A vida em contagem regressiva

Caio Mota
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6 min readMay 30, 2017
Queimada em terreno do Assentamento Mercedes. Área será inundada em 1 ano. foto: Caio Mota

A um ano de terem suas casas inundadas pelas águas do lago da usina hidrelétrica de Sinop, 204 famílias do ‘Assentamento Mercedes’, localizado no município de Sinop (MT), ainda não têm qualquer garantia dos seus direitos. Desde o início da construção das obras, há 3 anos, as pessoas que serão impactadas e terão que sair de suas casas sofrem com a falta de transparência da empresa Cia. Energética Sinop (CES), responsável pelas obras, em realizar um diálogo de negociação para indenização justa das famílias, uma obrigação da empresa determinada por lei para compensar e mitigar os impactos das obras.

A UHE Sinop está sendo construída no rio Teles Pires e faz parte do complexo de hidrelétricas que estão planejadas na região da Bacia do Tapajós. A previsão é de que sejam construídas 43 grandes usinas e 102 pequenas barragens no total impactando diretamente a vida de mais de meio milhão de pessoas e a biodiversidade desses territórios, segundo dados da International Rivers.

“Já faz 15 anos que estamos aqui e pra alagar nós vamos ser obrigados a sair”. José Teodoro, o ‘Grandão’, como é conhecido na região, é um dos primeiros moradores da área. Ele é agricultor e terá 93% do seu terreno inundado pelo lago da usina. Ele está sem nenhuma perspectiva para onde ir, não tem condições de conseguir outro terreno e a usina até o momento não definiu nenhum valor de indenização ou uma proposta de reassentamento de sua família em outro terreno.

José Teodoro, o ‘Grandão, produzindo queijo fresco em casa. Foto: Caio Mota

Segundo ‘Grandão’, a empresa já mudou 5 vezes a equipe de negociação nos últimos anos o que prejudicou ainda mais a tentativa de um diálogo transparente para indenização justa do seu terreno e das demais famílias da região. “Cada um que vem aqui fala uma coisa e até agora não temos garantia de nada”.

Foto: Caio Mota

Morador do ‘Assentamento Mercedes’ desde 1997, Daniel Schlindwein, também está na mesma condição de ‘Grandão’, mas ele vive uma situação diferente de todas as demais famílias que vivem na área. Essa é a terceira vez que ele é obrigado a sair de sua casa pelo governo.

Daniel Schlindwein no terreno ao lado de sua casa. Foto: Caio Mota

A primeira vez foi na década de 70 quando morava na cidade de Cascavel, no Paraná, e teve que sair de sua casa quando criança devido a construção do Parque Nacional do Iguaçu. Após serem reassentados, Daniel e sua família no ano de 1981 foram obrigados a sair da nova casa, pois o local foi inundado pelo lago da usina hidrelétrica de Itaipú. E agora ele se vê obrigado a sair da casa que vive, há quase 20 anos, com a família por conta da construção da UHE Sinop.

“Não se cumpre o social. Não se tem compromisso com as famílias atingidas de proporcionar uma vida melhor como eles mesmo pregam”, afirma Daniel ressaltando que sua família nunca recebeu uma indenização justa em todos os casos que foram obrigados a sairem de suas casas.

Daniel Schlindwein fala sobre o sentimento de viver em contagem regressiva para sair de sua casa.
Daniel Schlindwein alimentando a pequena criação de galinhas e porcos. Foto: Caio Mota
Advogada Juliana Batista conversando com ‘Grandão’. Foto: Caio Mota
Integrantes do MAB e da comissão dos atingidos da Gleba Mercedes na casa de ‘Grandão’. Foto: Caio Mota
Araras em terreno do Assentamento Mercedes que será inundado pela represa da UHE Sinop. Foto: Caio Mota

Na luta por direitos

Pequena arvore resistindo a queimada no Assentamento Mercedes. Foto: Caio Mota

Determinados em conseguir uma indenização justa para as famílias do ‘Assentamento Mercedes’ os moradores da região organizaram a ‘Comissão dos Atingidos da Gleba Mercedes’ que foi iniciada em junho de 2014.

Jairo Narciso, Daniel Schlindwein e Mauro Frieeze são moradores do assentamento que fazem parte da comissão. Segundo Jairo, a principal pauta hoje do grupo é garantir a titulação das terras junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A titulação é um direito dos assentados que é reivindicado há anos e que até hoje não foi concretizado, o que aumenta ainda mais a tensão de negociação com a empresa responsável pela UHE Sinop sobre as indenizações.

