José Pereira e o rio Teles Pires

ALIANÇA TELES PIRES

Fórum Teles Pires realiza atividades em aldeias das etnias Kayabi, Apiaká e Munduruku.

Caio Mota
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6 min readMay 30, 2017

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por Allan Gomes e Caio Mota para Fórum Teles Pires///Fotos: Caio Mota

O Fórum Teles Pires (FTP) realizou neste mês de fevereiro sua primeira ‘Caravana’ com uma série de ações integradas nas aldeias das etnias Kayabi, Munduruku e Apiaká. As atividades foram realizadas a convite dos indígenas e construídas conjuntamente com as comunidades. O objetivo destas ações são de fortalecer os grupos afetados pelas construções de Usinas Hidrelétricas (UHEs) e outros grandes empreendimentos no rio Teles Pires.

A ‘Caravana Teles Pires’ durou 15 dias e percorreu cerca de 500 quilômetros passando pelas aldeias Kururuzinho, da etnia Kayabi, aldeia Teles Pires, dos Munduruku e a aldeia Mayrowi, da etnia Apiaká.

Deslocamento da equipe da Caravana Teles Pires para as aldeias
Parte da equipe da Caravana Teles Pires

A ação faz parte da construção de uma aliança que iniciou em 2015 entre as 3 etnias com a participação e cooperação do Fórum Teles Pires. A proposta é que outras caravanas sejam realizadas ao longo do ano trabalhando atividades de monitoramento independente, acompanhamento jurídico e ações de comunicação.

Assembléia da aliança entre as etnias apiaká, munduruku e kayabi, em 2015 na aldeia Teles Pires. Em primeiro plano Romildo Tukumã Santana, liderança Apiaká da aldeia Mayrowi

O FTP é uma rede de proteção da região do rio Teles Pires que agrega forças políticas de movimentos sociais como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), instituições como International Rivers (IR), Instituto Centro de Vida (ICV), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat)Centro Popular do Audiovisual, ativistas socioambientais, comunidades indígenas, ribeirinhos assentados da reforma agrária e pesquisadores.

Em 2016 o FTP realizou uma série de encontros com as comunidades afetadas pelos grandes empreendimentos localizadas na região do rio Teles Pires com o propósito de trabalhar um planejamento de ações nos territórios impactados e fortalecer uma aliança pela proteção das populações que vivem no Teles Pires e da biodiversidade.

Reunião na aldeia Teles Pires
Reuniões na aldeia Kururuzinho
Laureci Munduruku, liderança da aldeia Teles Pires, denunciando os problemas

Atualmente na região do rio Teles Pires e por toda a bacia do Tapajós, estão planejadas a construção de 43 grandes UHEs e 102 Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Cerca de 890 mil pessoas serão diretamente impactadas.

Cacique da aldeia Mayrowi, Pedro Munduruku

Território

Na fronteira dos estados do Pará e Mato Grosso localiza-se o rio Teles Pires, um dos vários tributários da bacia do Tapajós. Nele estão previstas pelo menos quatro barragens para a construção de hidrelétricas.

Desde o final de 2010, deram início aos projetos previstos para a bacia do Teles Pires, na esteira de construções como Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, e Belo Monte, no Pará. Obras de alto custo econômico, ambiental e social, as hidrelétricas têm em Belo Monte o maior exemplo de quão danosas podem ser para o contexto das populações que vivem na região.

Canteiro de obras da UHE São Manoel. ano 2015

No rio Tele Pires, pelo menos três etnias são afetadas diretamente pelos projetos: Kayabi, Munduruku e Apiaká. Com construção iniciada no final de 2011, a usina Teles Pires encontra-se já em operação, e as demais como a UHE São Manoel já encontra-se em fase de implementação.

