pelo artista britânico Adrian Hill em 1942. Foi ele quem observou os benefícios terapêuticos de desenhar e pintar durante o período de recuperação de tuberculose. No entanto, foi a educadora estadunidense Margareth Naumburg, que estudava sobre esse tema durante o mesmo período, que associou a arteterapia à teoria psicanalítica.

Especialista em arteterapia há 20 anos, Marilice Costi percebe mudanças de comportamento e o cultivo de autocuidado e autoacolhimento em seus pacientes. Segundo ela, qualquer material pode ser utilizado, e essa flexibilidade auxilia os pacientes a externarem suas emoções com facilidade. “A arteterapia tem essa vantagem: quando você põe no papel, aquela emoção que está aqui dentro, ela não está aqui. Está fora de você. Então isso já é um processo, também, de cura”, comenta. Ela esclarece que a arteterapia é um curso de pós-graduação e pode ser feito por profissionais de qualquer área.

“Eu posso ajudar a ampliar o conhecimento de uma metáfora, mas eu não sou aquela que decide o que ela traz, porque aquilo ali é o inconsciente do paciente”

Marilice Costi, arteterapeuta

As sessões podem ser individuais ou em grupo e duram cerca de uma hora, mas se excedem a depender do paciente. As técnicas utilizadas, segundo Marilice, variam de acordo com o que a pessoa faz e com o que se deseja proporcionar internamente para ela. Dentre elas, há a escrita, a percepção e o movimento corporal.

Além disso, os arteterapeutas podem auxiliar os psiquiatras de seus pacientes, contando sobre o que suas sessões revelam sobre as emoções e relatando sobre o efeito colateral dos medicamentos receitados. Para detectar essas questões, Marilice destaca o envolvimento do paciente. “Eu posso ajudar a ampliar o conhecimento de uma metáfora, mas eu não sou aquela que decide o que ela traz, porque aquilo ali é o inconsciente do paciente”, afirma ela.

Qualquer material pode ser utilizado em uma sessão de arteterapia | Foto: Freepik

Encenar e dançar para ressignificar

A arteterapia não é a única das modalidades terapêuticas que utilizam recursos artísticos. Além dela, existem também a biodança, uma terapia complementar, e o psicodrama, uma intervenção da psicologia clínica. Em ambas, a abordagem terapêutica exige um diploma em psicologia, mas profissionais de outras áreas podem aplicá-las em contextos não-clínicos.

Luísa Canfield, especialista há sete anos em sociopsicodrama pelo Instituto de Desenvolvimento Humano (IDH), explica como as duas técnicas se aproximam: “Ambas carregam em comum a prioridade da ação. Nesses dois métodos, a gente valoriza a ação ao invés da fala”.

Na biodança, a construção do exercício é baseada em cinco linhas de vivência: afetividade, criatividade, vitalidade, sexualidade e transcendência. Há a possibilidade de mesclar uma linha com outra ou focar apenas em uma. Em um primeiro momento, ocorre uma roda verbal onde o psicoterapeuta propõe um tema ou permite que todos falem livremente sobre suas emoções.

Em seguida, inicia-se a parte vivencial, em que ocorrem as chamadas vivências integradoras. “É uma integração entre pensar, sentir e agir. Às vezes, de forma geral, o ser humano dissocia um pouco essas três questões”, explica Luísa. Para alcançar esse fim, os pacientes podem dançar sozinhos ou em dupla, mas o foco sempre será no coletivo o grupo como um todo. As sessões são sempre em grupo e incluem, no mínimo, seis pessoas, durando cerca de duas horas.

No psicodrama, no entanto, não existe apenas a opção de terapia em grupo: há também a individual. As sessões individuais são chamadas de psicodrama bipessoal, pois o terapeuta também é envolvido no processo, e duram cinquenta minutos. Em grupo, duram cerca de duas horas. Em qualquer uma das formas, o método utiliza três etapas: aquecimento, dramatização e compartilhamento.

O aquecimento proporciona uma preparação emocional para a chamada “vivência principal” e é essencial para que o paciente se prepare para abordar seus conflitos internos. Nele, o terapeuta guia o indivíduo para que ele se expresse com calma, relatando episódios de sua vida. A segunda etapa é a ação dramática em si, onde é possível abordar uma ocorrência individual, chamada de cena, e criar uma realidade suplementar, ressignificando o evento.

Quando realizada em grupos, surge um protagonista: um paciente que se sobressai no aquecimento e que, por conseguinte, torna-se o personagem principal da cena abordada. Junto dele existem os “egos auxiliares”, intérpretes secundários que ele convida para compor a cena. Neste momento, o papel do psicoterapeuta se assemelha ao de um diretor teatral, pois é ele quem orienta os participantes. As cenas sempre refletem acontecimentos reais e, por isso, trazem à tona sentimentos difíceis que, muitas vezes, estão reprimidos.

A terceira e última etapa de uma sessão de psicodrama é denominada “compartilhar”. O nome é autoexplicativo: nela, todos os envolvidos falam suas observações e sobre como foi a experiência. Emoções também são discutidas. Para os grupos de estudo de psicodrama, há também a etapa de processamento, na qual cada fase é avaliada e estudada.

Segundo Luísa, ao trabalharem com a vivência, o psicodrama e a biodança se tornam mais integrativos, do ponto de vista neurológico, com os conflitos dos pacientes. Eles propiciam uma integração em três zonas cerebrais: o córtex pré-frontal, associado à racionalidade, o límbico, na qual imperam as emoções, e o reptiliano, responsável por instintos e sensações.

Aos olhos de quem é visto

Paciente de Marilice há dois anos, Lisiane Licht a conheceu em 2014 em um congresso sobre autismo realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ambas conversaram um pouco mais em 2016, quando a arteterapeuta entrevistou Lisiane e sua mãe, que cuidava do marido com câncer. Como mães de filhos autistas, ambas se reconectaram em 2022, quando iniciaram as sessões. “Sinto o apoio sincero de alguém que entende a minha vida de mãe atípica”, explica.

Segundo Lisiane, as sessões de arteterapia a beneficiaram mais do que as terapias convencionais que fazia antes. Ela diz que não sabia como falar dos seus sentimentos nos tratamentos anteriores e, quando sabia, sentia-se angustiada. “A arteterapia é uma forma flexível, não sinto pressão por resultados. Eles vêm naturalmente”, relata.

Durante o tratamento, ela percebeu que exigia demais de si mesma e se sentia insegura por não atingir suas metas e sonhos. Isso se refletia até nas sessões. “No início, queria fazer bonito. Ela me explicou que, para ser espontânea, não precisava ser bonito ou correto o meu trabalho”, conta Lisiane. Hoje, além de resgatar uma habilidade já esquecida de desenhar e pintar, ela nota que consegue se expressar melhor através de imagens e sai de casa com mais frequência.

A abordagem artística na psicoterapia torna-se uma alternativa para aqueles que não se adaptaram aos métodos tradicionais. Afinal, a arte não só desperta emoções, mas também pode auxiliar na cura. 

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

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