Jairo Narciso, Mauro Frieeze e Daniel Schlindwein (da esquerda para direita). Foto: Caio Mota

Tanto a comissão dos atingidos quanto diversas ações que vem sendo feitas para pressionar a garantia dos direitos das pessoas afetadas pela construção da UHE Sinop contam com a articulação do Fórum Teles Pires (FTP). Criado em 2010, o FTP é uma rede de proteção dos direitos humanos e da biodiversidade da região do rio Teles Pires. Os integrantes/mobilizadores do FTP são os indígenas, assentados da reforma agrária e ribeirinhos, que vivem nas áreas impactadas pelas construções de barragens, juntamente com movimentos sociais como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituições como International Rivers e o Instituto Centro de Vida (ICV), ativistas socioambientais e midiativistas.

Jairo Narciso em sua casa mostrando as documentações que guarda com as informações sobre a UHE Sinop. Foto: Caio Mota
Local da entrada do Assentamento Mercedes. Foto: Caio Mota
Membros da Comissão dos Atingidos da Gleba Mercedes em reunião com representantes do Movimento dos Atingidos por Baragem (MAB) e a advogada ativista Juliana Batista. Foto: Caio Mota
Jairo Narciso fala sobre as dificuldades no diálogo com a empresa responsável pela construção da UHE Sinop.

Aliança Teles Pires

encerramento do encontro ‘Somos Todos Atingidos’, em Alta Floresta. Foto: Caio Mota

Na última semana (5 e 6 de outubro), o Fórum Teles Pires (FTP) realizou o encontro ‘Somos Todos Atingidos’, ação que juntou na cidade de Alta Floresta (MT) cerca de 100 lideranças comunitárias indígenas e não indígenas, que vivem na região do rio Teles Pires, para trocar experiências e planejar ações de enfrentamento às violações de direitos humanos e ambientais cometidos pelas hidrelétricas situadas na Bacia do Tapajós.

O FTP é uma rede de proteção da região do rio Teles Pires que articula de forma inédita comunidades indígenas, ribeirinhos e assentados da reforma agrária que vivem nas áreas afetadas pelos grandes empreendimentos para construir ações de enfrentamento as violações sofridas por essas comunidades.

Atualmente apenas na região do rio Teles Pires e por toda a bacia do Tapajós, estão planejadas a construção de 43 grandes usinas e 102 pequenas barragens. Cerca de 890 mil pessoas serão diretamente impactadas.

Reunião de planejamento do Fórum Teles Pires. Foto: Caio Mota
Cacique João Mairawi da etnia Kaiabi em atividade de planejamento do Fórum Teles Pires. Foto: Caio Mota

Estiveram presentes no encontro lideranças das etnias Apiaká, Kaiabi e Munduruku, da região norte de Mato Grosso e do sul do Pará, representantes da Comissão dos Atingidos da Gleba Mercedes, membros do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), integrantes do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), a Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT), o Instituto Centro de Vida, a International Rivers, o Centro Popular do Audiovisual e diversos ativistas de direitos humanos e socioambientais.

Mesa de discussão sobre as hidrelétricas no rio Teles Pires. Foto: Caio Mota
Romildo Tukumã, liderança da etinia Apiacá, e filho participando do encontro ‘Somos Todos Atingidos’. Foto: Caio Mota
Brent Millikan falando sobre o livro ‘Ocekadi’. Foto: Caio Mota

O livro ‘Ocekadi: Hidrelétricas, Conflitos Socioambientais e Resistência na Bacia do Tapajós’ e o documentário ‘O Complexo’ que fala sobre os conflitos e as ações de resistência as violações de direitos cometidas pelas construções de barragens na Bacia do Tapajós foram apresentados no encontro e trabalhados como pano de fundo para subsidiar os debates sobre os próximos passos do Fórum Teles Pires, que definiu atividades de monitoramento, comunicação e ações no campo jurídico para serem trabalhados nos próximos meses.

Exibição do documentário ‘O Complexo’. Foto: Caio Mota
João Andrade mediando atividade com comunidades indígenas presentes no encontro do Fórum Teles Pires. Foto: Caio Mota
Apresentação do livro ‘Ocekadi’. Foto: Caio Mota
Atividade com lideranças indigenas Kaiabi, Apiacá e Munduruku que integram o Fórum Teles Pires. Foto: Caio Mota

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Caio Mota
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>>> jornalista >> produtor cultural > musico