Valmira Munduruku durante reunião na aldeia Teles Pires
Imagens das reuniões realizadas nas aldeias Teles Pires (esquerda) e Kururuzinho (direita)

Desde a fase de estudos de viabilidade, em meados de 2010, as obras da UHE Teles Pires foram contestadas na Justiça. Pelo menos seis ações do MPF foram aprovadas pela justiça em favor das comunidades que vivem nestes territórios, mas todas foram revogadas por meio de ‘suspensões de segurança’, um mecanismo jurídico que existe desde o período da Ditadura Militar que é muito usado pelos governos para suspender decisões dos tribunais sobre a ilegalidade de grandes empreendimentos, como hidrelétricas, rodovias e portos.

O documentário ‘O complexo’ faz um registro histórico desse processo, conversando com os atingidos e com cientistas e movimentos sociais envolvidos na causa de proteção da diversidade socioambiental da região.

Exibição do documentário complexo nas aldeias Kururuzinho (esquerda) e Mayrowi (direita)
Exibição do documentário complexo na aldeia Teles Pires

Atualmente a luta dos povos presentes ao longo do rio Teles Pires consiste em: garantir as medidas mitigatórias, que são uma obrigação das empresas responsáveis pelas obras das usinas hidrelétricas; impedir ou ao menos modificar os projetos que ainda estão em fase de implementação, visto que o correto seria que esses projetos tivessem feito estudos de impacto pelo conjunto das obras e não estudos para cada obra em separado; garantir a consulta dos povos que vivem nos territórios impactados como prevê a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); barrar projetos que ampliam o etnocídio na região como as hidrovias para escoamento da produção de soja do centro-oeste.

Durante a ‘Caravana’ as lideranças de cada uma das aldeias-pólo de cada etnia evidenciaram que a implementação do Plano Básico Ambiental em Área Indígena (PBAI) tanto da UHE Teles Pires quanto da UHE São Manoel são feitas a revelia dos povos afetados, com programas que não atendem às necessidades de cada um, treinamentos insuficientes e materiais fornecidos de baixa qualidade.

Indígenas denunciam violações durante reunião na aldeia Kururuzinho
João Krixi e Candido Munduruku em reunião na aldeia Teles Pires
Marcia Munduruku, liderança e chefe das guerreiras da aldeia Teles Pires

A aldeia Teles Pires, da etnia Munduruku, vive hoje com o trauma da Operação Eldorado, realizada pela polícia federal com apoio da força nacional e em conjunto com a Funai e o Ibama. Essa operação consistia na destruição das dragas de garimpo ilegal que atuavam no rio Teles Pires, dentro do território da terra indígena Kayabi, Munduruku e Apiaká.

Por erros na condução da operação, o que deveria ser uma ação de rotina culminou com a morte de uma liderança indígena munduruku, Adenilson Krixi, agressões em diversos índios que estavam na aldeia incluindo mulheres e crianças. Uma situação de terror vivida por toda a comunidade da aldeia Teles Pires e que é alvo de uma ação do Ministério Público Federal que pede indenização de R$ 10 milhões para as vítimas da operação.

É ponto comum entre todas as aldeias que a qualidade da água piorou e a fauna aquática diminuiu, e há necessidade de se estabelecer os motivos disso, correlacionando, com o período de início da implementação das obras e operações de Usinas Hidrelétricas na região.

José Pereira de 69 anos carregando água potável
Diego Paleci mostrando a água poluída do rio que os indígenas que vivem na aldeia Kururuzinho usam para tomar, lavar roupas e cozinhar

Hoje, após 7 anos do início dos projetos da usina no rio Teles Pires, os povos presentes nas territórios indígenas Kayabi-Munduruku-Apiaká já são capazes de compreender que independentemente das pequenas compensações oferecidas, os impactos em seus modos de vida e a degradação ambiental são maiores, e assim buscam organizar-se, juntamente com aliados, para o enfrentamento de projetos futuros e cobrança de melhorias para o que já foi implementado.

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Caio Mota
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>>> jornalista >> produtor cultural > musico