A bígama de Dublin e outras histórias

Diúlit Bernart Oldoni
Nasci pra ser cidade
3 min readApr 10, 2019

Em Dublin eu conheci uma moça de trejeitos puritanos e que tinha um namorado no Brasil e outro na Irlanda — aparentemente, todos os envolvidos consentiam com a relação. Ela iria embora dali a alguns meses. O namorado irlandês não deixaria a cidade por nada, e ela não abandonaria o Brasil.

“O que você vai fazer, então?”, a colega perguntou.

“Terminar com ele e voltar pra casa. Paciência”, ela respondeu.

Os relacionamentos abertos de uma moça cuja aparência não fazia jus ao estilo de vida foi só um detalhe. O que me espantou mesmo foi sentir na pele uma realidade que a gente costuma ignorar: existem tantas pessoas no mundo, com tantas experiências diferentes. A gente até pode saber que tanta diversidade existe, mas, no dia a dia, não presta muita atenção e nem imagina tudo isso. A gente mal imagina que nós mesmos somos muito interessantes, enquanto seres humanos ativos em um mundo tão cheio de possibilidades.

Em outro momento, reparei uma outra moça que olhava mais para o colega gestor ambiental do que para o professor. No outro dia, apareceu com um “salve as tartarugas” estampado na camiseta e mudou o lugar onde sentava há meses, segundo relatos, para ficar do lado dele. Em um terceiro dia, o colega gestor ambiental resolveu falar comigo — o mesmo dia que marcou o início de olhares hostis dirigidos da moça a mim pelo resto do intercâmbio e também a recusa de conversar comigo mesmo nos momentos em dupla.

Um outro colega olhava de um para o outro nesse triângulo amoroso forçado e com ares de novela mexicana e um dia riu. Eu nunca conversei com ele, mas simpatizo até hoje.

Simpatizo, pois, como já deve ter ficado claro, me é prazeroso observar a existência humana e estar perto de humanos observadores.

Ser parte do todo é, também, observar: uma mãe que pediu para a filha fingir que estava dormindo junto com o pai para fazer uma foto do momento. Dois homens que dividiam, no meio da rua, os momentos de dança com uma mulher, todos animados e tão desprovidos do que a sociedade gosta de chamar de “decência” que a cena faria a conservadora Serra Gaúcha entrar em colapso. Um torcedor do Real Madrid em uma multidão de torcedores do Liverpool, em um bar assumidamente também torcedor do Liverpool, que não foi hostilizado, como eu mesma pensei, meio alarmada, quando vi o ponto branco no mar vermelho.

A gente sabe que o mundo é grande demais e que é habitado por pessoas demais. Todo mundo sabe. O que nos escapa à percepção é a ideia de que isso significa que há, nesse querido e velho mundo, espaço de sobra para todos os tipos de histórias e detalhes imagináveis. Prestamos muita atenção aos grandes fatos, aos mais notáveis — e então cremos, inconscientemente, que durante a rotina, cada habitante desse planeta acorda, toma o ônibus, trabalha, retorna ao lar, dorme. E que nada mais acontece, nada mais merece atenção.

É preciso dar cinco passos para trás para enxergar melhor o todo. É preciso estar longe de casa para enxergar o mundo, as pessoas e a vida.

O quanto de mundo nós perdemos todos os dias por acreditarmos que só estamos vivos um mês por ano?

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