Sobre ética, espaço público e pandemia: Uma conversa entre amigos

Nassor Oliveira
nassoroliveira
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5 min readMay 25, 2020
Ruas Vazias. Reprodução WeHeartIt.com

*Registro informal, formalizado de diálogo entre dois amigos com diferentes acúmulos, sobre um mesmo assunto:

“Em nossa sociedade, noções de coletividade nunca foram o forte. Vivemos em prol de uma barriga cheia, uma coroa na cabeça e um olhar de superioridade sobre nossos irmãos que fazem parte das chamadas “minorias”. Em tempos de crise sanitária, temos a coragem de abrir nossas bocas — ou teclar em nossos iPhones — e proferir palavras como: ‘Eu não posso perder o barzinho, a cervejinha e o futebol dos finais de semana por causa de uns irresponsáveis. Enquanto eu estou em casa, fulano tá lá se divertindo’. Já viram irresponsáveis terem algum senso do que é o valor humano?

Valor, basicamente falando, é o que estabelece a forma como uma pessoa se comporta e se relaciona com outros indivíduos e com o meio em questão.

Se perguntarmos a alguém — em pleno século XXI — o que é ética, talvez a pessoa dê aquela famosa ‘titubeada’ para responder, pois, infelizmente, é algo que estamos a cada dia deixando mais de lado…

Ética é um conjunto de princípios e valores que dão norte ao ser humano para que o mesmo possa conduzir sua vida em sociedade. Nada mais, nada menos!

Para o filósofo Aristóteles, a ética tem por finalidade conduzir o homem a prática do bem, por isso defendeu que a filosofia deveria servir de instrumento para que a sociedade alcançasse determinados níveis de bem e justiça.

Passados tantos séculos, será que, finalmente, conseguimos atingir e entender o mínimo sobre ética em um corpo social civilizado? Tampouco sabemos o que é isso…”

-Renan Maesse

A civilização atual se encontra diante de contradições que colocam em xeque noções que acompanham toda forma de pensar o agir humano, seja por vias políticas, morais e de comportamento em geral, entre o que se compreende como de responsabilidade coletiva contra o que é por sua vez, direito individual. “O direito de um se inicia quando o de outro termina e vice-versa” diria o conhecimento popular. E o questionamento que fica é o seguinte: “Até onde o meu direito vai sem atropelar o de outro indivíduo?” O que seria a “responsabilidade de todos”?

O espaço público, enquanto categoria, pode ser entendido sob perspectivas sociológicas, urbanísticas e políticas, todas elas convergindo em uma distinção entre o que seria considerado privado. O espaço público estaria sob tutela do Estado, por ser propriedade de todos, e ao mesmo tempo, de ninguém, nele ficaria inscrita a liberdade de circulação, ou seja, a de ir e vir sem constrangimentos.

A crise instaurada na nossa sociedade diante do COVID-19 incendeia uma disputa conceitual e de compreensão que nunca esteve de fato adormecida: O direito de ir e vir passa a ser cerceado por demandas públicas, logo o espaço privado, ou seja, a ocupação da propriedade passa a ser o único direito garantido, e a circulação no espaço de “todos e de ninguém” é restringida, sob regras que visam manter a segurança do coletivo, em função de partes dele injuriadas por uma chaga invisível e contagiosa.

Em um contexto como esse, como compreender aquelas pessoas que nada possuem? Quando ocupar as ruas é um direito já precarizado em condições normais, hoje não só o risco inerente a esse fato, a leitura pejorativa de quem possui o privilégio de não ocupar se torna ainda mais latente.

Reprodução: HousingforAll.eu

Mesmo diante da ameaça letal de um vírus, determinações como essa, que restringem desde a circulação “recreativa” até a que garante o básico para a sobrevivência se tornam controversas, justamente pela impossibilidade de tornar imperativas essas limitações. Não é possível impossibilitar por completo este direito, estando várias garantias fundamentais inscritas nela.

Reprodução: Instagram

Não é a toa que por este mesmo motivo, pessoas influentes, governantes e até mesmo conhecidos nossos podem reagir pensando apenas em sua condição: Uma tragédia para milhares de pessoas, pode ser apenas aprendizado para mim, e logo em seguida posso dar uma festa para comemorar, gritando literalmente “FO**-SE a vida”,posso estabelecer (ou não) políticas que vão resultar na morte de vários, mas não dos meus imediatos, posso circular de forma irresponsável, sem calcular os riscos, até que se tornem danos concretos.

“É preciso que a população — brasileira, especialmente — entenda que todos somos agentes reivindicantes, sendo assim, é necessário o requerimento de nossos direitos, para, então, torna-los válidos. E além disso, devemos também reconhecer o dever que temos com o Estado, por via Constitucional, e para com o próximo. O indivíduo é parte constante na mudança e manutenção dos paradigmas vigentes ou que nos remete a tempos passados.”

-Renan Maesse

Além disso, é preciso reconhecer os limites destes direitos, é preciso entender que a minha liberdade (não infectado, jovem ou apenas irresponsável mesmo) está interpelada por várias outras liberdades, e minha forma de ocupar o que é de todos precisa dialogar e respeitar a existência de pessoas que tem demandas diferentes das minhas, e que acordaram viver sob o mesmo contrato social.

Até onde a nossa ética enxerga aquilo que vai além de nós ? E o quanto precisamos aprender e desenvolver pra viabilizar uma convivência mais empática neste contexto ?

Lições para uma próxima conversa.

*Texto escrito em parceria com o amigo Renan Maesse, que inaugura sua participação no medium.com agora, sigam-o para acompanhar suas atualizações

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Nassor Oliveira
nassoroliveira

Cientista Político I Colaborador na Revista Subjetiva e Editor na Revista Marginália. Instagram: @nassoroliveira