Educação

Saber extraordinário

Conheça a importância das atividades extracurriculares na trajetória acadêmica dos universitários

Izadora Leal Domingues
Narrativas em Detalhe

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A universidade é lugar de amadurecimento, mas também é rede de apoio| Foto: Freepick.

Muitas vezes as atividades extracurriculares proporcionam o primeiro contato entre os estudantes universitários e a prática de sua futura profissão. Esse é o caso de Mariana Gauer, aluna do 5º semestre de Fisioterapia. Incentivada em sala de aula por uma professora, ela foi em busca de um espaço em que fosse capaz de expandir sua formação e hoje é membro do projeto de extensão Avaliação Postural para a Comunidade. A atividade ocorre no Campus da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No grupo, os alunos aprendem e exercitam o raciocínio clínico, processo onde os profissionais determinam um diagnóstico e os métodos para o tratamento, algo que ela e seus colegas não teriam como praticar se fizessem apenas a formação tradicional. “São as coisas que a gente vai ter na vida profissional. Se tem uma pessoa, ela é tua responsabilidade, ela confiou no teu trabalho”, explica.

As atividades extracurriculares são aquelas nas quais os universitários se inscrevem para desenvolver um trabalho, normalmente prático, que eles não teriam a oportunidade de desempenhar na sala de aula. As próprias universidades oferecem projetos nesse formato, onde os alunos podem atuar de forma voluntária ou recebendo o auxílio de uma bolsa.

Aline Daniel é diretora comercial da Quimlabor Jr., Empresa Júnior da Faculdade de Química da UFRGS, que desenvolve análises e consultorias personalizadas para empresas. Formada como técnica em agroecologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Aline procurou espaços que complementam seu currículo logo ao entrar na UFRGS. “Na carta de serviços deles, muitos batiam com a minha futura formação em biomedicina e a outra parte batia com o que eu já sou formada”, comenta. Aline explica que a QuimLabor Jr. proporciona a ela a interação entre os conteúdos vistos em sala de aula e a prática do mercado.

A experiência relatada por Mariana e Aline é similar aos casos apresentados no estudo denominado “Percepções de Estudantes Universitários Sobre a Realização de Atividades Extracurriculares na Graduação”, desenvolvido pelas doutoras em psicologia Clarissa Oliveira, Anelise dos Santos e Ana Dias. Segundo a pesquisa, ao realizar atividades extracurriculares com o apoio de professores, o universitário desenvolve a independência instrumental, caracterizada pela capacidade e confiança para executar tarefas e resolver problemas que pode enfrentar no mercado de trabalho. “As atividades extracurriculares vão variar de acordo com o curso que o aluno faz, mas o que é comum aos alunos que fazem essas atividades é desenvolver um senso maior de autonomia. A atividade extracurricular depende dele ‘se mexer’”, diz Clarissa.

Saúde mental dos estudantes

Dentro e fora dos ambientes acadêmicos, o diploma representa mais do que um papel. É o sonho de alguém e possivelmente de sua família. Para alguns, a entrada na universidade é a parte mais difícil. Para outros, é a permanência. Gastos com alimentação e deslocamento, longas horas no transporte público, mudança de cidade e até de estado são algumas das dificuldades enfrentadas pelos alunos.

Segundo estudo dos pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB) Thaís Fragelli e Ricardo Fragelli, quase 80% dos universitários lidam com situações de estresse diário. Thaís é doutora em ciências da saúde e Ricardo, em ciências mecânicas, e, na pesquisa que realizaram, identificaram que alunos com estresse, ansiedade e depressão podem enfrentar dificuldades de interagir com outras pessoas e se posicionar profissionalmente. Nesses momentos, as atividades fora da sala de aula podem tanto ajudar na socialização quanto serem prejudiciais, caso o aluno fique sobrecarregado com a quantidade de tarefas assumidas.

Essa é a experiência de Lucas Coletti, estudante do 4º semestre de Publicidade e Propaganda da UFRGS, que morava em São Leopoldo, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre, mas precisou se mudar para a Capital para ficar mais fácil de frequentar as aulas. Ele é bolsista voluntário no Núcleo de Ensino e Produção em Televisão (NEPTV) e integrante do grupo de comunicação da Atlética dos Coiotes, organização estudantil que busca integrar a comunidade acadêmica através de eventos sociais e esportivos. Os dois trabalhos são realizados na Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Fabico) da UFRGS. Lucas diz que em vários momentos se “empolgou com as atividades” e pegou uma carga horária extracurricular maior do que era capaz, mas, ao longo dos semestres, entendeu seus limites. “Agora estou bem.”

“A universidade não é só adoecedora”.

Clarissa Oliveira, doutora em psicologia.

A pesquisadora Clarissa pontua que, durante o curso universitário, os alunos estão vivendo a transição para a vida adulta: “Seguimos com a lógica do colégio, sem tanta responsabilidade. Depois a ficha cai. É um tipo diferente de aluno na universidade. Já estamos construindo a nossa vida profissional”. Apesar dessas dificuldades que marcam a transição, ela destaca a importância do ambiente universitário para os jovens: “A universidade não é só adoecedora. É um lugar que tem muita oportunidade de crescimento, de descoberta”.

Lucas diz que, tanto no NEPTV, quanto na atlética, conheceu muitas pessoas, e isso ajudou no sentimento de pertencimento dentro da universidade. Ele tem parentes em Porto Alegre, os quais chama de sua rede de apoio, mas acredita que ter amigos no ambiente acadêmico auxiliou na transição entre as cidades.

A experiência de fazer amigos e contatos profissionais é um tema recorrente nas atividades de extensão ofertadas pela universidade. Mariana também destaca a integração entre os colegas do projeto de avaliação postural do qual participa. “Fazemos confraternizações, festa de final do ano e tudo.” Ela conta que a maior parte dos alunos trabalha voluntariamente e está ali pela satisfação pessoal e acadêmica. “A gente consegue ter contato com os veteranos, calouros, alunos de mestrado e doutorado, fora os professores.” Na sua experiência, passar pela universidade e não participar de atividades extracurriculares pode ser solitário.

Aline diz que a integração na Quimlabor Jr. acontece desde o primeiro contato com a equipe, e isso é um fator essencial para a permanência. “Eu pude realmente me apoiar naquelas pessoas e isso foi muito bom para mim.” Após as enchentes que ocorreram no Rio Grande do Sul em maio deste ano, houve uma rotatividade de participantes na empresa júnior, e o grupo está em fase de readaptação com os novos membros. Apesar disso, ela considera a empresa um espaço muito amoroso e afetivo. “A gente realmente faz amigos ali dentro. Posso contar com eles para o pessoal e o profissional”, diz ela. Para além do ambiente acadêmico, Aline relata expectativas, responsabilidades e desafios do trabalho em equipe, que pode ser estressante, mas é recompensador.

Atividades extracurriculares na UFRGS

Os desafios apresentados nos espaços extracurriculares costumam estimular o desenvolvimento de vínculos, amadurecimento e autonomia dos estudantes. Apesar disso, nem todos os alunos conhecem a ampla variedade de atividades ofertadas nas universidades.

Um exemplo é a atuação nos diretórios estudantis, espaços em que os estudantes debatem suas demandas dentro das instituições de ensino. Outras possibilidades são os clubes de estudos e as monitorias de disciplinas, que promovem o aprendizado conjunto. As atléticas fazem a integração entre esportes, cultura e eventos estudantis. Há também as empresas juniores, geridas por estudantes, que oferecem serviços de forma prática, unindo diversos conhecimentos e possibilitando a pluralidade de cursos em uma mesma atividade. Por fim, com os programas de mobilidade acadêmica o estudante tem a oportunidade de vivenciar a experiência acadêmica em outro estado ou país.

Além dessas, algumas outras formas, como cursos, oficinas e palestras, também fazem parte da oferta das instituições. As atividades extracurriculares normalmente estão inseridas na tríade pesquisa, ensino e extensão. Os três constituem a essência das universidades e de seu caráter socioeducacional. Menos conhecida fora das universidades, a área da extensão é justamente a que aproxima as comunidades interna e externa e que leva os outros dois pilares para fora das salas de aula, difundindo os conhecimentos técnicos e acadêmicos e construindo uma ponte entre a academia e a sociedade.

Na UFRGS, os estudantes de todos os cursos podem desenvolver atividades nas três áreas de atuação. Esse direito é assegurado e incentivado pelo Ministério da Educação (MEC), por meio do Parecer Nº 67/2003, publicado no Diário da União. Ele pontua que um dos princípios das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação é “fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão, as quais poderão ser incluídas como parte da carga horária”. Nesses processos, os estudantes são beneficiados direta ou indiretamente pela produção que ajudam a desenvolver e, como mostram as experiências de Mariana, Aline e Lucas, podem ser ótimos espaços de socialização.

Produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de jornalismo Fabico/UFRGS

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Izadora Leal Domingues
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Não sei o que estou fazendo, mas estou fazendo alguma coisa! :)